‘Refém’ faz sucesso na Netflix com embate entre duas líderes mundiais
Série tem a atriz Julie Delpy (‘Antes do amanhecer’) no papel da presidente da França, em conflito com a premiê britânica, vivida por Abigail Dalton
compartilhe
Siga noTramas conspiratórias permitem quase tudo. Se o texto é bom, a história vai longe, carregando consigo um espectador afoito para encontrar o fio da meada. Grande parte das produções atuais do gênero, no entanto, é um amontado de generalidades. “Refém”, uma das séries mais assistidas da Netflix nos últimos dias, infelizmente, faz parte dessa segunda leva.
Leia Mais
Duas boas atrizes – a britânica Suranne Jones, cujo grande momento foi em “Gentleman Jack”, como Annie Lister, considerada a “primeira lésbica moderna” – e a francesa Julie Delpy – que tem várias credenciais, a mais conhecida delas a trilogia “Antes”, de Richard Linklater – interpretam duas antagonistas, a primeira-ministra do Reino Unido e a presidente da França, respectivamente.
Abigail Dalton (Jones) foi eleita recentemente para ocupar a célebre residência da Downing Street, número 10, em Londres. Sua maior promessa de campanha para o cargo de primeira-ministra foi impulsionar o Serviço Nacional de Saúde por meio do esvaziamento das Forças Armadas.
Ela só foi bem-sucedida no segundo ponto. No momento em que a série tem início, o Reino Unido está enfrentando grande escassez de recursos médicos vitais. Doentes estão morrendo por falta de tratamento.
Cúpula em Londres
A crise é iminente quando Dalton conhece pessoalmente Vivienne Toussaint (Delpy). A presidente francesa acaba de chegar a Londres para uma cúpula. No meio de uma campanha para reeleição, ela teve que entrar no jogo político e se aproximou bastante da extrema-direita.
Dalton se vê forçada a colocar as diferenças ideológicas de lado, pois Toussaint tem os suprimentos médicos de que o Reino Unido precisa. Só que a francesa tem seus próprios interesses, e o preço que o país vizinho terá que pagar é caro.
A trama é desenhada dessa forma, e isso é interessante. Mas a vida pessoal das duas mandatárias logo entra no jogo, a começar pelo marido de Dalton. Ela é bem casada com Alex Anderson, membro do Médicos Sem Fronteiras.
Logo no primeiro episódio, ele, com outros três colegas, é feito refém na Guiana Francesa. A única exigência dos sequestradores é a renúncia de Dalton. Líderes globais não negociam com terroristas, qualquer um que já viu alguma produção do gênero conhece bem a cartilha. E a primeira-ministra, a despeito do quadro que se forma, não está nem um pouco tentada a mudar isso.
União de interesses
Irredutível diante do grupo que sequestrou seu marido, Dalton resolve ceder aos interesses de Toussaint, caso ela a ajude a salvar os médicos. As duas mulheres, a despeito das diferenças, parecem se unir em prol da família. Mas aí é a própria Toussaint que é chantageada pelos sequestradores. Caso se alie a Dalton, ela estará comprometida.
O quadro geral é esse, e a sinuca de bico vai se desenvolvendo com a entrada de coadjuvantes que vão dar mais caldo para a trama. Do lado britânico, o personagem mais relevante é Kofi Adomako (Lucian Msamati), principal conselheiro de Dalton. Ele parece ser a voz da razão ali, mas uma investigação pode comprometer seu lugar.
Do lado francês, há o enteado de Toussaint, Matheo (Corey Mylchreest), um esquerdista disposto a protestar contra a própria madrasta. Seu pai é um magnata das comunicações (papel de Vincent Perez, que entra e sai sem dizer muito a que veio), que a gente logo imagina ser um Rupert Murdoch francês.
Boa parte da ação se passa na residência da Downing Street. Uma pintura de Winston Churchill na parede nunca nos deixa esquecer a importância daquela casa para a história mundial. As sequências na Guiana (na verdade, rodadas na Ilhas Canárias) não trazem ação o suficiente para que torçamos para o resgate. As cenas são de tal forma protocolares que dá pra gente se perguntar se faltou investimento para que se tornassem mais reais.
O problema maior, no entanto, é que, à medida em que a trama avança, ela se afasta do desenho inicial. O interessante seria acompanhar a relação conflituosa de duas das principais líderes mundiais. Mas não: “Refém” cria tantas subtramas improváveis que para a história seguir adiante tudo é resolvido muito rapidamente – e sem muito tempo para ir a fundo em tantos problemas apresentados. A grande sequência de terrorismo é algo absolutamente inverossímil, diga-se.
Como são apenas cinco episódios, é fácil seguir com a série até o final anticlimático. O sucesso de “Refém”, aliás, parece mais um sintoma da carência de produções adultas na Netflix do que propriamente um reflexo de seus próprios méritos.
“REFÉM”
• A minissérie, em cinco episódios, está disponível na Netflix.