Debaixo do seu nariz: bares escondidos guardam experiências gastronômicas
Muitas vezes eles passam despercebidos, mas os bares inspirados nos famosos speakeasies guardam muito mais do que mistérios
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Siga noEntre 1920 e 1930 nos Estados Unidos, os bares escondidos – chamados de speakeasies – eram os locais que serviam bebidas alcoólicas contrabandeadas, afinal, até 1933, a Lei Seca era vigente no país norte-americano. Atualmente, cidades espalhadas pelo mundo vêm apostando em bares inspirados nesse modelo, e Belo Horizonte não ficou de fora dessa onda.
A curiosidade e a sedução são praticamente inerentes aos speakeasies. O próprio nome que eles levam é a junção de dois termos em inglês, “speak” e “easy” que, quando juntos, podem ser traduzidos como “fala mansa” ou “fala baixa”.
Hoje, esses bares não têm mais a necessidade – e por vezes nem mesmo o desejo – de serem secretos. Apesar disso, eles exigem o desejo e a curiosidade do cliente em encontrá-los, afinal, podem estar, inclusive, acima ou abaixo do chão, em lugares surpreendentes e nada óbvios.
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Dia e noite
Quem caminha pelas ruas do Bairro Coração de Jesus, na Região Centro-Sul de BH, pode encontrar uma floricultura com plantas e flores diversas que, à noite, se transforma por completo. Apesar de funcionar normalmente durante o dia com a venda de flores, Aflora Secreta se torna um bar, de quarta a sábado, após 19h.
Fernanda Magalhães, sócia-fundadora da Aflora, conta que a ideia de abrir esse bar surgiu após uma viagem que fez à Europa com seu irmão, que também é seu sócio. “Lá conhecemos vários speakeasies, e não víamos nada parecido em BH”, conta.
A grande inspiração foi mesmo um bar em Amsterdã, que imitava, justamente, uma floricultura. “A cidade é toda florida e tinha esse speakeasy que fingia ser uma floricultura que me encantou”.
Quando chegaram em BH, os irmãos decidiram apostar na ideia do bar holandês e inauguraram, em abril de 2024, Aflora Secreta. O primeiro andar da casa funciona com uma loja de flores e, à noite, como recepção dos clientes do bar. O segundo piso, tem um espaço com mesas, poltronas e sofás e outra área de bar, que conta também com mesas, mas é direcionado a uma proposta mais informal.
Já o terceiro nível, que é aberto apenas às sextas e sábados e, em semanas pontuais, às quintas, abriga uma pista de dança, que recebe DJs e um espaço de bar. “Muitos clientes vão para jantar no segundo andar e depois sobem para o terceiro para curtir e dançar um pouco”, explica Fernanda.
A casa funciona somente com reserva. Para abrir a porta de entrada, o cliente precisa digitar, na fechadura digital, o código que recebeu ao reservar sua mesa.
Fuga da realidade
A proposta dos sócios era fazer com que os clientes “desligassem” ao entrar no bar. “Fomos para muitos bares na nossa viagem que sequer deixavam as pessoas entrarem com o celular. No início, isso foi estranho para a gente, mas, no fim, foi uma experiência maravilhosa.
Na Aflora, Fernanda implementou durante o primeiro ano algo parecido. Logo ao entrarem na casa, os clientes tinham as câmeras do celular tapadas. Em uma realidade midiatizada, essa estratégia poderia ser positiva e gerar curiosidade, mas também poderia gerar um desinteresse, já que, após a visita, os clientes não carregavam fotos com eles.
“Depois de um ano da inauguração, liberamos as fotos, mas percebemos que os clientes fiéis aderiram à ideia e continuaram mexendo pouco no celular”, destaca Fernanda. A ausência de fotos, no fim das contas, funcionou como uma estratégia de marketing positiva, que dialogou com todo o conceito da casa.
Comes e bebes
Um dos drinques autorais do cardápio da Aflora Secreta, o Amnésia (R$ 56), que leva uísque 12 anos, purê de pêra, suco de maçã e limão e energético, segue a proposta “offline” do bar. No primeiro ano da casa, quando os clientes não tiravam fotos lá dentro, a cada pedido do drinque Amnésia, eles ganhavam uma foto Polaroid daquele momento como lembrança.
