Somente da plateia do Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, Rodrigo Pederneiras teve a constatação final: eles realmente tinham acertado. “A iluminação do Paulo (Pederneiras) e do Gabriel, o cenário do Paulo (criado com 82 mil tampas de latas de sardinha), tudo se encaixou tão perfeitamente. É raro acontecer dessa forma, pois foi uma piração a tal da ‘Piracema’”, afirma o coreógrafo do Grupo Corpo sobre o espetáculo que celebra os 50 anos da companhia de dança mais importante do Brasil.


Depois da temporada paulistana, que terminou no último domingo (24/8), o Corpo apresenta sua “Piracema” em “casa”, ou seja, no Palácio das Artes. Foi nesse palco que o grupo fundado em 1975 estreou, em 1º de abril de 1976, com “Maria, Maria”. As seis datas, desta quarta (27/8) a segunda (1º/9), estão esgotadas. O programa será aberto com “Parabelo” (1997), balé mais popular da companhia.


Dos 43 espetáculos do Corpo, 39 foram coreografados unicamente por Rodrigo. “Piracema”, o de número 44, não. Por sugestão do diretor artístico Paulo Pederneiras, o balé foi criado por ele e por Cassi Abranches.


Bailarina do grupo entre 2001 e 2013, como coreógrafa Cassi já assinou trabalhos para a companhia (estreou na função há 10 anos, com “Suíte branca”), além do Balé da Cidade de São Paulo, São Paulo Companhia de Dança e Ballet Nacional Chileno. Nora de Rodrigo (é mulher de Gabriel, diretor técnico da companhia), ela passa, a partir de “Piracema”, a ser coreógrafa residente do Corpo.

Veja trecho de "Piracema":


O processo de criação conjunta começou em separado, quando cada um deles criou sua própria coreografia, com a trilha criada por Clarice Assad (estreante na função, assim como os irmãos Marcelo Alvarenga e Susana Bastos, da Alva Design, que assinam os figurinos), com 11 bailarinos cada. Depois é que os dois se reuniram. Aí foi a tal “piração”.


Diferente de tudo

“Obviamente existiam momentos em que as coisas se completavam. Em outros, tivemos que modificar completamente o que tinha sido feito por mim e por ela. O tipo de movimento é totalmente diferente de tudo já feito. Falo muito em relação à composição espacial. Foi difícil”, diz Rodrigo. Um exercício de desapego, ele comenta.


A trilha também foi um aspecto complicado. “Ela é claramente dividida em três etapas. A Clarice [Assad] começa com uma coisa mais de floresta, de natureza. De repente, ela passa para uma segunda fase e há uma ruptura –entra um lado mais sala de concerto, com muita corda. E há, depois, uma segunda ruptura, com um momento eletrônica, de rua.”

"'Piracema' tem três balés com dois coreógrafos", afirma Cassi Abranches, ao explicar o trabalho desenvolvido por ela e Rodrigo Pederneiras

José Luiz Pederneiras/divulgação


E o resultado? “É uma coisa muito diferente, não tem cara de Brasil, mas de uma coisa mais universal. Se eu não soubesse, não diria que é um trabalho meu nem um trabalho da Cassi. A coisa se fundiu de tal forma que foi criado um terceiro elemento, que deu muito certo”, continua Rodrigo.


Ele conta que grande parte do balé é realmente dos dois. “A parte mais clássica, de cordas, a gente achou por bem trazer uma parte minha e outra dela. Agora, toda a primeira sessão, e o final, foram misturados mesmo.” O final dos espetáculos da companhia, de uma maneira geral, é sempre de forte impacto. O de “Piracema” é surpreendente, diz Rodrigo, mas de outra forma. “A finalização não é aquela coisa que explode. Ao contrário, ele é quase em fade out, vai se apagando lentamente.”


Rodrigo também comenta que a abertura com “Parabelo”, com a popular trilha de Tom Zé e José Miguel Wisnik, traz um contraste interessante. “’Piracema’ é bem universal e ‘Parabelo’ é a nossa peça mais regional, muito focada no sertão nordestino, que representa muito bem o que é o Grupo Corpo. São trabalhos completamente diferentes, que também (por isso) se completam.”

Veja entrevistas dos artistas do Corpo sobre "Piracema":


Serão 22 bailarinos em cena. A maior parte deles entrou no Corpo da pandemia para cá. A maioria é ainda bem jovem, na casa dos 20 e poucos anos. Rodrigo diz que o grupo atual é diferente das gerações anteriores. “A preparação técnica dessa moçada é muito impressionante, a técnica é mais apurada. Cada época tem suas características, mas com o elenco de hoje a gente pode exigir tudo. Qualquer coisa, eles dão conta de maneira esplêndida.”

'Piracema' tem trilha de Clarice Assad e coreografia de Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches

José Luiz Pederneiras/divulgação


Convite de Dudamel

Em meio à temporada de estreia de “Piracema”, que segue em setembro para Florianópolis, Porto Alegre e Rio de Janeiro e em outubro para o Nordeste, Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches estão de volta à sala de ensaios. Depois da bem-sucedida incursão com a Filarmônica de Los Angeles, quando, a convite do maestro Gustavo Dudamel, o Corpo criou a coreografia “Estância” (2023), balé do argentino Alberto Ginastera, a companhia vai trabalhar novamente com o regente venezuelano.

Com estreia em 26 de fevereiro, no Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles, o balé “Revolución diamantina”, da compositora mexicana Gabriela Ortiz, terá, mais uma vez, o Corpo, a orquestra e Dudamel, que em 2026 se despede da Califórnia para assumir a Filarmônica de Nova York.

A peça de Ortiz, “fortíssima” segundo Pederneiras, foi criada em resposta à revolta feminista ocorrida em 2019, após uma onda de violência contra as mulheres no México. Quase 15 minutos já foram coreografados por ele e por Cassi. Os dois estão trabalhando de maneira diferente da proposta realizada em “Piracema”. “Eu faço cinco minutos (da coreografia), ela vem e dá continuidade. Depois entro de novo e ela continua”, conta o coreógrafo.


GRUPO CORPO
Com “Piracema” e “Parabelo”. Desta quarta (27/8) a segunda (1º/9), no Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Ingressos esgotados.

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