É COISA NOSSA

Quando a comida mineira deixa o ambiente doméstico e vai para restaurantes?

O orgulho da cozinha típica do estado se torna claro pela fundação de casas como Xapuri (1987) e Dona Lucinha (1990)

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Se Belo Horizonte se destacou como uma cidade de gastronomia cosmopolita, como vimos em outras edições da série “Um Século de Sabores”, no fim da década de 1970 e nas décadas posteriores se observou um movimento que olhava para a cozinha do interior, a cozinha mineira.

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Não custa lembrar que esse momento não tem relação com a formação dessa cozinha, que tem registros desde o século 19, mas, sim, com um uso político dela, como explica o historiador e pesquisador José Newton Meneses.


O especialista destaca que as décadas finais do século 20 foram marcadas pelo desenvolvimento do turismo. Isso não apenas em BH, mas em todo o mundo.


“Os anos 1980 são os anos em que esse orgulho da comida mineira fica muito exaltado por campanhas publicitárias e de marketing turístico. A questão do orgulho da comida é muito típica desses anos de 1980 e 1990.” Isso explica, inclusive, a força de casas típicas em Belo Horizonte neste período.


Quem também chama a atenção para a ligação forte entre a gastronomia e o turismo é a historiadora da alimentação Carolina Figueira.


“A década de 1970 foi muito importante no Brasil para a valorização de comidas regionais, o turismo fomentou isso. Por isso, a gente observa no fim do século 20 um aumento no número de restaurantes de comidas regionais, estabelecimentos que vão tratar de uma cozinha que até então era muito mais vista como doméstica.”

A partir de 1987, Nelsa Trombino passa a mostrar seu amor por Minas no cardápio do Xapuri
A partir de 1987, Nelsa Trombino passa a mostrar seu amor por Minas no cardápio do Xapuri Xapuri/Divulgação

Casas emblemáticas


No que diz respeito à culinária mineira, esse orgulho da cozinha típica do estado se torna claro pela fundação de casas bastante simbólicas, como Xapuri (1987) e Dona Lucinha (1990). Além de significar que os mineiros queriam valorizar a sua culinária e mostrá-la para turistas, demonstra que eles passaram a sair de casa para comer aquilo que é tradicionalmente feito no lar.


Os restaurantes se tornam ainda mais marcantes por terem sido fundados e chefiados por mulheres. Aliás, dois nomes de valor imensurável para a cultura alimentar mineira.


Dona Nelsa Trombino, fundadora do Xapuri, nasceu no interior de São Paulo, casou-se com um mineiro e se instalou em Belo Horizonte, onde abriu seu restaurante. “Minha mãe abriu o Xapuri para ajudar nas economias de casa”, explica Flávio Trombino, filho de dona Nelsa e atual proprietário da casa.


Ela levou sua bagagem e alma para o menu. O angu, por exemplo, leva leite, manteiga e queijo, seguindo um pouco do sangue dos pais italianos. Outros itens clássicos, entretanto, traduzem a cultura típica mineira da família do marido, a exemplo do Frango Preguento do Bento (R$ 199,90), ensopado e com caldo encorpado, servido com arroz, feijão, couve, quiabo, chuchu e angu.

Valor histórico


Por outro lado, Dona Lucinha, mulher que fundou a casa de mesmo nome, veio do Serro (MG) propagando a valorização da comida do Noroeste de Minas.

O restaurante Dona Lucinha faz uma fusão da cozinha tropeira com a cozinha de fazenda
O restaurante Dona Lucinha faz uma fusão da cozinha tropeira com a cozinha de fazenda Fernanda Naves/Divulgação

“Minha mãe sempre pensou em cozinha como cultura e ela teve a visão de fazer festivais pelo Brasil, mostrando duas frentes da comida mineira: a cozinha tropeira, baseada na mandioca, e a da fazenda, que tem como base o milho”, explica Márcia Nunes, filha de Dona Lucinha e atual proprietária da casa.


Márcia se orgulha do trabalho da mãe de luta pela comida mineira rústica. “Ela saiu do Serro e trouxe essa comida para a Savassi, na capital do estado. E nós nos mantivemos fazendo o arroz com feijão, tendo consciência de que aquilo tinha valor histórico e cultural.” Exemplo disso é a costelinha frita com ora-pro-nóbis, arroz, feijão, angu e couve (R$ 134).


Além desses atributos, Márcia destaca o valor nutricional da comida, que já foi ignorado por algum tempo. “Nossa cozinha é muito moderna, não abrimos nenhuma lata, nada aqui é industrializado, ela é muito sustentável, tem técnica, panela certa, tempo certo, é nutritiva…” diz, orgulhosa do trabalho de Dona Lucinha, que teve como matéria-prima a “vergonha” dos mineiros em relação à sua cultura alimentar.

Márcia Nunes se orgulha do empenho da mãe, Dona Lucinha, de lutar pela comida mineira rústica
Márcia Nunes se orgulha do empenho da mãe, Dona Lucinha, de lutar pela comida mineira rústica Miguel Aun/Divulgação

Diplomacia no prato


Outro ponto de destaque em relação à valorização da comida mineira é lembrado por Vani Pedrosa, pesquisadora e assessora de projetos especiais do Senac em Minas. “No Palácio [em reuniões diplomáticas], começou a aparecer a doçaria mineira, depois vieram petiscos e, enfim, pratos. Começa um uso político da comida”, explica.


Essa mudança de vergonha para orgulho também pode ter relação com a imigração, conforme explica a especialista. “Entram os estrangeiros com técnicas estrangeiras e aí nós reconhecemos os valores e as técnicas da nossa cozinha.”

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Serviço


Xapuri (@xapurirestaurante)

  • Rua Mandacarú, 260, loja 1, Trevo
  • (31) 3496 6198
  • De terça a sábado, das 11h às 22h;
  • Domingo, das 11h às 17h.

Dona Lucinha (@donalucinhamatriz)

  • Rua Padre Odorico, 38, São Pedro
  • (31) 2127-0788
  • De segunda a sábado, das 11h às 22h;
  • Domingo, das 11h às 17h.


*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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