A proposta dos sócios era que a casa fosse focada nos drinques, que são assinados pelo chef de bar Vinícius Silva. “Temos os clássicos, mas os destaques são os coquetéis autorais”, destaca Fernanda.
Outros destaques do menu de drinques da casa é o The Book (R$ 64), que é feito com gim, carpano clássico, xarope de tangerina e refrigerante de hibisco. Ele também corrobora com o clima de mistério do “speakeasy” belo-horizontino, afinal, quando chega à mesa, vem com um livro da casa onde o cliente deve escrever algum segredo ou alguma mensagem.
O fato de os clientes procurarem opções de pratos surpreendeu a fundadora, que tinha pensado inicialmente em um cardápio com itens para compartilhar, que combinasse com a pegada despretensiosa do bar. Com o tempo, ela percebeu que a clientela sentia a necessidade de uma boa carta de pratos principais, até mesmo para que pudessem beber com segurança e aproveitar mais. O prato mais pedido na Aflora é o chorizo angus com mil-folhas de batata e pimenta-verde (R$ 118).
Em relação à cozinha, além de pratos sofisticados e que atendessem a todos, com opções vegetarianas, por exemplo, Fernanda queria um horário diferenciado. “Eu e meu irmão nos incomodamos com os horários das cozinhas de BH, que costumam encerrar às 23h. Por isso, na Aflora ela encerra apenas à 1h da manhã”, afirma.
Filho de um bar
Dentro do Bar Palito, que existe há três anos na Praça Raul Soares, no Centro de BH, nasceu um outro empreendimento de Túlio D’Angelo e Thiago Ceccotti. Os sócios pensavam em algo para ocupar o espaço que sobrava do estoque e, assim, desenvolveram uma espécie de “sala de casa” dentro do Palito, atrás de uma porta verde.
Em janeiro de 2024 surgiu o Puxado Bar. Com apenas sete lugares, ele pretende ser muito mais um espaço intimista e acolhedor de coquetéis e música de qualidade do que uma releitura de um speakeasy. “Falamos que o Puxado não é um bar secreto, ele é um bar reservado”, comenta Túlio.
É possível garantir um lugar por meio de reserva prévia ou mesmo tentando a sorte, afinal, o espaço é pequeno. Para quem optar pela segunda opção, basta perguntar a algum funcionário do Bar Palito se o Puxado está aberto, e se teria lugar. “Tratamos aquele espaço como uma casa, então queremos que quem entre entenda isso e vá procurando o que servimos”, diz Túlio.
Ele deixa claro que todos são bem-vindos, e que prezam para que todos os presentes apreciem o que a casa propõe. “Queremos um lugar democrático, que as pessoas vão de chinelo se quiserem, mas queremos também pessoas que compartilhem um prazer que é o amor à técnica”.
Ode à coquetelaria
Túlio é um bartender e entusiasta da coquetelaria e, nada mais justo que, em seu bar, ela ser prioridade. No Puxado, os coquetéis são as grandes estrelas, que dividem o palco com apenas amendoins e mix de nuts (a única comida servida lá). A carta conta com oito drinques autorais feitos com cachaça e outras impressionantes 110 opções.
“Queremos que a pessoa que gosta de coquetéis se sinta em um verdadeiro parque de diversões”, brinca Túlio. O proprietário destaca que não precisa mais explicar o valor de um coquetel, pois já lida com um público que corre atrás de bons drinques.
O extenso cardápio se diversifica ainda mais quando se pensa em tipos de destilado. “É possível experimentar diferentes versões de uma gim tônica, a depender do destilado usado, da marca, do país onde é produzido…”, explica.
Por ser um espaço pequeno e com tantas opções, os clientes acabam conversando bastante com os bartenders, que sugerem coquetéis ou mesmo criam outros a pedidos. A experiência de degustar diferentes marcas e produtores de uma mesma bebida pode ser transformadora, e é uma aposta do Puxado.
Como um bar focado na coquetelaria, outros aspectos que podem passar despercebidos, como o copo e o gelo, são levados em consideração. “Eles são importantíssimos não apenas na apresentação. O toque da boca na taça ou no copo tem muita influência no coquetel”, conta Túlio, que destaca outros fatores importantes da casa, como a produção própria de todos os xaropes utilizados.
