70 ANOS DA TV ITACOLOMI

Dos teleteatros às novelas, dramaturgia se reinventou na TV Itacolomi

Desde a sua implantação até o encerramento das transmissões, a emissora dos mineiros privilegiou a dramaturgia e o entretenimento, realizando produções ousadas

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Os teleteatros foram os campeões de audiência nos primeiros anos da TV Itacolomi. O público ficara entusiasmado ao poder ver, na tela da televisão, as estrelas que despontavam nas radionovelas – principal produto na era de ouro do rádio. A prova desse sucesso era visível no hall de entrada do Edifício Acaiaca, sede da emissora, onde multidões se abarrotavam todas as noites querendo tietar os atores e as atrizes assim que terminassem de apresentar suas peças.

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Do começo da Itacolomi, em 1955, até a sua retirada do ar, em 1980, a dramaturgia, as artes e o entretenimento fizeram-se presentes. No decorrer desse tempo, a estrutura televisiva mudou e o hábito do público também. Os teleteatros deram lugar às novelas e o entretenimento foi, aos poucos, sendo limado da programação local das emissoras. Porém, a primeira televisão de Minas não deixou, até o seu fim, de produzir programas que conversassem diretamente com o público mineiro – e não à toa seus fiéis espectadores ainda lembram do “Cidade contra cidade”, “Seu saber é pra valer”, “Roda gigante”, “Show Sasso” e tantos outros programas.

Na quarta reportagem da série especial sobre os 70 anos da TV Itacolomi, o Estado de Minas mostra como a televisão brasileira se transformou ao longo dos anos, enquanto a pioneira de Minas se reinventou e seguiu levando emoção aos seus espectadores.

(Confira as outras matérias deste especial no final do texto)

Surpresa dos deuses

Certa vez, a dramaturgia da Itacolomi foi produzir uma peça que exigia a presença de um jumento na ambientação. Quem ficou encarregado de conseguir o animal para a cena foi Hélio Giovani, de 86 anos, na época contrarregra – e, posteriormente, cinegrafista da emissora.

A jornada para levar o equino até o 24º andar do Acaiaca, onde ficavam os estúdios da emissora, foi “digna de filme“, já que não foi nada fácil conseguir colocar o jumento no elevador do prédio. Na hora de a cena começar, os deuses da televisão prepararam uma surpresa que só o teleteatro ao vivo – numa época em que não havia tecnologia para gravar os programas – poderia reservar.

“O jumento empacou. Na hora que puxou a rédea para tirar de quadro, ele deu uma bela cagada, bicho. Eu não lembro quem era o câmera. Eu não sei se ele tentou acompanhar, porque nesse caso não pode acompanhar. Você tem que deixar ele (o jumento) entrar e sair do quadro. Se ele faz qualquer coisa, você perde a cena”, contou Hélio.

Esse tipo de imprevisto era corriqueiro nos teleteatros. Tal qual num palco de teatro, não havia possibilidade de refazer uma cena, pois era tudo ao vivo. Tanto os atores que vieram do rádio, onde a emoção é transmitida unicamente pela voz, quanto os que vieram do teatro enfrentavam os mesmos desafios, já que ninguém tinha experiência em atuar na frente das câmeras.

No desbravamento da teledramaturgia, a TV Itacolomi levou ao ar inúmeras encenações, desde clássicos mundiais como “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, e “Os três mosqueteiros”, de Alexandre Dumas, a grandes textos nacionais, como “A mulher sem pecado”, de Nelson Rodrigues, e “Dona Xepa”, de Pedro Bloch.

A execução das peças era feita com um elenco próprio. Vez ou outra eram chamados artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Era uma forma de promover intercâmbio entre as cenas teatrais, mas também de saciar a curiosidade dos mineiros, ávidos em conhecer estrelas de fora. Nomes como Fernanda Montenegro, Daniel Filho, Ítalo Rossi, Lima Duarte, Sérgio Britto e Grande Otelo atuaram no “Grande Teatro Lourdes” do Canal 4.

Sucesso das criações locais

A virada para a década de 1960 foi acompanhada de mudanças no hábito dos espectadores, tanto mineiros quanto brasileiros no geral. As telenovelas, surgidas no começo da televisão, estavam cada vez mais sendo desejadas pelo público. Até a chegada do videotape (VT), equipamento que permitiu a gravação dos programas, as novelas eram encenadas por cada emissora espalhada pelo país. No caso da Itacolomi, chegavam scripts escritos por autores de outros estados, e a novela era então encenada pelo casting mineiro. O caminho contrário também acontecia, exportando textos para outras emissoras.

