‘O último episódio’, novo acerto da Filmes de Plástico, estreia hoje
Longa de Maurilio Martins faz retrato do Brasil periférico nos anos 1990, com a história de amigos que se ajudam no dia a dia e nos desafios do primeiro amor
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Não são muitos os artistas que conseguem fazer do banal algo grandioso e emocionante, encontrando plenitude, beleza e sentido nas pequenas coisas, sem cair na armadilha da ingenuidade.
Gabriel Martins soube fazer isso muito bem com o longa “Marte Um”, escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2023 de Melhor Filme Internacional. Seu amigo e sócio na produtora Filmes de Plástico, André Novais, não ficou para trás, ao lançar “O dia que te conheci” (2024).
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Outra ponta da trinca de diretores que comandam a produtora de Contagem ao lado do produtor Thiago Macêdo Correia, o cineasta Maurilio Martins mantém essa característica no excelente “O último episódio”, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (9/10).
Maurilio transporta o espectador para o início dos anos 1990, mais especificamente para o Bairro Laguna, em Contagem, onde o pré-adolescente Erik (Matheus Sampaio) leva uma vida comum, ao lado dos amigos de escola Cassinho (Daniel Victor) e Cristiane (Tatiana Costa).
Não há nada de extraordinário no cotidiano deles. Não são populares, mas também não fazem parte do grupo dos rejeitados. Não tiram as melhores notas, embora não estejam entre os piores da turma. São garotos comuns, que enfrentam os dilemas típicos de quem está entrando na adolescência: o medo do futuro, a formação da identidade e, claro, o primeiro amor.
Nova aluna na escola
Erik se apaixona por Sheila (Lara Silva), aluna nova da escola, e tenta se aproximar dela de todas as formas, mas a garota não cede. Só vê uma chance ao descobrir que Sheila é fã de “A caverna do dragão”. Então, arrisca: “Sabia que eu tenho a fita do último episódio?”.
A verdade é que a animação nunca teve seu último episódio exibido na TV brasileira. A série terminou com 27 episódios, e o roteiro do 28º, escrito pelo criador Michael Reaves, encerraria a história dos jovens presos no mundo mágico. No entanto, ele nunca foi animado por completo. Durante décadas, esse final virou mito entre os fãs, alimentado por boatos e versões.
Quando Erik diz que tem a fita do último episódio, Sheila se anima e topa ir até a casa dele para assistir. No entanto, como tal episódio não existe, Erik convoca os amigos Cassinho e Cristiane para produzirem de maneira artesanal a história que põe fim à saga.
O resultado desse esforço pouco – ou nada – importa. A força motriz do roteiro assinado por Maurilio em parceria com Thiago Macêdo Correia é a relação de parceria e cumplicidade do trio de protagonistas.
Cada um dos meninos tem suas dificuldades em casa. Cristiane vive com a avó há alguns anos, porque a mãe foi para os EUA. Cassinho é criado numa família evangélica tradicional. Erik, órfão de pai, quase não vê a mãe, que trabalha em tempo integral numa rede de supermercados.
Juntos, porém, são apenas pré-adolescentes felizes, que riem, brincam e discutem de vez em quando. Em camadas mais profundas, “O último episódio” é também um filme político. “Nós, brasileiros, temos uma dificuldade muito grande de compreender o que é um filme político”, afirma o diretor.
“É [um ato político] quando colocamos em cena um garoto que quase nunca vê a mãe, porque ela tem que se matar de trabalhar para conseguir sustentar a casa”, cita. “Ou então trazer a história de uma menina que provavelmente não vai mais ver a mãe, que foi para os EUA ilegalmente em busca de uma vida melhor em meio à hiperinflação de 1991”, acrescenta.
Filme periférico
Mas, acima de tudo, “O último episódio” é um filme periférico, segundo Maurilio. “Um retrato singular de um Brasil de 1991 pela ótica adolescente da periferia”, diz.
Além da sensibilidade que o cineasta consegue atingir com o longa, também se destaca a reconstituição da época, feita por meio de elementos cênicos, figurinos, penteados e gírias. São referências explícitas e sutis, como o anúncio da novela “Mar de rosas” na TV da casa de Erik – o folhetim realmente estava no ar à época pela Manchete – ou quando o menino come o chocolate Surpresa, sensação entre a garotada nos anos 1990.
A trilha sonora, assinada por John Ulhoa e Richard Neves, do Pato Fu, praticamente não conta com músicas da época, mas captura a mesma sonoridade do que se tocava nos anos 1990. E os atores Matheus Sampaio, Daniel Victor e Tatiana Costa incorporam naturalmente o espírito e os trejeitos de pré-adolescentes noventistas – os três, nascidos depois de 2010, se comportam de forma convincente diante de vinis e fitas cassetes.
“O último episódio” é uma celebração da adolescência e do cotidiano, em que pequenas ações e relacionamentos corriqueiros revelam forças muito maiores. Entre amizade, descobertas e desafios, Maurilio Martins constrói um retrato sensível da periferia nos anos 1990, provando que o cinema pode ser grandioso, mesmo quando nada de extraordinário acontece.
“O ÚLTIMO EPISÓDIO”
(Brasil, 2025, 117 min.) Direção: Maurilio Martins. Com Matheus Sampaio, Daniel Victor e Tatiana Costa. Em cartaz nos cines Cidade, Contagem e UNA Cine Belas Artes.