Ameaça de fim do ensino em tempo integral em escola da UFMG preocupa pais
Comunidade escolar se mobiliza diante de incerteza sobre o futuro do ensino em tempo integral no Centro Pedagógico da UFMG
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Siga noPais e responsáveis de alunos do Centro Pedagógico (CP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escola pública de ensino fundamental com mais de 70 anos de tradição, estão preocupados com a possível extinção do ensino em tempo integral na unidade, localizada no câmpus Pampulha, em Belo Horizonte.
A apreensão cresceu após a instituição não responder a questionamentos sobre rumores de mudança no modelo, segundo relatos ouvidos pelo Estado de Minas. Como reação, foi criado um abaixo-assinado on-line em defesa da manutenção do horário estendido, que, até a tarde desta sexta-feira (27/6), já reunia mais de 700 assinaturas.
A preocupação ganhou corpo a partir de um relatório produzido por uma comissão externa à universidade, ao qual o EM teve acesso, e que expõe dificuldades orçamentárias e de recursos humanos enfrentadas pela UFMG.
Apesar de o documento não propor diretamente o fim do ensino integral, ele lança dúvidas quanto à viabilidade de mantê-lo diante das restrições impostas pelo teto de gastos do Governo Federal, anunciado em maio deste ano. O texto afirma que, persistindo o atual cenário de cortes e déficit de pessoal especializado, o “funcionamento do regime integral pode se tornar insustentável”.
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O receio pela descontinuidade do modelo mobilizou os familiares, que se organizaram em um grupo chamado “Pais pelo Integral”, composto por cerca de 175 responsáveis, engajados em preservar o formato que consideram essencial para o desenvolvimento dos mais de 400 alunos atendidos pela instituição e para a rotina das famílias.
“Se o regime mudar, muitos não vão ter como se adaptar. Algumas famílias não têm rede de apoio, não terão com quem deixar seus filhos. O meu, por exemplo, pode ficar sozinho em casa se sair da escola ao meio-dia”, comenta Ramon Santos, pai de um aluno do 5º ano, citando um horário hipotético. Hoje, as aulas vão de 7h30 às 14h30.
Segundo Ramon, desde o ano passado circulam rumores sobre uma possível revisão no regime integral, mas a universidade não tem se posicionado de forma clara. “Existem diversos pedidos de reunião para a gente ter um posicionamento, mas nunca foi dada uma resposta firme. Falam que isso é uma discussão no âmbito interno da UFMG. Estamos em uma situação de desamparo”, comenta.
A jornada estendida do CP inclui três refeições balanceadas por dia, com acompanhamento de nutricionista, além de atividades complementares e suporte pedagógico vinculado ao tripé universitário de ensino, pesquisa e extensão. Atividades essas realizadas com a participação de professores e graduandos de cursos da própria UFMG, o que, segundo os pais, eleva a qualidade e a singularidade da formação oferecida às crianças, especialmente aos estudantes com deficiência e/ou necessidades especiais.
“Como é para corte de gastos a gente não sabe nem se eles, por exemplo, vão ter alimentação. Há estudantes em situação de vulnerabilidade. Fica com essa situação de insegurança e sem respostas”, alerta o pai. Em 2007, o Centro Pedagógico passou a integrar, juntamente com o Colégio Técnico (Coltec) e o Teatro Universitário (TU), a Escola de Educação Básica e Profissional (Ebap) da UFMG.
Como escola pública, o Centro Pedagógico adota o sorteio para o ingresso de seus alunos, por "considerar o mecanismo a forma mais democrática de acesso, evitando a possibilidade de favorecimento a qualquer grupo social". Hoje, a unidade é reconhecida como escola-modelo de ensino fundamental e referência na formação de professores da educação básica.
Famílias cobram diálogo
A principal crítica dos familiares dos estudantes é à forma como o processo vem sendo conduzido. O próprio relatório da comissão reconhece que qualquer decisão sobre o regime integral não deve ser tomada apenas pela direção do CP, mas não cita diálogo com a comunidade escolar, mas sim que o tema deve ser amplamente discutido "no âmbito das instâncias institucionais pertinentes, incluindo os órgãos de deliberação superior da universidade".
A relações públicas Tatiane Dauanny, de 44, mãe de uma aluna do 5º ano e integrante do conselho comunitário do CP, órgão consultivo que tem por finalidade estabelecer a ponte entre família-escola, relata que os pais se sentem alijados do debate e reivindicam transparência. “Descobrimos que já havia uma comissão interna tratando disso, e o tema já estava em instâncias superiores da universidade. Falta transparência e diálogo”, conta.
Ela lembra que os alunos da instituição já perderam outros direitos nos últimos anos, como o ingresso automático no Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais (Coltec) após a conclusão do ensino fundamental. Ao longo dos anos, a carga horária da unidade também foi reduzida. O horário integral começou com 8 horas e 30 minutos, das 8h às 16h30. No ano seguinte, sofreu um corte de uma hora e passou a funcionar das 7h30 às 15h10. Atualmente, a jornada é de 7 horas, com as atividades das 7h30 às 14h30.
“Temos que lembrar que está em andamento a formação do edital para o ano que vem. Estamos defendendo não só para a gente, mas visando também as próximas entradas”, acrescenta Ramon.
Os pais criticam ainda a falta de acesso às informações. Eles alegam que as reuniões e atas mencionadas no relatório de análise não foram publicadas, os documentos circulam em processos internos aos quais eles não têm acesso e nenhuma consulta formal foi feita às famílias. “A gente nem tem base para contrapor o que está sendo apresentado”, comenta Ramon.
“Por que tiraram a gente das cadeiras, que enquanto pai, enquanto representante, a gente sempre foi parceiro em tudo? A gente quer participar. Mesmo se for para restringir, a gente tinha que estar participando da discussão”, completa Tatiane, reforçando ainda a discussão vai na contramão das recomendações do Governo Federal de ampliar o ensino em tempo integral nas escolas públicas.
UFMG se posiciona
Procurada pela reportagem, a UFMG confirmou que iniciou um processo de avaliação sobre questões relativas à escola, incluindo seu o funcionamento em horário integral. A universidade, no entanto, limitou-se a informar que se trata de uma análise periódica, prevista dentro de sua responsabilidade institucional, e não esclareceu se há de fato a intenção de descontinuar o modelo. “A discussão seguirá os ritos de amplo debate junto ao CP e aos órgãos e Conselhos relacionados ao tema”, destacou por meio de nota.
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A instituição acrescentou ainda que o regime integral foi implantado em 2011 como projeto piloto, “ainda sem a devida aprovação do Conselho Universitário, órgão máximo de deliberação da universidade”. “Cumpre ressaltar o compromisso do CP da UFMG com uma educação de qualidade, tanto no que diz respeito ao ensino quanto à formação docente, o que vai muito além da mera quantificação do tempo, designado integral, dedicado ao aprendizado escolar”, conclui o comunicado.