SABORES ÍTALO-MINEIROS

Italianos fazem história como donos das sorveterias mais antigas de BH

Dois imigrantes, um do Vêneto e outro da Sicília, na Itália, fundaram há quase 100 anos negócios passados de geração em geração

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O fundador da Sorveteria São Domingos, Domingos Dias da Silva, italiano de Treviso, cidade na região do Vêneto, veio ao Brasil, ainda bebê, acompanhando os pais, que iriam trabalhar em lavouras de café. A família se instalou em Oliveira, no Centro-Oeste de Minas e, aos 17 anos, Domingos foi trabalhar no garimpo. Lá, ele encontrou 17 diamantes que lhe permitiram abrir uma fábrica de sorvetes.

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Entre 1929 e 1934 (não é possível precisar a data), o jovem italiano veio para Belo Horizonte e abriu a primeira loja na Rua da Bahia. Certo é que, em 1934, mudou-se para o ponto onde está até hoje, na esquina da Avenida Getúlio Vargas com a Rua Santa Rita Durão, na Savassi.


O filho do fundador Domingos Dias Montenegro assumiu a sorveteria pouco tempo depois de o seu pai falecer, em 1979. Desde os 12 anos na produção dos sorvetes e no dia a dia do negócio, ele percebe claramente o passar dos anos na cidade e o caminhar de gerações.

Desde 1934, a esquina da Getúlio Vargas com Santa Rita Durão é ponto de sorvete
Desde 1934, a esquina da Getúlio Vargas com Santa Rita Durão é ponto de sorvete Arquivo pessoal


“Os clássicos estão sempre no cardápio. Jabuticaba, coco, limão e ameixa, por exemplo, existem desde a fundação da sorveteria. Hoje, o nosso público é mais idoso e eles consomem, sobretudo, esses sabores”. As receitas clássicas, inclusive, demonstram como a sorveteria, apesar de ter “sangue” italiano, sempre usou ingredientes daqui.


Se alguns sabores se mantêm eternos, outros marcam “modas” do paladar brasileiro. Exemplo clássico é o passas ao rum, hit da década de 1970 que até voltou à cena depois de aparecer no filme “Ainda estou aqui”, sucesso de Walter Salles. Além dele, que, de vez em quando, entra no cardápio, o proprietário cita o “creme chinês”. “Ele também foi um clássico da década de 1970. Era feito com arroz, como um arroz doce mesmo.”


Sem parar no tempo

Domingos equilibra sempre inovação e tradição. Enquanto opta por fazer o sorvete de coco exatamente como seu pai fazia, com o coco natural (sem ser o já ralado), que é mais trabalhoso, em outros preparos se alia ao avanço da tecnologia. “Antigamente não existia ameixa sem caroço para comprar, então a gente cozinhava a fruta e ‘sacava’ o caroço. Hoje, já encontramos ela sem, e isso facilita.”

Apesar de ter 'sangue' italiano, a São Domingos sempre usou ingredientes locais, como jabuticaba
Apesar de ter 'sangue' italiano, a São Domingos sempre usou ingredientes locais, como jabuticaba Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


Sabores como Oreo também explicitam o diálogo com o público mais jovem e com a modernização. Qualquer bola de sorvete na São Domingos custa R$ 15.


Lideranças femininas

Outra sorveteria familiar de origem italiana que mantém viva a história de BH é a Universal. Fundada em 1928 no Centro, ela passou para a tradicional loja no Floresta em 1932. Hoje, as irmãs Liliane e Aline Lacôrte, bisnetas do fundador, Arthur Spina, da Sicília, são as responsáveis pela casa.


Aliás, não é a primeira vez que isso acontece. Quando o fundador morreu, a avó e a tia avó delas (duas irmãs), também passaram a chefiar a sorveteria, que depois passou para a mãe delas, completando uma linhagem importante de lideranças femininas.


O modo de fazer os sorvetes, evidentemente, passou de geração em geração. Fato importante para essa transição bem sucedida de lideranças é o fato de uma proprietária passar conhecimento para a outra, afinal, as receitas da época eram bastante “subjetivas” e usavam medidas como “um prato de determinado ingrediente”.


Liliane destaca que, hoje, muitas sorveterias gastam poucas horas para fazer o que ela faz em um dia inteiro. “Nós fazemos todas as etapas. O sorvete de doce de leite, por exemplo, é feito com nosso doce de leite preparado no tacho.” Lá, uma bola é vendida a R$ 15.


Novos públicos

Ao longo dos anos, elas não mudaram o modo de fazer os sorvetes, mas, sim, o modo de atender. “A Universal passou por um incêndio em 1994 e o próprio Bairro Floresta foi sendo menos frequentado, então eu e minha irmã implementamos um food truck para reviver a sorveteria, levarmos ela para eventos”, conta Aline.

A primeira loja da Sorveteria Universal, aberta em 1928, ficava no Centro da cidade
A primeira loja da Sorveteria Universal, aberta em 1928, ficava no Centro da cidade Arquivo pessoal


Com o mesmo pensamento, de levar a história da marca para cada vez mais pessoas, elas abriram, em 2022, uma unidade no Bairro Mangabeiras, Região Centro-Sul de BH. Além disso, passaram a investir em festas menores, com pequenos carrinhos de sorvete.


As duas unidades da Universal evidenciam algo interessante, uma diferença nos gostos de cada público. Enquanto os frequentadores do Bairro Floresta prezam pelos clássicos, como ameixa, doce de leite, queimadinho (de coco queimado) e nozes, o público do Mangabeiras prefere itens mais “modernos”, como o sorvete de baunilha com caramelo e flor de sal.


Mais que sorvete

A loja do Floresta é um ponto turístico para muita gente, que vai lá, não só para tomar sorvete, mas para se lembrar de algo ou alguém.


“Nesses anos à frente da sorveteria, percebemos que vendemos mais que sorvete. Uma senhora escreveu em um livro de memórias que criamos que toma o sorvete de doce de leite para se lembrar dos ‘beijos do amor da sua vida, que já não estava mais aqui’, e isso nos tocou muito”, conta Liliane, que se emociona ao reviver o passado. “Me lembro de quando ficava ao lado da minha avó tirando sorvete. Hoje fico emocionada de olhar para essa mesma máquina e lembrar desses momentos.”


Esse é mais um motivo pelo qual as irmãs se esforçam para manter vivo o legado do bisavó, preservando também as suas criações clássicas. “Meu bisavô chegou aqui e quis ser pertencente, quis trabalhar com ingredientes locais. Por isso, ele veio com a receita do gelato, mas montou uma sorveteria”, completa Aline.

Footing em BH


A prática, que foi muito tradicional em Belo Horizonte, tem relação com a popularidade das sorveterias e com o fato de duas delas terem mais de 90 anos. A expressão, que, traduzida, é algo como “ir a pé”, diz respeito ao comportamento de sair de casa, passear a pé, muitas vezes para paquerar ou namorar.

“O sorvete e a confeitaria, em geral, têm a ver com esse costume, com o uso da rua como lazer o passear na praça”, explica o professor de história da UFMG, José Newton Meneses, que também está à frente do grupo de pesquisa “Tutu – História da alimentação e das práticas alimentares”.

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Serviço


Sorveteria São Domingos

Sorveteria Universal

  • Avenida do Contorno, 1853, Floresta
  • (31) 97212-5036
  • Segunda e terça, das 11h30 às 18h30
  • Quarta e domingo, das 11h30 às 19h30
  • Quinta, das 11h30 às 20h30
  • Sexta, das 11h às 20h
  • Sábado, das 11h30 às 20h
  • @sorveteriasaodomingos

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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