"Francamente, me sinto um pouco despreparado para essa pergunta. Estou aqui para julgar e falar sobre cinema." Essa foi a resposta que o cineasta norte-americano Alexander Payne, presidente do júri do Festival de Veneza, deu na conferência de imprensa, em 27 de agosto, quando perguntado sobre a guerra em Gaza. Diante disto ,e a despeito do impacto causado por “The voice of Hind Rajab”, o vencedor do Leão de Ouro foi “Father mother sister brother”, de Jim Jarmusch.

 O surpreendente anúncio foi feito no encerramento da 82.a. edição do evento, hoje (6/9). O longa da tunisiana Kaouther Ben Hania, favorito a Melhor Filme, levou o Grande Prêmio do Júri, o segundo mais importante do festival.

Aplaudido durante 23 minutos em sua première, um recorde absoluto em Veneza, o longa reconstrói uma história real ocorrida em 29 de janeiro de 2024 na Faixa de Gaza. Hind Rajab era uma garota de seis anos que conversou por horas com uma equipe de socorro médico depois que o carro onde estava com sua família foi atingido por um ataque israelense. Seu corpo foi encontrado dias mais tarde.

Cineasta italiana Maura Delpero entrega o troféu Leão de Prata à tunisiana Kaouther Ben Hania, diretora de 'The voice of Hind Rajap', filme que recebeu ovação recorde ao ser exibido no Festival de Veneza

Tiziana Fabi/AFP

“O cinema não pode trazê-la de volta, nem pode apagar a atrocidade cometida contra ela. Nada pode restaurar o que foi tirado, mas o cinema pode preservar sua voz, fazê-la ressoar através das fronteiras, porque a história não é só dela. É tragicamente a história de um povo inteiro sofrendo genocídio, infligido por um regime israelense criminoso que age impunemente”, afirmou Kaouther Ben Hania em seu discurso de aceitação.

Cineasta cultuado que emergiu na década de 1980 no cinema alternativo e criou uma coleção de heróis desajustados, Jarmusch pareceu realmente surpreso ao ouvir seu nome ecoar no Palazzo del Cinema, no Lido de Veneza. “Oh, shit”, praguejou o diretor quando o anúncio do Leão para “Father mother sister brother” veio à tona.

“A arte não precisa abordar a política diretamente para ser política. Ela pode gerar empatia e uma conexão entre nós, o que é realmente o primeiro passo para resolver os problemas que temos. O grande mestre japonês Akira Kurosawa, ao recebeu um Oscar pelo conjunto da obra, há alguns anos e já bem velho, disse que estava preocupado por ainda não saber como fazer. Tenho a mesma sensação. Aprendo a cada vez”, afirmou Jarmusch.

Filme menor de Jarmusch

“Father mother sister brother” foi considerado pelo crítica um filme menor de Jarmusch. A comédia, com elenco estelar – Adam Driver, Tom Waits(recorrente nas produções do cineasta), Charlotte Rampling, Cate Blanchett, entre outros – participam da trama com três episódios centrados em relações familiares.

Ao citar, no agradecimento, Benny Safdie, Leão de Prata (Melhor Direção) por “The smashing machine”, Jarmusch acrescentou: “Meu compatriota americano, e isso não é nossa culpa, a propósito.”

Bem recebido em Veneza, o longa de Safdie é estrelado por Dwayne Johnson. História de redenção baseada na vida do lutador Mark Kerr, acompanha um atleta de MMA que, ao se viciar em remédios, coloca a carreira em xeque.

O Prêmio Especial do Júri foi para o documentário italiano “Sotto le nuvole”, de Gianfranco Rosi, sobre o vulcão Vesúvio e a região que o circunda, com destaque tanto para a história, a geografia e os habitantes da localidade.

Fernanda Torres entrega o prêmio Casa Volpi ao italiano Tony Servillo, ator do filme 'La grazia'

Tiziana Fabi/AFP

Fernanda Torres

Integrante do júri de sete integrantes, Fernanda Torres entregou o prêmio de Melhor Ator ao italiano Tony Servillo, por “La grazia”, dirigido por outra estrela da casa, o cineasta Paolo Sorrentino. O filme, inclusive, foi o longa de abertura do festival.

Na trama ficcional, Servillo interpreta o presidente da Itália que, em meio a uma crise existencial no fim de seu mandato, decide rever um projeto importante elaborado por sua filha: a legalização da eutanásia. Já o prêmio de Melhor Atriz foi para a chinesa Xin Zhilei, de “The sun rises on us all”, de Cai Shangjun, drama sobre o reencontro, muito anos depois, de dois ex-amantes.

Completando a lista dos principais prêmios em Veneza, a francesa Valerie Donzelli recebeu o troféu de Melhor Roteiro (dividido com Gilles Marchand)por "À pied’oeuvre",uma crítica ao sistema de trabalho.

Adaptação do romance autobiográfico de Franck Courtès, o longa acompanha um fotógrafo de sucesso que abandona uma vida confortável para se dedicar à escrita. Essa opção faz o protagonista, interpretado por Bastien Bouillon, entrar no campo da libertação criativa, mas também na precariedade laboral.

Já o Prêmio Marcello Mastroianni, que destaca um jovem intérprete, foi para a atriz suíça Luna Wedler. Em “Silent friend”, da diretora húngara Ildikó Enyedi, ela interpreta uma estudante que em 1908 se torna a primeira mulher a tentar se candidatar ao curso de botânica de uma tradicional instituição alemã.

OS PREMIADOS EM VENEZA

• Leão de Ouro de Melhor Filme: "Father mother sister brother", de Jim Jarmusch

• Grande Prêmio do Júri: "The voice of Hind Rajab", de Kaouther Ben Hania

• Leão de Prata de Melhor Direção: Benny Safdie, por "The smashing machine"

• Copa Volpi de Melhor Atriz: Xin Zhilei em "The sun rises on us all", de Cai Shangjun

• Copa Volpi de Melhor Ator: Toni Servillo em "La grazia", de Paolo Sorrentino

• Prêmio de Melhor Roteiro: "A pied d'oeuvre", de Valérie Donzelli

• Prêmio Especial do Júri: "Sotto le nuvole", de Gianfranco Rosi

• Prêmio Marcello Mastroianni de melhor ator ou atriz revelação: Luna Wedler em "Silent friend", de Ildikó Enyedi

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