INCERTEZA

Fechamento da usina centenária gera incerteza em cidade mineira

O encerramento das atividades na Usina Jatiboca gera apreensão em Urucânia e ameaça empregos e renda de famílias rurais

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A cidade de Urucânia (MG), Zona da Mata, enfrenta dias de apreensão: a Usina Jatiboca anunciou o fechamento de suas atividades e a demissão de mais de mil trabalhadores, ameaçando a economia local e o sustento de famílias inteiras. A comunicação interna aos funcionários ocorreu em 22 de outubro, informando que a fábrica encerraria as operações até 10 de novembro e iniciaria os acertos rescisórios, inicialmente cogitados de forma parcelada, o que motivou protestos na portaria da empresa.

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A Jatiboca emprega cerca de 1,1 mil pessoas na entressafra e chega a quase 2 mil durante a safra, além de gerar aproximadamente 5 mil postos indiretos na cadeia produtiva regional. Segundo dados públicos da própria companhia, a usina tem capacidade para cerca de 1 milhão de sacas de açúcar e 32 milhões de litros de álcool por safra. Aproximadamente 20% da cana utilizada vem de cerca de 400 produtores locais.

As atividades da empresa incluem produção de etanol, iniciada na década de 1980; produção de açúcar, tradição histórica da companhia; cogeração de energia elétrica a partir do bagaço da cana; e cultivo de mais de 15 variedades de cana-de-açúcar, com uso de tecnologia para otimizar a eficiência.

A direção da usina justificou o fechamento às entidades sindicais alegando dificuldades na disponibilidade de matéria-prima e escassez de mão de obra, sobretudo no trabalho rural. Diante do anúncio, o Superintendente Regional do Trabalho em Minas Gerais, Carlos Calazans, se reuniu na sexta-feira (24/10) com trabalhadores, representantes da direção da empresa e autoridades locais, incluindo os deputados Leleco Pimentel e Padre João, além do prefeito de Urucânia, Serginho Furão.

O objetivo foi implementar uma negociação entre trabalhadores e empresa, diante do impacto direto do fechamento na economia local. Uma mesa permanente de diálogo foi instalada para acompanhar e discutir todas as questões relacionadas à paralisação e às consequências para os funcionários.

“Só sei viver da cana”

Salvador Batista Campos, trabalhador rural, relatou problemas com o pagamento pela cana fornecida à empresa. Ele explicou que a família fornece o produto à usina há décadas, mas não recebeu pelos fornecimentos de agosto, setembro e outubro de 2025, totalizando cerca de 80 toneladas:
“Desde maio já desconfiávamos que algo não estava certo. A usina vem quebrando devagar, e agora estamos sem receber pelo que vendemos. A cana é nosso principal sustento. Sem o pagamento, ficamos sem ter o que fazer com a produção.” 

Campos destacou que, anteriormente, toda a produção era vendida exclusivamente para a usina, mas nos últimos anos passou a comercializar parte por meios independentes, prática mantida há cinco anos. Ele reforçou o impacto pessoal e familiar da situação; “Eu e minha esposa trabalhamos a vida toda nisso. Vamos ter que dar um jeito, mas é difícil, pois a cana é nossa herança e principal sustento, só sei viver da cana". 

Outro produtor da região, que pediu para não ser identificado por medo de represálias, relatou a situação preocupante enfrentada pelos pequenos fornecedores. Segundo ele, o pagamento pela produção só foi feito depois do dia 15 de julho, mesmo com uma grande quantidade fornecida à usina:
“Foram muitas toneladas, 1.780. A gente se mantém com a cana. Só sei mexer com cana, nunca mexi com outra coisa. Tenho um financiamento de quase um milhão só para mexer com a cana. Investi muito, muito nesse sonho.” 

Ele expressou preocupação com o futuro da região diante das dificuldades enfrentadas pela usina:
“Você não imagina o fracasso que vai ser para a região. Todo o sustento da minha família vem por meio da cana.”

José Afonso, 61 anos, trabalha na usina há 40 anos e acompanhou toda a trajetória da empresa. Ele contou que soube da notícia da demissão em massa pelo sindicato, embora o filho, que também trabalha como motorista, tenha descoberto a situação primeiro: “Recebi a notícia e acompanhei desde o início. Trabalho à noite, e primeiro o sindicato passou a informação. Meu filho descobriu e me contou.

José relatou a manifestação na porta da empresa e a proposta apresentada pelo sindicato:
“Não estava sabendo de nada. Eles fizeram tudo interno. Em menos de 10 dias teríamos que resolver a nossa vida.”

Ele explicou que, nos últimos cinco anos, já haviam sinais de problemas, como parcelamento de insumos e atraso no pagamento de produtores, mas destacou que os salários dos funcionários sempre foram pagos em dia. Sobre os impactos da situação, José ressaltou a preocupação com benefícios, casas fornecidas pela empresa e o futuro da companhia, “Nossa luta é para não ter o parcelamento dos nossos benefícios. Não queríamos que a empresa fechasse. Se for fechar, que não parcele os benefícios. Espero que haja negociações. Temo ficar desempregado. A maioria vive somente da empresa. Foi um soco no estômago.”

José Luiz da Anunciação, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Urucânia (STRU), relatou que a decisão de fechamento já estava tomada há mais de quatro meses, antes mesmo do sindicato ser consultado, “Eles disseram que seria uma paralisação por tempo indeterminado, mas isso é mentira. A empresa queria o fechamento definitivo, com pagamento das verbas rescisórias parcelado em até 10 vezes.”

O sindicato formou uma comissão de representantes para negociar com apoio do Ministério Público, da e das prefeituras locais:  “Todos os trabalhadores precisavam estar cientes. Acionamos o Ministério Público e até o prefeito se envolveu. Foi um encaminhamento coletivo para proteger os direitos dos funcionários.”

Ele ressaltou a gravidade do impacto sobre os trabalhadores e a economia local: “São 1.160 empregados diretos, 2.000 na safra de cana, 4.000 indiretos em 13 cidades da região. Muitos já estavam prestes a se aposentar, mas agora terão que trabalhar mais anos. Há muita cana plantada, mais de 600 hectares só no ano passado, pronta para produzir. Mesmo assim, os diretores decidiram pelo fechamento, sem considerar compradores interessados em manter a atividade.”

Decisão judicial 

A Justiça do Trabalho determinou a suspensão imediata das demissões em massa na Usina Jatiboca. A decisão, proferida pelo juiz Ezio Martins Cabral Junior, titular da Vara do Trabalho de Ponte Nova, foi tomada no âmbito de uma Ação Civil Pública movida pelo sindicato da categoria, após denúncias de dispensas coletivas e risco de paralisação das atividades.

A companhia deverá manter o pagamento de salários e encargos durante as negociações com o sindicato. O magistrado determinou que qualquer medida de reestruturação ocorra de forma transparente e com boa-fé, e que a empresa forneça informações detalhadas sobre sua situação patrimonial e financeira, incluindo inventário de ativos e comprovantes de vendas de produção e estoques. 

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O juiz proibiu a venda, arrendamento ou entrega de máquinas e equipamentos agrícolas e industriais, visando preservar a capacidade produtiva, e estabeleceu multa de R$ 100 mil por trabalhador dispensado em caso de descumprimento. O Ministério Público do Trabalho será comunicado para que acompanhe o caso. Procurada, a Usina Jatiboca não retornou aos contatos da reportagem.



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