LITERATURA

A bossa nova não é branca nem de elite, defende crítico musical

Tárik de Souza esquadrinha o surgimento do gênero brasileiro no recém-lançado livro ‘João Gilberto e a insurreição bossa nova: Outros lados da história’

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A bossa nova não é branca, elitista e tampouco um mundo fechado em si mesmo. Com “João Gilberto e a insurreição bossa nova: Outros lados da história” (L&PM Editores), o jornalista, crítico musical e escritor Tárik de Souza pretende quebrar os mitos que cercam a revolução iniciada em agosto de 1958, “em apenas 1 minuto e 59 segundos”, tempo da gravação de “Chega de saudade”, realizada pelo baiano de Juazeiro.

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“Ela ficou com o estereótipo de música de grã-fino branco da Zona Sul carioca. Não é nada disso. O que acontece é que o Rio de Janeiro era a capital federal da época. Então tudo estava aqui: as principais rádios, gravadoras, boates, um mercado musical que era essencial. Todo mundo veio para cá”, afirma.


Tárik se baseia em dados – discos, gravações, encontros, shows – de gerações de cantores, instrumentistas e compositores, de diferentes regiões do país, para fazer uma completa genealogia do gênero, minando os argumentos que sustentam a velha imagem da bossa. E o faz com muito conhecimento de causa.


O autor acompanha a bossa desde o nascimento (dela), 67 anos atrás. Na época, ele era um adolescente de 13 – completa 79 anos na próxima quarta (19/11) –, que não sabia que abraçaria o jornalismo. Sua carreira começou em jornais da grande imprensa; mais tarde, atuou em rádio, TV, sites e editoras. Entrevistou e assistiu a todos os bambas do gênero.


Entre as várias credenciais que Tárik carrega está a de ter sido o autor da única entrevista que João Gilberto (1931-2019) concedeu oficialmente a um órgão de imprensa no país. Publicada em 12 de março de 1971, nas célebres “páginas amarelas” da revista “Veja”, a história dessa entrevista é um delicioso pontapé do livro.


Entrevista exclusiva

Então um repórter de 24 anos, Tárik foi incumbido pelo editor Mino Carta de pegar um voo São Paulo/Rio para fazer uma exclusiva com João Gilberto. O périplo tem lances sensacionais, com ele chegando à cobertura do empresário Ricardo Amaral, que havia contratado o músico para uma turnê, e se deparando com uma sala repleta de jornalistas – exclusiva que nada, era uma coletiva de imprensa.


A história segue com Tárik conseguindo a tal exclusiva – a citação de uma crítica do “New York Times” foi sua porta de entrada no universo joão-gilbertiano. Cara a cara (e sozinho) com a lenda, se viu proibido pelo entrevistado de gravar ou anotar a conversa. Saiu de quatro horas com as respostas de João Gilberto para suas perguntas só na cabeça.


“Tem um maluco aqui dizendo que é o João Gilberto”, um colega de Redação anunciou, diante de um telefonema para Tárik. “Não vá pensar que encontrou a fórmula de me entrevistar”, afirmou o “maluco” do outro lado da linha, o próprio João Gilberto, dando retorno sobre a entrevista.


Dali por diante, até 1988, os dois mantiveram uma conexão que “ultrapassou os protocolos habituais da profissão jornalística”, escreve Tárik. Isso incluiu até um presente, uma porção de “Nelson”, código de João Gilberto para maconha, que dias mais tarde ele pediu de volta ao jornalista.


“Fui fazendo esse livro na cabeça durante muito tempo”, afirma hoje Tárik, que pensou seriamente nele pela primeira vez em 1980, quando o violonista Laurindo de Almeida (1917-1995), radicado desde os anos 1940 nos EUA, veio ao Brasil. Foi ele o pioneiro em tentar, em 1953, fundir jazz com música brasileira. A tentativa foi infrutífera – assim como a entrevista, um tanto ressentida, que deixou o próprio Tárik desanimado.


Influências

Quem realmente conseguiu a liga entre o samba e o jazz, o livro nos mostra, foi Johnny Alf Silva (1929-2010) – “Um garoto preto, tímido e homossexual”, escreve Tárik, citando o single “Rapaz de bem” (1956), como precursora da bossa nova. Tárik vai juntando os pontos de sua tese. Além da presença e da influência da música negra, ele mostra a interseção da bossa com o rock.

“Não é que Roberto Carlos fosse influenciado pelo João Gilberto. Ele começou imitando, era João Gilberto cover. A bossa nova apareceu em 1958, mesmo ano em que estourou a Celly Campello (1942-2003), primeira ídola do rock brasileiro. Nesse mesmo ano também surgiu o primeiro ídolo do rock, o Sérgio Murilo (1941-1992), que gravou ‘Desafinado’ e ‘Chega de saudade’. Qual foi o maior ídolo do rock? Elvis Presley (1935-1977), que gravou ‘Bossa nova baby’. Isso sem contar que foi o João Gilberto que fez a cabeça dos Novos Baianos para que entrassem numa coisa de MPB e eles gravaram o disco ‘Acabou chorare’. João Gilberto gravou Lobão, Rita Lee (1947-2023). Existe um crossover entre a bossa nova, o rock e o pop.”


O autor também analisa a obra de João Gilberto, disco a disco. O livro chega aos dias atuais – “Meu editor ficou danado, continuei escrevendo porque não parou de acontecer coisa, prova da vitalidade da bossa nova” – trazendo novos personagens para o jogo. Inclusive uma garota de 9 anos, que já gravou algumas bossas. Tárik a conheceu na última semana, na fila de autógrafos do livro no Rio. Era Sofia, neta de João e Astrud Gilberto.


Minas no cenário

A cena bossa-novista mineira também é destacada em “João Gilberto e a insurreição bossa nova”. Além do precursor Pacífico Mascarenhas (1935-2024), fundador do Sambacana, que registrou as primeiras gravações de Milton Nascimento e Joyce Moreno, Tárik destaca a antologia da bossa mineira, “Música popular brasileira em expansão” (1965), e nomes como Aécio Flávio Sexteto, Quinteto Sambatida, o pianista Helvius Vilela, que liderou o Tempo Trio com o baixista Paulo Horta (irmão de Toninho) e o baterista Paschoal Meirelles.

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