Um brinde à cachaça
Que Minas é referência na produção da cachaça não é novidade para ninguém. O que vêm ocorrendo nos últimos tempos, entretanto, é um olhar especial para essa bebida, que por muito tempo foi bastante marginalizada. “Não tinha como estar no meio de um lugar que produz as melhores cachaças do mundo e não utilizá-las”.
Não por acaso, no Puxado, a carta de drinques autorais aposta 100% na cachaça. “Ela fez muito parte da minha vida e da do Thiago, que é jurado e sommelier de cachaça”, destaca Túlio, que diz que seu parceiro no empreendimento alia os fatores sensoriais aos históricos da bebida na hora de construir cada drinque. Túlio destaca o drinque Expresso 2222 (R$ 45), que mistura cachaça, mel e café.
“Cada coquetel foi feito para uma cachaça específica, de uma região ou produtor determinado. Não é qualquer uma, tem um propósito que vai além do sabor”, destaca.
Shhh
Em março deste ano, Belo Horizonte ganhou mais um bar escondido dentro de outro empreendimento. O bar Whisper se encontra no subsolo do Avra, casa inaugurada em dezembro de 2024, no Bairro de Lourdes, Região Centro-Sul da cidade.
A proposta de Alexei Vallerini e seus outros sócios era inovar com um bar que misturasse uma pegada lounge, de um bar de hotel, com uma drinqueria e uma atmosfera de balada. O resultado foi um ambiente intimista e acolhedor, apesar de grande (comporta 110 pessoas sentadas).
A proposta de ser escondido já é traduzida no nome do bar. “Whisper”, em inglês, significa “sussurro”. “Estávamos relutantes em colocar um nome em inglês, mas achamos que whisper tinha uma pronúncia tranquila e que traduzia bem a nossa proposta”, destaca Alexei.
Ele, que já tem mais de uma década de experiência no mercado de restaurantes em BH – também é sócio do bar Almanaque e de outras casas –, quis apostar todas as suas fichas no mais recente investimento. Para assinar o cardápio, chamou Mário Versiani, que foi seu professor na faculdade de gastronomia e se tornou sócio da casa. A carta de drinques foi assinada por Jocássia Coelho, que apostou em clássicos com pitadas autorais e, claro, em combinações surpreendentes. O rabo de galo (R$ 50) feito por ela leva, além da cachaça, bitter de cacau, vermute carpano e azeitona preta.
Assim como os outros bares escondidos, o Whisper dá atenção especial às bebidas. Nele, é possível encontrar opções de comida apenas para compartilhar. Um destaque é a tortinha de galinha caipira, geleia de pimenta e crisp de couve (R$ 50). O que alguns clientes fazem quando querem comer mais é jantar no Avra e depois descer para o bar escondido. Apesar dessa possibilidade, o fundador destaca que a casa fica sempre cheia, e que a reserva é imprescindível para garantir um lugar.
Sim ao uísque
Além dos coquetéis, os sócios investiram muito no uísque, bebida que vem ganhando palco na cidade, mas que ainda não tinha um lugar que desse a ela o devido protagonismo. O Avra é embaixador da Lamas destilaria, que é mineira e se destaca na produção da bebida, enquanto o Whisper é o primeiro embaixador em Minas da Suntory, produtora japonesa que se tornou a primeira importadora do Macallan, uísque escocês considerado um dos melhores do mundo.
Por isso, o bar conta com um sommelier de uísque, diversos rótulos de regiões, produtores e idades diferentes, e uma aba do cardápio destinada apenas ao destilado. Nela, é possível encontrar a experiência de degustação de três uísques para aprender mais sobre a bebida. A degustação do Macallan de 12, 15 e 18 anos (meia dose de cada) sai por R$ 500.
Inovação
Uma das grandes atrações do Whisper é o robô bartender. É isso mesmo que você leu, há um robô que faz drinques para os clientes na casa. A proposta corajosa dos sócios é pioneira no país, segundo Alexei, e foi um grande investimento que sozinho ultrapassou o custo de meio milhão de reais.
“Vi isso em um cruzeiro que fiz no exterior. Apesar dele ser all inclusive, vi que as pessoas pagavam 15 dólares só para terem um drinque feito pelo robô”, comenta o sócio, que viu, ali, uma oportunidade de negócio inovadora.
Não foi fácil construir esse robô. Ele na verdade é próprio da indústria automotiva, foi importado da Alemanha e adaptado aqui, onde recebeu uma coqueteleira na “mão”. Um amigo de Alexei foi o responsável por desenvolver o software que programa os movimentos dele e as receitas de cada um dos 14 drinques que ele consegue fazer.
