Minerais críticos devem aparecer na pauta da reunião de Lula e Trump
Um dia depois de o chefe da Casa Branca sinalizar uma reunião bilateral, o presidente Lula diz estar disposto a tratar de vários temas econômicos. E espera explicar ao norte-americano que os EUA não acumulam deficit comercial com o Brasil
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Siga noApós a "química excelente" entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump (dos Estados Unidos), em poucos segundos, cresce a expectativa do que os dois líderes tratarão em uma possível reunião marcada para a próxima semana.
Em meio ao tarifaço contra o Brasil em vigor desde agosto, Lula comentou as questões econômicas que devem ser abordadas com o presidente norte-americano. O chefe do Executivo deixou claro que temas como exploração de terras raras podem ser colocados à mesa. "Nós queremos discutir com o mundo inteiro nossos minerais críticos. Queremos que empresas que quiserem explorar vão para o Brasil explorar", afirmou Lula em entrevista a jornalistas na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, antes de embarcar para o Brasil.
Na entrevista, Lula abordou, mais uma vez, a relação comercial entre os dois países. Ao discursar na tribuna da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira (23), o presidente norte-americano voltou a mencionar que os Estados Unidos acumulariam um deficit nas transações com o Brasil.
Lula rebateu a acusação ontem. "Eu não sei quem foi que disse para o presidente Trump que ele tinha um deficit comercial com o Brasil. Ele teve um superavit, em 15 anos, de US$ 410 bilhões", reiterou Lula, ressaltando que o líder norte-americano poderia estar mal-informado sobre o Brasil. "Na hora que ele tiver as informações corretas, acho que ele pode mudar de posição tranquilamente", ponderou Lula.
Avanços
Analistas ainda fazem ressalvas sobre as expectativas da reunião, mas reconhecem que a chance de uma conversa mais longa entre os dois líderes é bastante positiva. "Sem dúvida que esse encontro é positivo, mas não convém dar importância excessiva. Trump declara hoje uma coisa e, logo depois, o contrário", destacou o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente. Ele lembrou que, no próprio discurso na ONU, após o comentário positivo sobre Lula, Trump voltou a atacar o Brasil. "Com ele, palavras não significam nada. Só os atos é que contam", pontuou.
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), acredita que a reunião é uma oportunidade ímpar para o governo brasileiro. "Se não se realizar por negativa do Lula, o ônus político vai ser muito grande", disse.
Nos bastidores, há uma controvérsia em relação à dinâmica da reunião — presencial ou virtual. Enquanto o Itamaraty e pelo Palácio do Planalto aprovam um encontro por videoconferência, o governo Trump indicou para uma conversa frente a frente. O receio dos diplomatas no entorno de Lula é de que o republicano tente constranger o petista, a exemplo do que ocorreu com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que foi humilhado por Trump, em fevereiro deste ano, no Salão Oval da Casa Branca.
Na avaliação da economista Lia Valls Pereira, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e especialista em comércio exterior, o Itamaraty está correto ao defender o encontro virtual, de forma a preservar Lula. "O Itamaraty está certo em resguardar Lula, porque Trump é uma pessoa imprevisível e ambos vivem um momento de grande tensão no atual cenário", acrescentou. Para ela, é fundamental a diplomacia brasileira se dedicar à preparação do encontro, a fim de definir claramente as propostas que serão negociadas entre os líderes.
A especialista lembrou que há diversos pontos divergentes entre Lula e Trump. "A motivação de Trump para o tarifaço contra o Brasil não é por questões técnicas e econômicas. Os Estados Unidos não têm deficit comercial com o Brasil, portanto, as motivações na ordem executiva são políticas", destacou.
Dentre os produtos brasileiros mais afetados pelo tarifaço norte-americano, destacam-se calçados, café e madeira. O impacto estimado pelo governo na economia do país gira em torno de 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB), neste ano e no próximo. Mas, com o pacote de socorro aos exportadores previsto no Plano Brasil Soberano, as autoridades estimam que esse impacto deverá cair para a metade.
Soluções negociadas
A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) também considerou um passo positivo a sinalização de uma reunião entre os presidentes dos dois países. "A entidade espera que o encontro ocorra nos próximos dias e abra caminho para um diálogo estruturado e de alto nível sobre temas econômicos e comerciais, capaz de construir soluções negociadas para os desafios existentes nas cadeias produtivas, nos fluxos de comércio e nos investimentos bilaterais", destacou a nota da instituição.
