O espetáculo “A língua em pedaços”, produção da companhia portuguesa Teatro Livre, com texto do escritor espanhol Juan Mayorga, estrelada pelo ator luso-brasileiro Beto Coville e pela atriz portuguesa Luísa Ortigoso, tem sessões gratuitas no Teatro Feluma, neste sábado (18/10) e domingo.
A direção é da também portuguesa Carla Chambel. O enredo destaca Santa Teresa de Ávila, criadora da Ordem das Carmelitas Descalças, colocando-a em um confronto imaginário com um inquisidor.
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Coville conta que, em 2023, estava à procura de um texto para ser montado pelo Teatro Livre, que tem uma linha de pesquisa dedicada a discutir o papel da mulher na sociedade, conforme aponta. Ele diz que já conhecia o trabalho de Juan Mayorga e que acompanhava sua produção. “Fui a Madri, o conheci pessoalmente e cheguei a esse texto, que foi escrito em 2012, baseado na autobiografia de Teresa de Ávila”, conta.
O ator diz que “A língua em pedaços” se alinha perfeitamente com a pesquisa desenvolvida pelo Teatro Livre e que se conecta com a contemporaneidade, a despeito de ser uma história que remonta há mais de 500 anos. Ele destaca que Santa Teresa de Ávila foi uma mulher à frente de seu tempo, que ousou aprender a ler, escrever e partilhar sua doutrina com outras mulheres, numa época em que era vedado a elas frequentar escolas ou mesmo ter acesso a livros.
“Ela desafiou as leis de uma sociedade patriarcal. Teresa de Ávila dizia ter visões e conversar com Deus, e dizia que tudo o que falava era ordenado por Ele. Era uma afronta às autoridades eclesiais. Trata-se de uma história que tem tudo a ver com essa linha que nos propomos pesquisar e que é muito atual, porque ainda se discute o valor da mulher e como ela é tratada pelos homens”, afirma. “A língua em pedaços” acaba abordando outros temas, como liberdade, opressão e fé, conforme aponta Coville.
Sentido do título
Ele explica que o título “A língua em pedaços” expressa o embate da religiosa com o inquisidor, cujo papel é interrogar, questionar, provocar e colocar em xeque a veracidade do que ela diz. “O inquisidor quer proibi-la de falar. Diz-se que, se pudéssemos falar do céu e da terra, a língua se partiria. O inquisidor pergunta se nunca lhe ensinaram que as mulheres só devem falar depois de muito refletir. O nome do espetáculo tem a ver com as palavras que ela compartilhava com outras mulheres”, destaca.
Teresa de Ávila saiu do mosteiro em que vivia para fundar, em 1562, junto com outras 12 freiras, o Convento de São José, berço da Ordem das Carmelitas Descalças. “Ali, ela compartilhava o que lhe era dito pelo Espírito Santo”, comenta o ator. Covillle destaca que é um desafio, como ator, criar uma personalidade tão oposta à sua. Ele ressalta, ainda, que o processo de montagem de “A língua em pedaços” foi muito enriquecedor, com diversas consultas a especialistas em misticismo religioso.
“Durante os ensaios, muitas dúvidas surgiram. Essa peça não fala de religião, ela fala de fé, e como somos dois atores em cena, foi possível colocar em causa o que cada um de nós acredita. Durante o processo, surgiu em nós a dúvida quanto à existência de algo maior”, diz. Ele chama a atenção para o fato de que o texto foi concebido como se o inquisidor existisse apenas na cabeça de Teresa de Ávila, como um alter ego. “O que temos é uma discussão dela consigo mesma. A dúvida está sempre presente em cena”, afirma.
Reflexões
Isso, segundo observa Coville, desperta no espectador e mesmo no próprio ator uma reflexão sobre questões íntimas e dúvidas existenciais. “Para o ator, é fantástico ter a oportunidade de se conhecer melhor através dos personagens”, diz. Em sua opinião, o debate espelha os dias de hoje. “A gente vê muitas coisas feitas em nome de Deus que nos assustam um bocadinho. Teresa era uma mulher simples, que começou uma revolução na igreja e criou essa Ordem, que é lembrada e cultuada até hoje”, afirma.
“A língua em pedaços” estreou há exatamente dois anos, em 18 de outubro de 2023, em Lisboa, onde cumpriu uma longa temporada em cartaz. Depois, seguiu para a vizinha Alcochete, onde o Teatro Livre mantém sua sede, e, no ano passado, circulou por diversas outras cidades portuguesas.
Esta é a primeira vez que o espetáculo sai de seu país de origem, onde, segundo Beto Coville, teve uma ótima receptividade. “O texto é muito bom, porque evolui com a sociedade e também por ter um viés didático. Muita gente conhece Teresa de Ávila, conhece as Carmelitas Descalças, mas não sabe de onde surgiu ou como surgiu. A peça expõe essa história muito bem”, afirma.
“A LÍNGUA EM PEDAÇOS”
Espetáculo do Teatro Livre, neste sábado (18/10), às 20h, e domingo, às 17h, no Teatro Feluma (Alameda Ezequiel Dias, 275, 7º andar, Centro). Os ingressos são gratuitos e podem ser retirados pelo Sympla.