Com intervalo de menos de uma semana, dois acidentes fatais envolvendo balões de turismo chocaram o país e trouxeram à tona o debate sobre segurança e regulamentação dessa prática. Em Minas Gerais, onde a atividade ocorre em diversos municípios, empresas de balonismo afirmam sofrer impactos por causa das tragédias e temem que esse cenário afaste o público. Ao mesmo tempo, defendem que a atividade tenha uma regulamentação.
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Em Capela do Alto, no interior de São Paulo, no dia 15 de junho, a tragédia resultou na morte da mineira Juliana Alves Prado, de 27 anos. Em Praia Grande, município de Santa Catarina, a queda de um balão no dia 21 deste mês deixou oito pessoas mortas, sendo quatro carbonizadas pelas chamas que atingiram o balão e quatro ao pularem para tentar se salvar.
Apesar de não terem ocorrido em Minas Gerais, Gustavo da Mata, proprietário de uma empresa de balonismo em Capitólio, no Sul de Minas, acredita que tragédias como essas impactam a atividade no estado.
Piloto na Da Mata Balonismo, ele afirma que as pessoas ficam receosas de voar de balão após a ocorrência de acidentes. E destaca que essa é uma resposta normal, como quando evitaram passeios de lanchas depois do desmoronamento de um paredão de pedra, também em Capitólio, em 2022, que deixou dez pessoas mortas e outras feridas.
Piloto e sócio da empresa Vesperata Sabores & Aventuras - Balonismo, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, Alcino de Oliveira Costa Neto também acredita que o ramo no geral sofre impactos. “É um momento muito difícil, a gente fica comovido, fica se colocando na situação do piloto. Poderia acontecer com qualquer um, em qualquer lugar do Brasil. Eu fico inseguro, tanto é que suspendemos os voos neste fim de semana, estamos tentando rever alguns protocolos para voltar com a confiança”, relata. Para a empresa, os recentes acidentes intensificaram ainda mais a preocupação com a segurança.
Medidas de segurança
Alcino Neto afirma que a segurança é a prioridade da Vesperata Sabores & Aventuras. Dentre as medidas adotadas pela empresa, estão a utilização de um aplicativo de navegação aérea profissional durante o voo, que permite o monitoramento em tempo real da velocidade da aeronave, a altitude e a direção do voo. Também estão mapeadas diferentes áreas para pouso seguro na região de Diamantina e entorno. Os passageiros também recebem orientações de segurança e funcionamento básico do balão antes do passeio.
Além disso, há equipamentos de segurança a bordo, como kit de primeiros socorros, água, rádio de comunicação e fontes de calor reserva, assim como extintor de incêndio de 9 kg. Os dois pilotos da empresa, Alcino Neto e Carlos Eduardo Fernandes, também têm Certificado Médico Aeronáutico (CMA) válido e certificação como brigadistas para ser aptos a operarem extintores de incêndio e prestarem primeiros socorros, requisitos não obrigatórios.
O monitoramento das condições climáticas também é uma medida adotada. Há avaliações nos dias e nas horas que antecedem o voo, com análise da direção e velocidade dos ventos, assim como probabilidade de chuvas. A Vesperata Sabores & Aventuras também não realiza os voos com ventos constantes acima de 10 km/h ou com rajadas acima de 20 km/h.
O monitoramento das condições climáticas também é imprescindível para a Da Mata Balonismo, em Capitólio. “Se tiver um vento mais forte, eu não decolo. É para as pessoas saírem com uma experiência agradável daquele momento, mesmo que isso signifique não voar”, afirma o piloto Gustavo da Mata.
O cancelamento de passeios pode acontecer caso necessário, como ocorreu com João Skipy, fotógrafo que tinha um voo marcado com a Da Mata Balonismo para o dia 2 de junho. Ele conta que na ocasião em que a atividade seria realizada, o tempo fechou, e, sem titubear, Gustavo cancelou o voo e o remarcou. Para o fotógrafo, essa atitude trouxe mais segurança e confiança na empresa. Na semana seguinte, no dia 12, o passeio foi realizado.
Regulamentação
Apesar das medidas de segurança que adotam, Alcino Neto e Gustavo da Mata defendem que há necessidade de uma regulamentação do balonismo turístico pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Atualmente, não há operação certificada ou fiscalizada pelo órgão.
