'Cyclone', inspirado em obra de Oswald de Andrade, chega aos cinemas
Estrelado e produzido pela atriz Luiza Mariani, o filme tem como inspiração a história de Miss Cyclone, única mulher em diário do escritor
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Projeto pessoal da atriz Luiza Mariani, cujo embrião remonta a 2005, o filme “Cyclone”, protagonizado por ela e dirigido por Flávia Castro, estreia nos cinemas nesta quinta-feira (4/12), em Belo Horizonte e em outras cidades do país. O longa é inspirado na história de Maria de Lourdes Castro Pontes, apelidada como Miss Cyclone pelos modernistas, que figura como única mulher em “O perfeito cozinheiro das almas deste mundo” – diário coletivo mantido por Oswald de Andrade e seus amigos entre 1917 e 1919.
Na trama, que chega agora aos cinemas, Luiza interpreta Dayse, uma operária que divide seu tempo entre o trabalho em uma gráfica, onde garante seu sustento, e sua paixão pela dramaturgia. Quando ganha uma bolsa para estudar teatro em Paris, ela se vê, pelo simples fato de ser mulher, diante de uma série de impedimentos para realizar seus sonhos. A atriz, que contracena com Du Moscovis, Karine Teles e Luciana Paes, observa que é um enredo que ainda ecoa e reflete os dilemas das mulheres modernas.
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Além de estrelar o filme, ela também assina a produção ao lado de Joana Mariani e Eliane Ferreira, e colabora no roteiro escrito por Rita Piffer. Diante dos poucos registros sobre a Miss Cyclone da vida real em “O perfeito cozinheiro”, elas tiveram que preencher as lacunas de sua trajetória, criando uma personagem ficcional. “No filme, construímos a história de forma a mostrar essa mulher lutando para ter sua voz reconhecida. Pensamos em uma vida possível para essa mulher”, diz Luiza.
Personagem arrebatadora
Ela recorda que, em 2005, estava em busca de um texto e de uma personagem para montar uma peça, e acabou chegando ao diário de Oswald – que ganhou edição em livro décadas depois de escrito. A atriz conta que ficou arrebatada pela personagem Miss Cyclone. “Comprei os direitos para produzir no teatro, fiquei em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas senti o desejo de esticar essa história, fazer dela um filme, isso em 2007”, conta.
Luiza diz que, no meio das negociações de compra dos direitos autorais para o cinema com a família de Oswald, seu filho, Rudá Andrade, morreu em 2009, e o processo foi interrompido. Somente em 2015 ela conseguiu adquirir os direitos para levar a história ao cinema. “Foi um tempo de espera e de expectativa, em que fiquei em cima dos advogados, com o desejo de tocar essa história de novo. A partir de quando consegui os direitos, ainda teve um tempo de maturação, até 2023”, situa.
Sua persistência espelha a da personagem, e esse é o traço de Miss Cyclone que mais a cativou. Ela destaca que se apaixonou pela personagem de uma forma que não cabe explicações. “É uma mulher que tinha um ímpeto, um desejo de encontrar uma linguagem, construir uma identidade através da escrita, e que morreu muito jovem, em decorrência de um aborto, em 1919. Esse sonho interrompido mexeu muito comigo. O filme é essa mulher tentando existir para além dos muros impostos”, diz.
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Autonomia roubada
Flávia Castro conta que abraçou o projeto pelo que ele guarda de atualidade, a despeito de a história se passar em 1919. Ela destaca a mulher que tentou viver de escrever seu nome no mundo e que teve a autoria do que escreveu roubada, teve pouca possibilidade de decisão sobre o próprio corpo e que precisava de autorização do marido para viajar. “Dependendo da forma como a gente levasse esse filme adiante, ele poderia se inscrever no presente de forma muito interessante”, comenta.
Luiza pontua que o livro de Oswald é uma coisa, a peça que encenou é outra e o filme é uma terceira, que se permite algumas licenças. Uma delas diz respeito à idade: a Cyclone real morreu com 19 anos, a do filme tem quase 40. “Primeiro, porque estou com 45 anos. Segundo, porque quis que ela estivesse numa etapa da vida em que toma decisões, uma mulher tentando tomar as rédeas da própria vida e do próprio corpo”, ressalta a atriz, aludindo à questão do aborto.
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Ela explica que “O perfeito cozinheiro” não deixa claro se foi o companheiro de Miss Cyclone (Heitor Gamba, personagem de Du Moscovis) que a obrigou a fazer ou se ela é que não queria ser mãe. “Achei importante que essa decisão fosse da própria personagem. O livro tem lacunas e tem passagens que permitem diversas interpretações, mas no filme quis colocar essa mulher como protagonista absoluta de suas decisões. Não é uma cinebiografia”, destaca.
Elenco
Ao falar do elenco do longa, Flávia Castro destaca a importância das personagens mulheres – Marie (Karine Teles), Lia (Luciana Paes), Ada (Magali Biff) e outras –, que formam a rede de amparo e proteção para a protagonista. “Existe uma liga das mulheres, uma relação de solidariedade, o que é muito bacana, cada uma com suas questões, suas vontades, umas querendo mudar de vida e outras com certa resignação”, pontua. Luiza Mariani também destaca o trabalho de Du Moscovis. “Ele traz uma coisa importante para o filme, que é humanizar o personagem, tentar não fazer dele um vilão, trazer as complexidades do masculino naquele momento. Ele entende o talento dessa mulher e se encontra com ela no lugar da paixão pela palavra, mas, ao mesmo tempo, é de acordo com as regras dele que as coisas acontecem”, afirma a atriz.
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“CYCLONE”
Brasil, 2025, 100 min., de Flávia Castro, com Luiza Mariani, Eduardo Moscovis e Karine Teles. Na São Paulo de 1919, uma jovem operária e dramaturga, desafiando todas as regras, conquista cobiçada bolsa para estudar teatro em Paris, mas logo descobre que o maior obstáculo para realizar seu sonho é ter nascido em um mundo onde as mulheres nem sequer são donas do próprio corpo. Em cartaz na sala 3 do UNA Cine Belas Artes, com sessões às 20h30.