JUNHO VIOLETA

A cada dia, 63 idosos são vítimas de violência em BH

Somente até abril, autoridades de segurança registraram 7.651 violações da integridade física, psicológica e financeira de maiores de 60 anos

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Nos quatro primeiros meses deste ano, 7.651 idosos sofreram algum tipo de violência em Belo Horizonte, segundo o Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais. Isto significa que, a cada dia, uma média de 63 pessoas tiveram sua integridade física, psicológica ou financeira violada. Ontem, a Polícia Civil de Minas Gerais realizou a operação Olhar Atento, em conjunto com a Vigilância Sanitária. A ação preventiva visitou quatro instituições de longa permanência nas regiões Noroeste e da Pampulha da capital e faz parte do Junho Violeta, mês de conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa.

O levantamento do observatório aponta um aumento de 15,7% de violência contra idosos, em relação ao período de janeiro a abril de 2024, quando 6.611 casos foram registrados. Ao longo dos 12 meses do ano passado, 20.734 vítimas prestaram queixa nos órgãos de segurança.


Em 2025, o principal crime cometido contra esta parcela da população foi o estelionato, com 3.041 casos. Esse tipo de crime, aliás, praticamente lidera a lista desde 2020. A exceção foi o ano de 2023, quando o furto ficou na primeira posição. Do início da década até abril, foram registrados 34.307 estelionatos contra idosos, representando 35,2% das ocorrências, seguido pelo furto, com 33,9%. Em terceiro lugar, estão as ameaças que correspondem a 8,7%.


O problema pode se agravar com o processo de envelhecimento populacional pelo qual o Brasil está passando. Segundo o Censo 2022, realizado pelo IBGE, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país chegou a 22.169.101, o que representa 10,9% da população, uma alta de 57,4% em relação a 2010, quando esse contingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população. O levantamento também aponta que o índice de envelhecimento chegou a 80, o que representa 80 pessoas idosas para cada 100 crianças de 0 a 14 anos.


Quem são as vítimas

Uma pesquisa feita pela UFMG mostra que a cada dez idosos, em média um relata ter sofrido algum tipo de violência – em especial, o abuso psicológico. O dado faz parte do estudo “Fatores associados ao autorrelato de violência contra a pessoa idosa”, feito pela pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública (PPGSP), da Faculdade de Medicina, Fabiana Martins Dias de Andrade.


O levantamento destacou ainda uma maior prevalência de violência contra mulheres idosas: 11,09% desse grupo afirmou ter sido vítima de algum tipo de abuso, já 8,69% dos homens entrevistados relataram situação semelhante. Em ambos os sexos, a violência psicológica foi registrada em 9,63% dos idosos, seguida de 1,56% de violência física.

Além do gênero, os principais fatores relatados para a violência contra a pessoa idosa (VCPI) foram a idade. Particularmente, a população de 60 a 69 anos se mostrou a mais vulnerável, assim como residir em áreas urbanas, apresentar sintomas depressivos e possuir multimorbidades.


Para as mulheres idosas, não ter um parceiro íntimo é um fator de atenção para a violência, diferentemente do que ocorre com mulheres mais novas. Entre as que moram em áreas urbanas, 11,55% relataram ter sido vítima de algum tipo de violência, contra 7,63% das que vivem em áreas rurais. Para os homens, a diferença diminui para 9,07% nas áreas urbanas e 7% na zona rural.


O estudo também revelou uma menor prevalência de casos de violência sexual, relatada por 0,20% dos idosos de ambos os sexos. Porém, esse tipo de violência atinge majoritariamente mulheres, com 0,27% de vítimas, em comparação ao índice de 0,07% referente aos homens.


Câmeras de monitoramento

O caso de uma idosa de 78 anos, vítima de agressões por parte da cuidadora, no Bairro Vale do Jatobá, Região do Barreiro, em Belo Horizonte, na semana passada, ilustra bem a violência sofrida por pessoas em idade avançada. A violência foi registrada por câmeras de segurança instaladas pela família da idosa, que desconfiou de atitudes agressivas da cuidadora, contratada havia cerca de sete meses. A profissional, de 53 anos, foi flagrada empurrando a cabeça da mulher contra uma poltrona e colocando comida de forma violenta em sua boca.


Segundo uma das filhas da vítima, a cuidadora tinha sido recomendada por outras famílias da região. Os familiares desconfiaram de algumas atitudes da cuidadora, como gestos ríspidos e justificativas duvidosas sobre hematomas no corpo da idosa. A cuidadora alegava que os machucados seriam resultado da pele sensível da paciente, que sofre de Parkinson avançado e demência. Após a família revisar imagens da câmera, os maus-tratos foram constatados.


Em entrevista ao Estado de Minas, uma filha da idosa conta que a família está muito abalada com a situação. “Nunca passamos por nada parecido. A pessoa mais importante da nossa casa, acamada e totalmente indefesa, ter que passar por isso”, desabafa.


A filha relata que a mãe tem mostrado agitação em certos momentos e chora. As visitas dos familiares foram intensificadas para tentar acolher a vítima. Os filhos optaram por não contratar outra cuidadora para ficar com a mãe durante a noite e nos fins de semana. Decidiram se revezar nessa tarefa. A idosa tem uma cuidadora que a acompanha de segunda a sexta-feira.


De acordo com a filha, a decisão de contratar uma segunda cuidadora, para o período noturno e os fins de semana, foi tomada devido ao agravamento do quadro de saúde da idosa. “Mas agora queremos intensificar os cuidados e ficar mais próximos ainda. Não sei nem onde procurar, não quero indicações. Já passamos por isso, acho que não vamos contratar outra.”


