Montagem de ‘Eu sou o vento’, texto do Nobel Jon Fosse, estreia em BH
Preqaria Cia. de Teatro volta a mergulhar no existencialismo com a nova peça, que terá apresentações nesta quinta (16/10) e sexta-feiras, no Teatro Marília
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A Preqaria Cia. De Teatro completa 20 anos de fundação em 2026 e, para marcar o início das comemorações, estava à procura de um texto que pudesse sintetizar a linha de pesquisa com que trabalha desde que foi criada.
O grupo encontrou o que estava buscando em “Eu sou o vento”, texto do escritor norueguês Jon Fosse, vencedor do Nobel de Literatura em 2023. O resultado é a montagem estrelada por Iasmim Duarte e Pedro Cordeiro, que estreia nesta quinta (16/10), no Teatro Marília.
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A peça aborda temas como a busca por um sentido na vida, a ressonância da solidão e a complexidade da conexão em meio à vastidão da existência, que trazem correlação com questões da psicologia e da psicanálise. Por esse motivo, haverá um debate após a apresentação do espetáculo, com a presença de Guilherme Moraleida, psicanalista da Casa Psi, e de Alessandro Santos, professor da pós-graduação da Fumec.
O enredo focaliza dois personagens a bordo de um pequeno barco – um mais observador, outro mais enigmático –, que navegam por águas que espelham as profundezas da alma humana. Diretor da montagem, João Valadares diz que é um espetáculo que fala sobre a existência. “O próprio nome do grupo alude à precariedade da existência humana, então temos essa busca por discutir questões que não são nominadas, mas que vivem dentro de nós. Assim que li o texto, achei que tinha tudo a ver”, afirma.
Elementos de dança
“Eu sou o vento” segue mais ou menos a linha de duas peças do repertório da Preqaria: “Amor”, de teatro performativo, que estreou em 2017, e “Nosso estranho amor”, de 2009, inspirada em “Primeiro amor”, de Samuel Beckett. Ambas trazem elementos de dança, como contato e improvisação. Segundo o diretor, Fosse, mestre do minimalismo, tece uma narrativa onde as palavras são escassas e os silêncios, carregados de significado.
Valadares explica que os dois atores em cena interagem entre si e com elementos que simbolizam o barco, o mar e o vento. “Jon Fosse tem uma maneira poética e metafórica de falar das coisas, o que amplia o leque de sentidos. Muitas vezes, não conseguimos definir sobre o que é, e isso dá a oportunidade de que cada pessoa se identifique a partir de sua própria história de vida”, pontua. Ele conta que foram realizadas duas sessões fechadas em Sete Lagoas, onde a companhia tem sede, e o público se emocionou.
“Ao final da peça, metade da plateia estava chorando. Como são dois personagens sem nome, eles se confundem, porque não têm muita personalidade, e quem assiste fica se sentindo parte de um ou parte do outro”, comenta. Trabalhar com tão poucos elementos e com uma dramaturgia que opera no campo do indefinível impõe alguns desafios, até no que diz respeito ao próprio texto, que, conforme ele aponta, é muito denso, com muitas repetições.
Elemento cênico
“Para os atores, é, de fato, desafiador conseguir expressar aquelas palavras de uma maneira que caibam na boca, como costumamos dizer”, diz. Ele comenta que, no processo de desenvolvimento da peça, optou por usar tecidos como elemento que vai se ressignificando: eles são o vento, o barco, as pessoas e até o inconsciente. “Achamos de cara que tinha uma interface com a psicologia, daí chegamos à Casa Psi, que é uma clínica e um espaço de estudos, que se tornou uma parceira”, afirma.
Valadares adianta que, no debate que se segue ao espetáculo, Moraleida e Santos devem fazer uma introdução à luz da psicanálise do que foi encenado e abrir para questões do público. “Nas apresentações em Sete Lagoas, uma psicóloga que estava na plateia disse que se sentiu no consultório, com o analisando pedindo que ela dirigisse sua vida. Mas também teve quem visse na peça uma abordagem sobre relacionamentos tóxicos, o que eu não tinha identificado. São infinitas possibilidades de leitura”, diz.
Sobre as duas décadas de criação da Preqaria, ele avalia que a companhia construiu um trabalho sólido e diversificado nesse percurso. Além da montagem de 17 espetáculos, o grupo ampliou o panorama das artes cênicas em Sete Lagoas, onde se instalou em 2014. “Começamos a fazer um festival na cidade, a Temporada de Teatro de Sete Lagoas, que se estende por oito meses, com espetáculos de todo o Brasil. Não existia um público de teatro em Sete Lagoas, e conseguimos mudar essa realidade”, aponta.
Futuro da peça
João Valadares diz que a Preqaria já está às voltas com um novo espetáculo, viabilizado por meio de editais. Paralelamente aos ensaios, a companhia começa a montar uma agenda de circulação para “Eu sou o vento”, que, depois das duas apresentações em Belo Horizonte, segue para Vitória, a capital capixaba, onde integra a programação do Festival Nacional Cidade de Vitória, com apresentação no domingo (19/10).
“Mantemos alguns dos nossos espetáculos em repertório, então seguimos apresentando outras peças, mas estamos muito felizes com 'Eu sou o vento', achamos que vai circular bastante. Estamos articulando de levar para uma temporada maior em São Paulo, no primeiro semestre do próximo ano”, conta.
“EU SOU O VENTO”
Espetáculo da Preqaria Cia. De Teatro. Nesta quinta (16/10) e sexta-feira, às 20h, no Teatro Marília (Av. Alfredo Balena, 586, Santa Efigênia). Ingressos a R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia), à venda na bilheteria e no Sympla.