O cineasta pernambucano Gabriel Mascaro trata de temas universais em sua obra. A morte em “Ventos de agosto” (2014), a relação entre o ser humano e o animal em “Boi neon” (2015), as igrejas neopentecostais em “Divino amor” (2019). Seu quarto longa de ficção, “O último azul”, que chega nesta quinta-feira (28/8) aos cinemas, aborda a velhice.
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O tratamento que Mascaro dá à questão é absolutamente original, como prega sua filmografia. Ele criou uma distopia amazônica em um road movie aquático, pois a ação se dá, a maior parte do tempo, nas águas dos rios. Estrelado por Denise Weinberg, o filme recebeu três prêmios em fevereiro, na 75ª edição do Festival de Berlim, incluindo o Urso de Prata (Grande Prêmio do Júri).
Na Amazônia, em um futuro não muito distante, os idosos podem levar uma vida produtiva até se aproximar dos 80 anos. Ao atingir o limite etário, são transferidos para uma colônia habitacional. Uma vez lá dentro, não voltam mais – e ninguém do lado de fora sabe o que se passa com eles.
Tereza (Denise Weinberg), de 77 anos, é funcionária de um grande frigorífico de jacarés. Vive sozinha, é ativa e independente e tem um contato menor do que gostaria com a filha e o neto. Depois de receber, a contragosto, uma medalha do governo pela idade avançada, ela é avisada de que tem que ir para a tal colônia. Não pode se responsabilizar por si mesma, e todas as decisões precisam do aval da filha.
Último desejo
Decidida a realizar um último desejo – viajar de avião –, Tereza embarca em uma aventura pelos rios. Em seu caminho, vai se deparar com alguns personagens, como Cadu (Rodrigo Santoro), um barqueiro que vive sozinho; Ludemir (Adanilo), jovem que vai ajudá-la (depois de receber seu próprio quinhão) e Roberta (a cubana Miriam Socarrás), mulher idosa que conquistou a própria liberdade.
“Cresci numa casa de classe média baixa em Recife, morando com avô, avó, tios. Quando meu avô morre, minha avó começa a pintar. Isso me inspirou muito a olhar para o corpo idoso a partir de outra chave”, comenta Mascaro. Ao pesquisar sobre o tema, ele logo percebeu a raridade de filmes com protagonistas idosos.
"O Último Azul” estreia em 155 salas brasileiras
“Quando tem, é sobre a relação com a finitude da vida, a pessoa está morrendo. Ou então com a ideia do idoso em descompasso com o progresso e em nostalgia com o passado. Eu queria olhar para outro lugar. Apostei em um filme sobre o desejo, sobre esse corpo feminino pulsando vida, ressignificando seu lugar de potência”, diz Mascaro.
Denise criou a sua Tereza a partir de intuição e dos ensaios feitos com o diretor. “Eu tinha estudado a estrutura da personagem, mas na hora do ‘pega pra capar’, ela ‘voa’. O Gabriel tem uma característica que é muito legal para qualquer ator que gosta de atuar: ele amarra tudo primeiro e depois te solta. E a Amazônia é um lugar em que você tem que ‘voar’, porque senão é engolido pela natureza.”
Imersão na Amazônia
O primeiro dos personagens que Tereza cruza em sua jornada é o barqueiro Cadu. Rodrigo Santoro afirma que filmar na Amazônia era um desejo alentado havia muito. “O mundo inteiro opina sobre a Amazônia, mas acho que só através da experiência de estar imerso naquele lugar é que você começa a compreender o tamanho e a força dali. Sempre quis ir, mas não queria uma viagem rápida, turística”, diz o ator, que fala da transformação passada por Cadu.
“No começo, ele está com o coração amargurado, em luto, pois é um homem que sofre de amor. O filme traz um olhar do masculino na contramão do que a gente está acostumado a ver. E, a partir do encontro com Tereza, Cadu vai vislumbrar outro caminho e entrar em contato direto com as suas fragilidades”, acrescenta Santoro.
O que acontece nesse encontro se remete ao título do longa, “O último azul”. Cadu tem uma experiência lisérgica, que Tereza só irá vivenciar em momento posterior da própria jornada. Um caracol é responsável por isso, como explica Mascaro.
“A gente precisava que as personagens tivessem essa coisa mais delirante, com um animal encantado. Em várias culturas, a fauna e a flora amazônica têm propriedades de expansão de consciência. Preferimos não usar nenhuma para não mexer com nada que pudesse ser sagrado para algum povo. Então criamos [a partir do caracol] nossa própria alegoria, o que terminou sendo muito bom, porque nos libertamos para filmar algo muito singular”, afirma Mascaro.
Aniversário do Belas Artes
O UNA Cine Belas Artes, mais importante cinema de rua de Belo Horizonte, completa amanhã (29/8) 33 anos. A despeito das mudanças do tempo, as três salas continuam com a mesma premissa: exibir filmes independentes, de arte, de diferentes países. Além de “O último azul”, que terá sessão no domingo (31/8), às 18h30, com a presença do diretor Gabriel Mascaro, o Belas lança nesta quinta (28/8) outros dois longas: as comédias “Os Roses”, de Jay Roach, e “Ladrões”, de Darren Aronofsky. O espaço integra o circuito de salas que está promovendo a Semana do Cinema: até a próxima quarta (3/9), os ingressos custam R$ 10.
“O ÚLTIMO AZUL”
(Brasil/México/Países Baixos/Chile, 2025, 85min.) – De Gabriel Mascaro, com Denise Weinberg, Rodrigo Santoro e Miriam Socarrás) – O filme estreia no Centro Cultural Unimed-BH Minas, às 16h, 18h; Cidade 3, às 15h20, 19h05; Pátio 3, às 14h, 16h15; UNA Cine Belas Artes, às 14h, 15h40, 17h20 e 19h (exceto domingo); 13h40, 15h10, 16h50, 18h30 (somente domingo)