PARACATU - Uma vida pautada pelo humor, pelas sátiras do cotidiano, por transformar os momentos do dia a dia em crônicas inspiradas não pode provocar apenas tristezas quando chega ao fim. A morte de Luis Fernando Verissimo (1936-2025), na manhã deste sábado (30/8), aos 88 anos, ocorreu pouco antes do início do quarto dia do Festival Internacional de Paracatu, em que escritores, entre admiradores e amigos pessoais do cronista, estão reunidos. O que os olhos de cada um produzem de lágrimas ao falar do grande mestre, a boca transforma em sorriso ao celebrar vida e obra do escritor.

“É muito simbólico ele falecer nesta data, com todos os escritores aqui no Fliparacatu, porque, de certa forma, nos unimos na homenagem que Luis Fernando Verissimo merece”, diz Afonso Borges, idealizador do festival. Pela manhã, durante a entrega do prêmio de redação, primeira atividade do dia do festival, Afonso conduziu uma homenagem acompanhada à distância pela família de Verissimo.


Artista completo 

Em sua fala, Afonso destaca a versatilidade do amigo, que foi músico, humorista, cartunista, desenhista, o que, nas palavras dele, fez de Verissimo “um artista completo”. Afonso aproveitou para desfazer alguns mitos em torno da figura de Verissimo, com quem manteve uma amizade de quatro décadas, segundo diz. “Há essa história de que ele falava pouco e etc. E não, ele falava o que devia falar na hora certa e com frases sintéticas.


A percepção é compartilhada pelo escritor Matheus Leitão, que teve a oportunidade de se encontrar certa vez com Verissimo, autor que o marcou profundamente na juventude, sobretudo com “As mentiras que os homens contam”. Segundo Leitão, não era que Verissimo fosse caladão. Era só que ele nunca usava palavras a mais, e sim usava as palavras certas.

Em 1975, estreavam "As cobras", tirinha de Verissimo publicada no jornal Zero Hora, em Porto Alegre. As duas serpentes costumam conversar sobre o mundo, o cotidiano e a existência Luis Fernando Verissimo/Reprodução
Em maio de 2024, foi lançado nos cinemas o documentário "Verissimo". Dirigido por Angelo Defanti, o filme acompanhou Luis Fernando Verissimo nas duas semanas anteriores a seu aniversário de 80 anos, em 2016 Igor Spertotto/Reprodução
O Analista de Bagé foi personagem criado por Verissimo em 1981, sátira aos homens gaúchos. As narrativas de humor foram adaptadas para o teatro pela primeira vez em 1982. Cláudio Cunha (1946-2015) ficou famoso no papel do protagonista Divulgação
Luis Fernando Verissimo recebeu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005, condecoração post-mortem concedida a seu pai, o escritor Erico Verissimo (1905-1975) Jose Varella/Reprodução
Em 2011, Luis Fernando Verissimo veio a Belo Horizonte participar da comemoração dos 25 anos do projeto Sempre um Papo, no Palácio das Artes Marcos Vieira/EM/D.A Press
Além de se dedicar à literatura, Luis Fernando era músico. Aprendeu a tocar saxofone com 16 anos e formou grupos de jazz com amigos Leo Drumond/Reprodução
O gaúcho Luis Fernando Verissimo era escritor, cartunista e dramaturgo Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
De 1995 a 1997, a TV Globo exibiu a série "A comédia da vida privada", inspirada nas crônicas de Luis Fernando Verissimo. O elenco reuniu Diogo Vilela, Fernanda Torres, Pedro Cardoso e Paulo Betti Nelson Di Rago/Reprodução
O tímido escritor foi casado com a extrovertida Lúcia Verissimo por 62 anos. Tiveram três filhos - Mariana, Fernanda e Pedro - e dois netos Adriana Franciosi/Reprodução

“Hoje é um dia que machuca pelo sentimento de que ele não está aqui na presença física, mas a obra dele é eterna. A presença dele é eterna. E a literatura construída por ele nos mostra que existem muitos caminhos que a gente pode seguir. Todo esse luto vai virar uma grande alegria por tudo que ele nos representa, como escritores e como país. Verissimo é gigante, Verissimo é o Brasil”, disse.


Homem múltiplo 

Sérgio Abranches, um dos curadores da Fliparacatu, ressalta a capacidade que Verissimo teve de atingir os leitores a partir do seu dom de comunicador - mesmo com muita erudição foi capaz de tornar sua arte acessível ao grande público. “Essa singularidade do Verissimo, esse homem múltiplo que escrevia romances, que foi um dos maiores cronistas do Brasil, que passava ideias para as tirinhas como cartunista na época da ditadura para enganar a censura. E sempre tem um traço filosófico no que ele fala, mas nunca com uma complexidade que as pessoas não entendam.


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Verissimo produziu literatura para todas as idades e foi responsável pelos primeiros passos de muitas pessoas que o conheceram quando crianças ou adolescentes e continuaram a acompanhá-lo na vida adulta. A escritora Bianca Santana é uma delas. “Sinto uma gratidão imensa pelo Luis Fernando Verissimo ter sido tão generoso e produzido uma obra tão intensa, lida por gerações de brasileiros. Comecei a lê-lo ainda na adolescência e é uma literatura que me interessa adulta e também é lida pelos meus filhos adolescentes e que permite diálogo entre gerações”.

O escritor Marcelino Freire conta que conheceu o lado generoso de Verissimo. Foi na Balada Literária, festival promovido por Marcelino, do qual Verissimo participou duas vezes. O autor pernambucano teve contato com a obra de Verissimo ainda na adolescência, por meio da coleção “Para gostar de ler”.

Tê-lo como convidado da Balada Literária representou para ele uma realização.
“Ele escrevia o que era preciso, o que era necessário. E o que era preciso? Gostar de ler. Ele nos ensinou a gostar de ler. Ele sempre foi o escritor dos primeiros leitores, das primeiras leituras. Vai fazer muita falta, mas os textos vão continuar ai, pra gente continuar a gostar de ler”, afirmou.


O humor impresso por Verissimo, com suas ironias, sátiras e reflexões não chegou ao seu fim, avalia a escritora Carla Madeira. “Eu acho que foi uma grande perda, mas a gente também pode pensar no quanto foi incrível ter ele com a gente e a obra que ele deixou. Nesse momento a gente sente essa tristeza, mas também tem que vir uma força alegre de reconhecer a sorte que a gente tem de ter o Verissimo nas nossas vidas.


*O repórter viajou a convite da Kinross, patrocinadora do Festival Literário de Paracatu (Flip Aracatu), via Lei Federal de Incentivo à Cultura.

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