Foram quase 30 anos de carreira para que Mateus Solano aceitasse o maior desafio de sua trajetória: ficar sozinho no palco. O ator, que começou a estudar teatro em 1996 e só em 2003 passou a se considerar artista, acumulou dezenas de novelas, séries e grandes montagens, mas sempre evitou o monólogo por não se sentir maduro o suficiente para tal.
Com o fim do contrato com a Globo em 2023, ele viu a oportunidade de se redescobrir enquanto artista e de se colocar “em um lugar propositivo e criativo”, palavras dele. Decidiu montar “O figurante”, monólogo que chega a Belo Horizonte nesta sexta-feira (15/8) e segue em cartaz até amanhã (16/8), no Teatro Sesiminas, com quatro sessões.
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Mateus faz o papel de Augusto, figurante de produções audiovisuais que começa a questionar seu próprio papel.
“É um cara que todo dia fala: ‘Muito bem, hoje eu vou fazer figuração como porteiro de escola. Como será que este porteiro se comporta? Será que ele gosta de criança? Será que ele gosta do trabalho dele? Como será que ele anda? Como será que fala?’ Mas, quando chega na gravação, o que pedem é que ele fique quietinho num canto”, conta o ator.
À medida que compartilha suas experiências no set, Augusto percebe o lugar marginal que lhe reservam e começa a se rebelar, questionando inclusive os papéis que recebe.
O personagem é a síntese do usuário moderno das redes sociais, que dá a si mesmo importância maior do que realmente tem. É aí que a comédia ganha tons dramáticos. “Ela convida o espectador a pensar sobre assumir o protagonismo da sua vida, ao mesmo tempo em que fala sobre a beleza de ser figurante e sobre a importância de entender a beleza de nós, como humanidade, sermos simples figurantes no universo”, ressalta o ator.
“Hoje, com o celular, as redes sociais e as várias formas de construirmos narrativas onde a gente é o centro, é necessário entender que nossa importância está justamente em fazer parte de algo maior do que nós”, acrescenta.
Com direção de Miguel Thiré – filho de Cecil Thiré (1943-2020) e neto de Tônia Carrero (1922-2018) –, “O figurante” foi escrito a seis mãos por Solano, Thiré e a atriz Isabel Teixeira, a partir do processo de improvisação e “escrita na cena”, permitindo que o inconsciente dos três guiasse a narrativa.
“Já é o quarto trabalho que eu e o Miguel fazemos juntos. Nossa relação se assemelha à de uma companhia de teatro, no sentido de estabelecer uma linguagem. Desenvolvemos o ‘teatro essencial’, cujo maior expoente é Denise Stoklos. É centrado no ator, que cria o cenário e o universo à sua volta apenas com o corpo”, explica.
No cerne de “O figurante” está a pergunta que já inquietava Sêneca: “Ao refletir sobre sua própria vida, você viveu ou foi vivido?”. Para Solano, a questão é mais que retórica. É um chamado para retomar a posse do próprio tempo antes que ele seja consumido por rotinas automáticas.
A peça também aborda o que o ator define como “invisibilidade para si mesmo” – o estado de quem, absorvido pelas engrenagens sociais, deixa de se olhar de verdade e perde contato com sua potência criativa.
Augusto é um homem comum que resiste como pode à força do automatismo. Todos os dias, tenta fazer algo diferente, mesmo que o mundo insista em engoli-lo. Nesse aspecto, o personagem remete a Albert Camus ao responder, com a “revolta criativa”, ao absurdo que a vida lhe impõe.
Comédia do desespero
A tensão é tratada com leveza. Mateus Solano aposta na tragicomédia para que o riso sirva de ponte para reflexões profundas. “Outro dia, uma espectadora disse: ‘Isto é uma comédia do desespero’. Achei lindo. Até porque comédia é ferramenta para falar de coisas sérias e aprofundar questões existenciais”, afirma.
“No caso, colocamos em pauta as perguntas: ‘Como você leva a sua vida?, 'A que dispositivos da sociedade você entrega seu tempo até viver no automático?', 'Em que momento você passa a viver apenas como uma função social, deixando de lado a potência e a criatividade do único tempo que tem neste mundo?’. São questões profundas, mas levadas de um jeito leve, porque estou sozinho em cena, usando a mímica para contar a história”, conclui. Mateus Solano.
“O FIGURANTE”
Peça de Mateus Solano, Miguel Thiré e Isabel Teixeira. Direção: Miguel Thiré. Com Mateus Solano. Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Nesta sexta (15/8), às 19h e 21h; sábado (16/8), às 18h e 20h. Ingressos: R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia), à venda na plataforma Sympla e na bilheteria. Informações: (31) 2116-0418.