Até que ponto o Estado pode interferir na vida do cidadão? Qual o limite para os sonhos de quem chega à maturidade? Você está mesmo no comando ao atingir certa fase da vida? Essas e outras questões têm levado homens e mulheres à reflexão e conversas prolongadas após assistirem ao filme “O último azul”, em cartaz nos cinemas.


Na sala de exibição, há pessoas de todas as gerações, com destaque para os 70+. Alguns risos nervosos, silêncios profundos, palavras proferidas em tom mais alto e emoção tomam conta da plateia.


Dirigido por Gabriel Mascaro e estrelado por Denise Weinberg, o longa vencedor do Leão de Prata no Festival de Berlim acompanha Teresa, que, aos 77 anos trabalha num frigorífico de carne de jacaré, no Norte do país. Num “belo” dia, ela é demitida e recebe o aviso de que será levada compulsoriamente pelo lar de idosos instituído pelo governo.


“Há muito para se comentar sobre o filme, especialmente sobre a desvalorização do idoso como pessoa ativa”, diz a costureira Marina Souto, de 80 anos, residente em Lavras, no Sul de Minas. Aproveitando o fim de semana em BH, ela foi ver “O último azul” com a sobrinha Clecimar Viana Andrade, no UNA Cine Belas Artes.


“Teresa é uma mulher com todas as possibilidades de vida e trabalho, lúcida, sem necessidade de cuidador e, de repente, tem seus direitos negados pelo Estado. Não admite isso, como eu também não admito, pois sabe da sua força”, diz a costureira, que trabalha desde os 12 anos, faz ginástica quatro vezes por semana e se desloca de ônibus. “Eu me identifiquei com ela na questão de se ter liberdade”, afirma Mariana.


“Maravilhoso”

A servidora pública aposentada Cila Diniz, que completa 80 anos no próximo sábado (27/9), diz que achou o filme “realmente maravilhoso”. “Podemos fazer ainda muito aos 90, aos 100 anos. Não devemos pensar em finitude devido à idade. A Teresa busca uma forma de sair da mesmice logo após perder o emprego. Em vez de se conformar com a situação e ficar sob tutela da filha, busca novos horizontes”.


Ela aprova a escolha dos atores: “Denise Weinberg tem o rosto de uma mulher madura, então fica melhor identificá-la com a personagem. Gostei também do Rodrigo Santoro [no papel do barqueiro Cadu].


Cila foi ao cinema na companhia da amiga “dos tempos de adolescência” Maria das Graças Barbosa, de 77, pedagoga, também viúva, que tem dois filhos e dois netos e mora no Anchieta, na Região Centro-Sul de BH. Os elogios dela vão para a direção, locações, na região amazônica, e a personalidade forte de Teresa. “É determinada, guerreira, não aceita que definam sua vida. Sabia que tem muito a fazer no mundo e dá seu jeito”, diz Maria das Graças.

 


Futuro distópico

Logo nos primeiros minutos do filme, entra em cena o “cata-velho”, veículo oficial, com a placa de Polícia Cidadã, parecido com as antigas carrocinhas para pegar cães de rua. Mas, no lugar dos animais, são transportadas pessoas com mais de 75 anos – num futuro distópico, a lei determina que homens e mulheres nessa idade e acima dela sejam levados para uma colônia.


Diante do cata-velho, há risos na plateia. “As pessoas riem, mas não tem graça alguma. Penso que riem de nervoso, é uma situação patética”, opina Maria das Graças, que procura aproveitar toda a programação cultural da cidade, participa de um coletivo de bordadeiras e faz parte de um grupo de literatura. Se o sonho de Teresa é andar de avião, o da pedagoga vai além. “Gosto de viajar, mas quero que nosso país tenha justiça social e invista na educação, sem dúvida a base de uma nação.”


Ainda distante da “idade de corte” imaginada na ficção, o aposentado José Geraldo Araújo, de 67, morador há 15 anos do distrito de Serra do Cipó, em Santana do Riacho, gostou do que viu e considerou uma forma diferente e artística de falar de uma sociedade autoritária, independentemente da vertente política.


Na saída, o repórter brinca com o porteiro da sala de exibição no Belas Artes – Luciano Ribeiro, o Selvagem, há 32 anos na empresa –, que havia perguntado, na entrada do plateia, se estava “tudo azul”. A resposta sobre o filme é afirmativa, mas, mentalmente, vai além: tudo azul, sim, com todos os tons que vão do forte ao mais suave – assim como o céu de Teresa.


“O ÚLTIMO AZUL”
(Brasil/México/Países Baixos/Chile, 2025, 85min.) Direção: Gabriel Mascaro. Com Denise Weinberg, Rodrigo Santoro e Miriam Socarrás. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 18h40), no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 1, 20h20, somente nesta quinta, 25/9, e Sala 2, 20h45, somente nos dias 29/9, 30/9 e 1/10) e no Ponteio (Sala 3, 14h e 19h).

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