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A entidade reafirmou que tem convicção de que o diálogo "é o instrumento mais eficaz para preservar e aprofundar a parceria econômica e comercial entre os dois países, promovendo investimentos mútuos, geração de empregos e fortalecimento das trocas bilaterais".
O economista e consultor André Perfeito, por sua vez, tem expectativas modestas em relação à reunião. Ele leva em conta outros fatores, como as negociações comerciais em curso entre os EUA e a China. "Não dá para dizer que as conversas (entre Lula e Trump) podem avançar em termos econômicos, porque Trump ainda deve concretizar o acordo com a China primeiro. Mas há fatores que conspiram para um real mais forte daqui para frente", afirmou. Ele aposta em um dólar mais fraco daqui para frente, testando níveis abaixo de R$ 5,30, apesar das recentes oscilações.
Ontem, depois de recuar para R$ 5,279, na véspera, a divisa norte-americana voltou a subir e encerrou o dia cotado a R$ 5,327, com alta de 0,91%. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3), por sua vez, teve variação positiva de 0,05% e encerrou o pregão aos 146.491 pontos, superando o recorde anterior, de 146.245 pontos de terça-feira.
Retomada estratégica
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), informou, por meio de nota, que recebeu com entusiasmo o anúncio feito pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de que se reunirá com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima semana. Essa reunião pode "representar uma oportunidade de reaproximação estratégica" entre os dois países, segundo a entidade.
A CNI coordenou uma missão empresarial a Washington no início do mês com 130 empresários. Para o presidente da entidade, Ricardo Alban, a sinalização de Trump "aumenta a esperança para que os dois governos iniciem uma mesa de negociação para rediscutir as pesadas tarifas impostas pelos Estados Unidos". "Sabemos que não é uma tarefa fácil, mas temos confiança de que, por meio da conversa e da diplomacia, o Brasil conseguirá reverter esse cenário", disse Alban, acrescentando que "o comércio bilateral é vital para a competitividade da indústria brasileira".
Haddad otimista
A aproximação entre Lula e Trump, com possíveis desdobramentos no tarifaço imposto pelos EUA contra o Brasil, repercutiu no Congresso Nacional. Convidado para uma audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, ontem, que só a diplomacia pode encerrar o tensionamento entre os dois países.
"Essa situação só vai ser resolvida pela diplomacia. Nós temos que encerrar o tarifaço. Ele é uma confusão conceituosa. É usar uma arma econômica contra um país de renda média, por uma superpotência", declarou o ministro.
Haddad afirmou que determinadas empresas não serão beneficiadas pelo programa de contingência contra as tarifas dos Estados Unidos. E, por isso, é necessário encerrar de vez a taxação extra.
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Ele ainda criticou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), pivô da crise política e diplomática que se instalou há meses entre Brasil e Estados Unidos. "Nós estamos pagando o salário dele para ele trabalhar aqui com o projeto de lei, votando, fazendo as coisas que um deputado tem que fazer. E não a gente pagar o salário dele para ele ficar lá fazendo o que ele está fazendo", afirmou Haddad.
O titular da Fazenda rebateu também as críticas a Lula, de que o presidente brasileiro deveria ter se empenhado mais para obter uma conversa com Trump. E criticou Eduardo Bolsonaro, que estaria passando vergonha nos nos Estados Unidos. "Eu não sei aqui quem é amigo do Eduardo Bolsonaro. Mas quem for amigo dele, tem que ligar para ele. Não adianta pedir para o Lula ligar para o Trump. Liga para o Eduardo", complementou o ministro.
Fernando Haddad classificou o rápido encontro entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos como uma "abertura" que pode ajudar a resolver a dimensão econômica das tarifas aplicadas pelas autoridades americanas sobre produtos brasileiros.
O chefe da equipe econômica mostrou-se otimista, mas fez ressalvas. "Eu penso que, se houver boa vontade de parte a parte, nós vamos resolver a questão econômica rapidamente. Agora, a questão política é outro departamento. Envolve outro Poder da República, e tem a questão constitucional", declarou.