Entre os maiores sucessos locais figuravam “A garrafa do diabo”, produzida por Vicente Prates, na qual a história se passava por eras históricas distintas, e “Noites mineiras”, de Lea Delba, inspirada em contos folclóricos. Ambas as produções foram feitas, respectivamente, pelo pai e mãe de Clóvis Prates, de 85 anos, ator de teleteatro que se tornou cinegrafista e diretor de programação da Itacolomi. Durante sua trajetória na emissora, Clóvis presenciou fases de profundas transformações – a mais marcante sendo a chegada do videotape.

“Isso foi muito prejudicial. As novelas passaram a ser produzidas em São Paulo ou no Rio, e vinham de avião. Era uma fita de todo tamanho e a novela passava aqui de 10 a 15 dias depois (de ser gravada). Isso foi diminuindo a produção local das emissoras”, detalha.

Mais produções nacionais

Os anos 1960 reservaram outro desafio para a TV Itacolomi: a chegada da concorrência, no caso a TV Belo Horizonte (canal 12). A emissora era uma retransmissora da TV Rio, estação carioca que despontava com uma audiência enorme devido às novelas e à linha de shows, composta pelos artistas mais famosos da televisão, tais como Chacrinha, Moacyr Franco e Chico Anísio. Entre as ideias para combater o avanço da concorrência, que assumira a liderança de audiência, a diretoria da Itacolomi levantou a possibilidade de aproveitar o videotape para gravar novelas em Minas Gerais. A iniciativa foi descartada devido aos altos custos para construir um centro de produção no estado.

A solução, então, passou por dois passos: reformular a programação local e veicular programas produzidos noutras praças, tanto das TVs Tupi e outras emissoras associadas, quanto de estações fora da rede. Assim, pela Itacolomi, os mineiros puderam assistir a série “Família Trapo”, produzida pela TV Record de São Paulo, e novelas como “O sheik de Agadir” e “Eu compro essa mulher”, feitas pela TV Globo do Rio de Janeiro. Com as mudanças, a pioneira de Minas recuperou a liderança na preferência do público.

Sem parar de se reinventar

Quem também esteve nessa fase foi Talardo José dos Santos, de 79 anos. O ex-funcionário começou na emissora como representante comercial e se tornou diretor comercial, cargo no qual permaneceu até o fechamento. Conforme avalia, esse momento da Itacolomi durou a segunda metade dos anos 1960 até o começo da década seguinte, quando a TV Belo Horizonte foi adquirida pela Globo.

“Esse período foi um período de ouro. A empresa estava próspera, audiência absoluta, um prestígio impressionante. Foi quando nos anos 1970, a Globo realmente apareceu com tudo. E nunca mais fomos a mesma coisa. Éramos uma emissora valente, de boa qualidade, que tinha boa audiência, mas a Globo assumiu (a liderança) de maneira avassaladora”, relata.

Nos anos anteriores ao fechamento, a Itacolomi não tinha mais a audiência de outrora, mas seguia sendo uma emissora competitiva e com espectadores fiéis. Aos domingos, conforme relembra Talardo, a pioneira de Minas seguia com alta audiência, sendo muitas vezes líder, devido à exibição do Programa Silvio Santos. Durante a semana, a maior parte dos programas exibidos eram produções da Rede Tupi, que não alcançavam a mesma audiência.

“A Tupi de São Paulo e a do Rio de Janeiro estavam definhando, com a programação muito fraca. A gente conseguia fazer algumas coisas, comprava bons pacotes de filmes na faixa das 21 horas, e assim conseguimos manter a emissora num nível de faturamento em que ela se pagava”, detalha.

Quando a TV Itacolomi teve a concessão cassada pela ditadura militar, em julho de 1980, a emissora estava com as obrigações financeiras em dia e seguia com uma forte produção local. A sua retirada do ar interrompeu uma história vitoriosa dos inúmeros profissionais que passaram por ali, superando a falta de tecnologia e a pressão da concorrência para levar uma boa programação aos mineiros. Mesmo com essa interrupção, os bons momentos vividos na frente da TV seguem na memória daqueles que tiveram a companhia da primeira emissora de Minas Gerais.

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