Há 52 anos, desde 2 de agosto de 1973, João Mendes abre de segunda a sábado sua loja, a Foto Mendes, uma portinha na esquina das ruas do Ouro e Caraça, no bairro Serra. Os tempos são outros e a demanda caiu, mas ainda hoje, dezembro de 2025, ele continua ativo.
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“O digital tirou um bocado de gente do mercado, mas não acabou, não. Criança até 4, 5 anos precisa de foto de passaporte; também faço para visto e passaporte italiano. E continuo com 3X4”, conta o fotógrafo de 74 anos.
Três das milhares de fotos realizadas pela Foto Mendes ganharam tamanhos colossais. João Cardoso dos Santos era um menino quando se formou, em 1970, no pré-escolar da Escola Estadual Efigênio Salles. A imagem do garoto (hoje o garçom Johnny da Taberna Baltazar, na Caraça com Rua Oriente) está com 4 X 4 metros estampando fachada na Santana do Cafezal, uma das oito vilas do aglomerado.
Outra criança cuja imagem de outrora ganhou o espaço público é Renata Gonçalves dos Santos. Em 1987, a festa de aniversário de seis anos da Renatinha reuniu seus amigos da Serra. A alegria da comemoração está na fotografia de Afonso Pimenta – já foi vista em museus e espaços culturais. Mas agora a boa filha à casa torna. Em toda a sua plenitude, a fotografia pode ser vista, com 5,5 X 7,4 metros, em fachada do Depósito do Paulo, também no aglomerado.
Em comemoração aos 10 anos do projeto Retratistas do Morro, seis fotografias em larga escala do acervo de João Mendes e Afonso Pimenta estão expostas a céu aberto na comunidade. Neste sábado (20/12) a exposição será lançada oficialmente, com uma caminhada guiada pelas vilas Marçola e Santana do Cafezal, passando pelas seis obras – o encontro começa às 14h na Praça do Cardoso.
Gestos de permanência
“A ideia é que a gente vá construindo espaços de memória no futuro. Queremos fazer uma segunda, terceira, quarta edições, criando um movimento que chamamos de gesto de permanência. Queremos que seja não só um espaço de propagação da memória da comunidade, mas da população brasileira como um todo”, comenta o artista Guilherme Cunha, idealizador do projeto.
“Estamos inclusive com um projeto aprovado para o ano que vem para trazer um projeto (como o) Retratistas do Morro de Lagos, na Nigéria. Desta maneira, faremos uma ponte simbólica entre Brasil e África”, acrescenta.
É de forma quase poética que Cunha descreve o ponto de partida. Em 2014, ele trabalhava no livro “Memórias da Vila”, sobre histórias da comunidade. Na pesquisa, conheceu Ana Martins de Oliveira, moradora do Cafezal. Na primeira conversa, ouviu dela: “Tenho uns tesouros para te mostrar”. Acompanhado da produtora cultural Kelly Cristina, ele chegou à casa de dona Ana, figura importante para a comunidade.
“Depois de fotografá-la, ela tirou de um saquinho azul um monóculo. Eram seis e meia da tarde, estávamos na laje com uma réstia de luz.” A imagem, do início de 1970, trazia, em primeiro plano, o marido de dona Ana comendo uma marmita no bar que tinha no andar de baixo de casa, com os amigos jogando sinuca em volta. Essa única imagem deu início a um projeto que envolve a recuperação de acervos fotográficos dos dois fotógrafos citados, bem como o da própria dona Ana.
Restauro
Cunha estima que os três acervos têm 250 mil imagens com potencial de restauro. Em sua primeira década, o Retratistas do Morro recuperou 400 delas. “Mesmo que o processo seja digital, o restauro é muito lento, quase todo manual. É como uma reconstrução da imagem.”
Além de ter feito parte de várias exposições no Brasil, o conjunto de imagens iniciadas na década de 1960 já recebeu reconhecimentos importantes, como o 30º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade (IPHAN), Rumos Itaú Cultural, Bolsa Funarte de Estímulo à Conservação Fotográfica e o prêmio PIPA Online 2023.
João Mendes, que nasceu em Iapu, no Vale do Rio Doce, chegou na Serra aos 17 anos. Na época, o garoto que começou a trabalhar na roça ainda criança, já tinha se tornado fotógrafo. Aos 14 anos, vivendo em Ipatinga, e vendendo picolé na frente da Usiminas, acabou sendo abordado para trabalhar numa loja local, a Foto Badi. Não sabia nada de fotografia, e logo descobriu que seu pagamento seria um terço do que ganhava com os picolés. “O dono da loja perguntou: ‘Você prefere ficar com uma caixa de picolé pendurada no pescoço ou uma máquina fotográfica?’”.
O garoto não pensou duas vezes: decidiu-se pela fotografia. Sessenta anos mais tarde, João Mendes sente “uma alegria muito grande” em ver o trabalho de uma vida ganhando o tamanho que merece. “É uma alegria também para o pessoal que a gente já fotografou”, afirma.
Onde ver
1 - Afonso Pimenta. Adaílson Pereira da Silva no Baile Soul do DCE (Diretório Central dos Estudantes), 1985 (Rua Jefferson Coelho da Silva, 1.089, Marçola, Praça do Cardoso)
2 e 3 - Afonso Pimenta. Elana dos Santos no Baile do Italiana, 1985. João Mendes. Sônia Cristina da Silva, Foto Mendes, 1979 (Rua Jefferson Coelho da Silva, 1.130, Praça do Cardoso)
4 - Afonso Pimenta. Aniversário de 6 anos da Renatinha, Aglomerado da Serra, 1987 (Depósito do Paulo, Rua Serenata, 46)
5 - João Mendes. Série Becas, Foto Mendes, 1980 (Rua Binário, 245, Santana do Cafezal)
6 - João Mendes. João Cardoso dos Santos, Foto Mendes, 1970 (Rua Binário, 254, Santana do Cafezal)
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“RETRATISTAS DO MORRO – TERRITÓRIO DE MEMÓRIAS”
O lançamento da exposição a céu aberto será neste sábado (20/12), com uma caminhada guiada pelas seis galerias. O percurso será realizado das 14h às 16h30, saindo da Praça do Cardoso, na Serra.
