LITERATURA

Autor de ‘Pssica’ comenta adaptação do livro para o formato de série

Edyr Augusto diz estar satisfeito com a versão da Netflix, que tem direção de Quico e Fernando Meirelles, para a história que denuncia abuso infantojuvenil

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Aos 13 anos, Janalice tem a vida despedaçada depois que um vídeo íntimo viraliza. Da escola às ruas de Belém, da violência doméstica ao tráfico humano, sua trajetória expõe uma ferida aberta na Amazônia. Criada por Edyr Augusto no livro "Pssica", a personagem hoje alcança quase 70 países, graças à adaptação feita pela Netflix, levando consigo a denúncia brutal da exploração sexual infanto-juvenil no Norte do Brasil.


Publicado há 10 anos pela Boitempo Editorial, o livro nasceu como denúncia. Com sua prosa seca, o autor paraense expõe de modo contundente um cenário de exploração sexual e tráfico humano que já assombrava a região Norte havia décadas e que permanece atual.


Ao ganhar corpo em uma superprodução dirigida por Quico e Fernando Meirelles – a série foi a mais vista da plataforma em 68 países, em menos de duas semanas após a estreia, em 20 de agosto –, "Pssica" reafirma a vocação do autor para transformar a ficção em lente de aumento para a violência cotidiana na Amazônia.


O tema não é novidade. Denúncias de exploração sexual na Ilha de Marajó, no Pará, remontam a pelo menos 2006, quando o então bispo da região, dom José Luís Azcona (1940-2024), tornou públicos casos de prostituição infantil que assolavam comunidades inteiras.


Rotina de abusos

Em “Pssica”, depois que o vídeo íntimo de Janalice viraliza, a menina começa a sofrer bullying, apanha dos pais e é mandada para a casa de uma tia em Belém. Na capital paraense, ela se torna vítima recorrente de abuso pelo namorado da tia, faz amizade com uma jovem dependente química, experimenta crack, é raptada e vendida para exploração sexual. Antes de chegar à Guiana Francesa, contudo, a garota passa pelas mãos de diferentes “donos” e, numa das passagens mais controversas do romance, chega a sentir prazer sexual durante o abuso.


"Ao escrever essa passagem, eu até parei para pensar se aquilo deveria entrar no livro ou não", conta Edyr Augusto, em entrevista ao EM. "Eu sabia que muitas leitoras ficariam indignadas comigo, argumentando ser inadmissível uma mulher sentir prazer naquele contexto. Mas essa ideia nasceu de maneira espontânea durante a escrita. São aquelas coisas que acontecem de maneira recorrente na literatura: o personagem passa a pensar por si próprio e toma o rumo dele".


O caminho de Janalice se cruza com o de Preá, jovem pirata dos rios da Amazônia que assume a liderança do grupo após a morte do pai, então chefe da quadrilha. Preá se apaixona pela garota e promete tirá-la daquela situação, mas seu objetivo não é devolver a liberdade a ela, e sim tê-la para si. Ambíguo, transita entre bondade e perversidade, fazendo o leitor ora ter certa compaixão, ora grande repulsa.


Crimes

Esse estilo de personagem é típico das histórias de Edyr Augusto. É o que ocorre, por exemplo, com o protagonista sem nome de "Moscow" (2014), um garoto ignorado pelos pais que decide passar férias na Ilha de Mosqueiro – ou Moscow, como os paraenses chamam o lugar. Lá, passa o tempo com amigos pelos rios, cometendo furtos, roubos, estupros e assassinatos.


Tal brutalidade também é característica. Em "Belhell" (2020), Edyr narra a história de um escritor que se vê imerso no submundo de Belém – daí o sugestivo título –, entre cassinos clandestinos, boates, tráfico, prostituição e assassinatos. Enquanto tenta compreender a cidade e suas regras, o personagem ouve histórias de pessoas que buscam poder e sobrevivência, cruzando violência, ambição e cultura local.


"Nos meus livros, essa questão da territorialidade também é muito forte", diz o autor, lembrando que "Os éguas" (1998) e "Selva concreta" (2012) também se passam na Amazônia. "É aquela máxima: ‘Fale da sua aldeia e estará falando do mundo’", acrescenta, citando Tolstói.


"Mas, ao mesmo tempo, não sou aquele autor descritivo, que vai, por exemplo, falar que as cerejeiras estavam florindo no momento em que o personagem passou por elas e que aquilo formava um cenário bonito… Eu não quero saber disso, gosto de ir direto aos fatos. Por isso acelero a narrativa, chamando o leitor para ser meu cúmplice. É ele que está fazendo o livro junto comigo, imaginando o cenário da história que estou contando", comenta o escritor.


Talvez seja esse o motivo das críticas que ele ouviu à adaptação de "Pssica", por não ter sido tão fiel ao livro – críticas com as quais diz não concordar, vale dizer. "No livro, é como se o leitor fosse o diretor da história. Ele imagina os cenários, a fisionomia dos personagens, as vozes, posturas. Tudo isso. Mas eu compreendo que livro e série são gêneros diferentes. E estou muito satisfeito com essa adaptação; espero que ela incentive as pessoas a procurarem o livro para ler", afirma.

“PSSICA”
• A série em quatro episódios está disponível na Netflix.

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