As garrafas de bebidas ficam posicionadas de cabeça para baixo (com um dosador próprio) acima do robô, que direciona sua coqueteleira a cada uma delas, de acordo com a receita que segue. Na hora de preparar o drinque, ele consegue fazer dois movimentos: o de chacoalhar ou o de misturar, para drinques que possuem gás, por exemplo, e não podem perder esse atributo.
Quando está sem pedidos, o robô também apresenta três dancinhas diferentes. Ele fica acompanhado por um bartender a todo o tempo, que é quem o aciona e finaliza seus preparos. Apesar desse auxiliar mecânico, a casa não abre mão do trabalho humano, e conta com outros quatro bartenders.
Além do sabor
O espaço ocupado por um bar escondido é, muitas vezes, pequeno, o que exige um planejamento muito estratégico do ambiente. Quando o local é grande, o desafio muda e passa a ser a maneira de deixar o espaço intimista, acolhedor e com ar de secreto.
Em todos os casos, a ambientação e o apelo visual, além dos sabores, são de extrema importância. Por isso, os bares escondidos em BH apostam, cada um deles, em uma identidade muito marcada, que segue a proposta do cardápio, inclusive.
No Bar Puxado, o responsável pelo projeto foi Túlio D’Angelo, que é o proprietário. “Como advogado sou um arquiteto que dá para o gasto”, brinca o bartender que é advogado de formação. Ele quis botar a mão na massa nesse projeto para imprimir bem sua identidade e do seu sócio. A ambientação do Puxado foi uma grande conversa, onde cada um deles trazia elementos de casa ou de lugares que gostavam para dentro daquele pequeno espaço.
A madeira é algo que chama atenção, por ser muito usada. “Trouxemos ela para trazer aconchego, um ar de casa mesmo. Além disso, eu e meu sócio almoçamos e frequentamos muitos bares e restaurantes antigos do centro que são repletos de madeira”, explica o proprietário. Outro detalhe especial do bar é a música, que é sempre pensada com carinho. “A proposta era ser uma espécie de listening bar também”, explica.
Tecnologia e tradição
No Whisper, a tecnologia é protagonista. Além do robô bartender, o bar apostou em um painel tecnológico que reproduz imagens diversas. Os sócios contrataram uma banda, fizeram uma gravação em estúdio perfeita para ser transmitida nesse projetor, que faz os clientes se sentirem dentro daquele ambiente musical.
Apesar disso, na escolha de móveis, eles seguiram uma pegada mais clássica. Alexei conta que a escolha dos sofás no modelo chesterfield em tom caramelo foi sua, por um gosto pessoal, mas ela também reforça, com os tapetes no chão, a atmosfera intimista que buscam.
Casa florida
Justamente por apostar em uma floricultura como porta de entrada, Aflora Secreta dialoga sempre com as plantas e flores. Em espécies de lounges que ficam no salão, há plantas verdes caindo em uma estrutura de madeira que lembra até um pergolado.
Nos pratos, pétalas e flores comestíveis finalizam a apresentação, trazendo leveza e dialogando com a proposta do restaurante e bar inserido em uma floricultura.
Anote a receita: drinque Last Word, do Bar Puxado
Ingredientes:
- 25ml de gim (seco, estilo London Dry)
- 25ml de licor Green Chartreuse
- 25ml de licor de marrasquino
- 25ml de suco de limão fresco
Modo de fazer:
- Em uma coqueteleira, adicione todos os ingredientes.
- Complete com bastante gelo.
- Bata vigorosamente por cerca de 10 a 15 segundos.
- Coe duas vezes (com coador fino) em uma taça coupé gelada.
- Decore com uma cereja marrasquino.
Serviço
Aflora Secreta (@aflora.secreta)
Rua Guaicuí, 510, Coração de Jesus
(31) 99282-2018
De quarta a sábado, das 19h às 02h
Bar Puxado (@puxadobar)
Avenida amazonas, 1049
De quinta a sábado, das 18h às 23h30
Whisper (@whisper.bar)
Rua Santa Catarina, 1287, Lourdes
(31) 3656-0025
De quinta a sábado, das 19h à 01h30
*Estagiária sob supervisão de Isabela Teixeira da Costa