Escrever, Frei Betto escreve desde que se entende por gente. Mas foi a ditadura militar (1964-1985) que o fez ser publicado. “Eu me tornei autor graças aos generais brasileiros”, afirma ele, que completou 81 anos em agosto passado. O recém-lançado “Jesus amoroso – Dimensão poética do Evangelho de João” (Vozes) é seu livro de número 81.
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“Tem gente que acha que escrevo desde que nasci”, brinca Frei Betto, que chega nesta quinta-feira (6/11) à Belo Horizonte natal para acompanhar o lançamento do documentário “Múltiplos: Os percursos literários de Frei Betto”. O longa, dirigido por Evanize Sydow e Américo Freire, terá pré-estreia às 19h no Cine Santa Tereza. Amanhã, o filme será disponibilizado nas redes sociais da Mirar Lejos, produtora do filme.
O título integra um projeto maior, realizado em parceria com a Secretaria do Audiovisual, uma tetralogia em torno do legado do dominicano. Em 2024, foi lançado o primeiro longa, “A cabeça pensa onde os pés pisam”, sobre sua trajetória como educador popular.
Em produção, o terceiro e o quarto documentários serão, respectivamente, sobre a vida pessoal de Frei Betto, incluindo sua juventude em BH, e sobre “Cartas da prisão”, baseado no livro homônimo que aborda os quatro anos em que ele esteve preso durante a repressão. Está ainda previsto um quinto longa-metragem, ficcional, “Betto”, que recupera sua trajetória por meio da história de três personagens.
Livro de estreia
O título “Múltiplos” reflete a diversidade da obra literária de Frei Betto: memórias, ficção (para adultos e crianças), ensaios e títulos sobre teologia e espiritualidade. Quando ele diz que foram os generais que o tornaram autor, está se referindo ao seu livro de estreia, “Cartas da prisão”, que reúne as missivas trocadas durante 1969 e 1973, período em que ele esteve sob o jugo dos militares. “Foi este livro que me definiu, me fez autor, pois o difícil no Brasil é virar autor, encontrar quem queira te publicar”. Este problema ele mesmo nunca enfrentou.
“Cartas da prisão” chegou antes na Europa – a primeira edição, de 1971, é italiana. “Nunca esperei que fosse virar livro. Foi a Maria Valéria Rezende (escritora, freira e militante, também perseguida pelos militares) que reuniu as cartas aqui fora e mandou para publicar”, relembra Frei Betto. Foram vários países da Europa até a publicação no Brasil, em 1976, quando ele já tinha sido libertado.
“Muito militante”
“A expectativa era tão grande que a Civilização Brasileira (primeira editora da obra) produziu 5 mil exemplares, que acabaram em nove dias. Todo mundo achava que ia ser recolhido, mas não”, diz ele. Mesmo que os livros mais conhecidos desse período – entre eles “Batismo de sangue” (1982), adaptado para o cinema em 2007 por Helvécio Ratton – tenham sido lançados durante o regime autoritário, a obra de Frei Betto não sofreu com a censura.
Os anos foram passando e seu leque se abrindo. “Fidel e a religião” (1985), resultado de horas e horas de conversas com o líder cubano, é um de seus bestsellers. Mas é na ficção – ele tem até um romance policial, “Hotel Brasil: O mistério das cabeças degoladas” – que ele tem mais prazer. “Pena que sou muito militante, sempre com muitos projetos na cabeça.”
A escrita é um ato diário, “como comer ou tomar banho”. “Não tenho horário, pode ser em qualquer lugar: na fila do dentista, esperando voo. Mas todo ano tiro 120 dias para me isolar, geralmente em sítios (e poder escrever em paz)”. E seja de que natureza for, o texto para Frei Betto nasce sempre manuscrito. “Só depois que vou para o computador.” Os cadernos não ficarão para a posteridade. “Não guardo nada, jogo fora. Pois o que está nos cadernos é rascunho total, e só eu entendo a minha letra.”
A leitura começou em casa, na grande biblioteca do pai, Antônio Carlos Vieira Christo (1913-2002), um dos primeiros vereadores da Câmara Municipal de Belo Horizonte, que atuou como professor, juiz, advogado e escritor – foi cronista do Estado de Minas, espaço que Frei Betto também já ocupou.
Autores referenciais, aqueles da adolescência, são em sua maioria europeus, conta ele. Albert Camus, Somerset Maugham, Edgar Allan Poe. No Brasil, Jorge Amado, Guimarães Rosa e Machado de Assis. “Ele é meu posto de gasolina. Toda vez que me sinto meio seco, estéril, vou até ele”, comenta Frei Betto.
“MÚLTIPLOS: OS PERCURSOS LITERÁRIOS DE FREI BETTO”
O documentário será lançado nesta quinta-feira (6/11), às 19h, no Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89), com a presença de Frei Betto. Entrada franca. Ingressos devem ser retirados no Sympla ou na bilheteria (30 minutos antes da sessão). A partir de sexta (7/11), o filme será disponibilizado, gratuitamente, nas redes sociais da Mirar Lejos (YouTube, Instagram e Facebook).