Em nota, a Polícia Civil de Minas Gerais informou que a cuidadora foi conduzida, ouvida por meio da Delegacia Especializada de Plantão de Atendimento à Mulher e, em seguida, liberada. “A suspeita assinou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), se comprometendo a comparecer perante o Juizado Especial Criminal do município, em data a ser agendada. Na ocasião, os responsáveis pela vítima manifestaram interesse em solicitar medidas protetivas de urgência, as quais foram encaminhadas ao Poder Judiciário para análise e deferimento.”


Estatuto e políticas públicas

O advogado especialista em Direito de Família, Luiz Vasconcelos, afirma que as denúncias de violência contra idosos estão, quase sempre, ligadas a questões patrimoniais. "Quando o idoso recebe um benefício ou tem algum patrimônio que vai ficar sob a gestão de alguém, geralmente, essas pessoas tomam providência para fazer a denúncia. Se um idoso não tem um patrimônio que lhe resguarde, geralmente, quando sofre violência, não tem quem demande proteçãopara ele e é visto como se fosse simplesmente um problema.”


O advogado cita o Estatuto da Pessoa Idosa e avalia que a legislação é boa, o que não significa que não possa ser aprimorada. Porém, para ele, é preciso ter mais atenção às políticas públicas ligadas aos idosos e à implementação dos direitos estabelecidos pela norma. Para ele, “por mais que traga direitos e reconhecimeto”, uma legislação precisa ter aplicabilidade. “Isso que é importante, a efetividade dos direitos e não somente uma letra morta e um papel frio”, ressalta.


Vasconcelos acredita que poderia haver mais campanhas mostrando que fatos considerados corriqueiros por alguns, como se apoderar de benefícios dos idosos e usar os valores para outros fins, são crime e não um comportamento legal. Para ele, essas campanhas deveriam abordar casos comuns, como o de um neto que usa o cartão do idoso para fazer compras para o avô e aproveita para adquirir mercadorias também para consumo próprio. Para o advogado, mais importante do que a legislação é aumentar a fiscalização e a propagação de informações de entendimento mais simples sobre a questão.


Para ele, a liderança do estelionato e do furto entre os crimes praticados contra os idosos reflete a vulnerabilidade dessa faixa etária a esses tipos de delitos. “São pessoas com menor percepção dos avanços tecnológicos e, geralmente, caem nesses golpes com o avanço da tecnologia. Como o Pix, a pessoa manda uma mensagem pedindo Pix, o idoso, muitas vezes, na inocência, simplesmente faz.”


Olhar atento

A Polícia Civil de Minas Gerais, junto com a Vigilância Sanitária, realizou na manhã de ontem a operação Olhar Atento, uma ação voltada para a inspeção de instituições de longa permanência em Belo Horizonte, para certificar as condições de tratamento de idosos e prevenir eventuais crimes.


A equipe da Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e Idoso visitou quatro instituições na Região Noroeste e da Pampulha e não identificou qualquer irregularidade. A delegada Juliana Califf, chefe da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância (Demid), destaca que a ação faz parte de um trabalho preventivo. “No intuito de apurar, além de outros crimes, o delito de maus-tratos. Verificar as condições das casas de longa permanência, as condições de higiene, de alimentação, de cuidados.”


A delegada ressalta que, na maioria das vezes, os crimes são cometidos por pessoas próximas da vítima, como vizinhos, cuidadores e familiares. Ela acrescenta que a denúncia, nesses casos, é mais difícil porque a vítima precisa expor familiares. "E, às vezes, ela até duvida que está sendo vítima de crime. As pessoas também têm medo de denunciar, de não ter prova, sendo que isso não é fundamental. Não precisa ter prova para denunciar, basta a suspeita, e a polícia que faz essa parte de colher provas”, explica.


Embora a população brasileira esteja envelhecendo, a delegada afirma que o número de denúncias não cresce proporcionalmente à população. Juliana Califf acredita ainda em uma subnotificação de casos. "Seja por não saber como denunciar, por medo de denunciar ou porque não sabe que está sendo vítima. A gente tem até uma porcentagem grande, mas acredita que seja muito maior do que esses números que são mostrados."


A delegada alerta ainda para que os familiares fiquem atentos aos sinais de que os idosos podem estar sendo vítimas de violência. "Ficar atento ao comportamento, se tem algum hematoma, verificar as condições quando vão visitar os seus familiares nessas casas de longa permanência. O papel da família também é ajudar a polícia a fiscalizar. Então, é muito importante que todos contribuam para que os idosos sejam bem cuidados.”

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A Polícia Civil informa que as denúncias podem ser feitas pelo Disque 100, pelo Disque Denúncia, no número 181, para a Polícia Militar, pelo 190, ou em qualquer delegacia de polícia. 

Abandono no hospital

A Polícia Civil de Minas Gerais instaurou inquérito para apurar o suposto crime de abandono de uma idosa de 72 anos, em um hospital particular de Belo Horizonte. A mulher teria recebido alta e continuou internada porque familiares não foram buscá-la. Segundo a corporação, foram registrados dois boletins de ocorrência, nos dias 14 de maio e 12 de junho. As investigações indicam como suspeitos um homem e uma mulher, ambos com 44 anos. Até o momento, porém, ninguém foi preso. A Unimed-BH, responsável pela unidade onde a idosa está internada, confirmou que a paciente deu entrada no Hospital Unimed – Unidade Contorno, em 18 de abril e permanece no local mesmo após ter recebido alta médica. A empresa informou ainda que notificou os familiares e comunicou o caso ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

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