“A gente quer trabalhar com equipamentos homologados, com a licença correta. Quem quer trabalhar corretamente, acaba sofrendo o impacto”, afirma Da Mata, que reforça que a regulamentação da atividade é de interesse dos balonistas para garantir ainda mais segurança para os clientes e para as empresas. Ele enfatiza que existe uma licença para Piloto de Balão Livre (PBL), mas que ela não é obrigatória. Procurada, a Anac não informou se essa certificação é requisitada.
“Há uma luta muito grande dos balonistas para que isso seja resolvido”, pontua Alcino Neto, que acredita que a regulamentação traria para o público mais segurança pelo respaldo que teriam. Além disso, acredita que seria uma maneira de as pessoas escolherem a empresa de balonismo com mais confiança.
A Anac informou, por meio de nota, que são permitidas operações com balão como prática desportiva e que a responsabilidade de transportar outras pessoas é do condutor da aeronave. “A prática desportiva de balonismo, assim como de outros esportes radicais, é considerada de alto risco por sua natureza e características, ocorrendo por conta e risco dos aerodesportistas. Uma pessoa somente pode embarcar outra pessoa em balão livre tripulado se o usuário estiver ciente de que se trata de atividade desportiva de alto risco”, diz a agência.
O órgão informou ainda que a atividade do aerodesporto é normatizada pelo Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) nº 103 e que as aeronaves não são certificadas, não havendo garantia de aeronavegabilidade.
Procurada pela reportagem, a Anac não informou quantas empresas de balonismo atuam em Minas Gerais e nem o número de acidentes registrados no estado desde 2024. A reportagem também tentou contato com a Federação de Balonismo do Estado de Minas Gerais, porém não obteve retorno.
Governo federal
No dia 18 de junho, três dias antes do acidente em Praia Grande, empresários e representantes do setor haviam acionado o governo federal para cobrar medidas para legalização e regulamentação do balonismo turístico comercial em todo o país.
No último sábado (21/6), após a segunda tragédia envolvendo passeios de balão, o Ministério do Turismo informou que pretende se reunir com outras entidades do setor para debater a criação de uma regulamentação específica para o balonismo turístico no Brasil. Em nota oficial, a pasta informou que já vinha discutindo, desde o início do ano, em parceria com o Sebrae e a Anac, normas para a operação da atividade no país. A proposta é estabelecer regras claras para o uso turístico de balões, com foco na segurança e no estímulo ao setor.
Acidente em Capela do Alto
O balão que caiu na área rural de Capela do Alto, no interior de São Paulo, havia decolado de Iperó, município próximo, naquele domingo (15/6). A aeronave transportava 35 pessoas, contando com o piloto e um ajudante. O acidente matou a mineira Juliana Alves Prado, de 27 anos, e deixou ao menos dez feridos. A jovem era natural de Pouso Alegre, no Sul de Minas, e estava no passeio com o marido Leandro Pereira, que ficou ferido, mas sobreviveu. O casal estava no interior de São Paulo para comemorar o Dia dos Namorados.
Durante o voo, o piloto do balão realizou tentativas, mal sucedidas, de pouso em áreas inadequadas, o que resultou no acidente na Estrada Municipal Vereador Geraldo Portela, em Capela do Alto. Em depoimento ao delegado Edenilson Meira, plantonista da Delegacia Seccional de Itapetininga, o condutor da aeronave disse que houve uma mudança brusca de condições climáticas, o que levou à perda de controle do balão.
O piloto do balão foi preso em flagrante por homicídio culposo com agravante do exercício irregular de atividade de risco e por operar equipamento aéreo sem certificação adequada. Na manhã do dia 16 de junho, o homem passou por uma audiência de custódia, e o magistrado responsável pelo caso decidiu pela manutenção da prisão preventiva.
O dono da empresa responsável pelo voo de balão foi convocado para prestar depoimento, mas não compareceu, de acordo com nota da Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo, enviada nessa terça-feira (24/6). A SSP não informou se o dono da empresa justificou a ausência
A causa do acidente está sob investigação, mas se sabe que, na ocasião, em Boituva, cidade vizinha a Iperó, os voos tiveram que ser cancelados na manhã do domingo (15/6) devido à velocidade dos ventos, que chegou a 70 km/h, sendo que o máximo recomendado para a prática são 10 km/h. Em Boituva estava ocorrendo a 8ª edição do Campeonato Brasileiro de Balonismo. Depois do acidente, a Prefeitura de Boituva esclareceu que o voo particular não tinha relação com o campeonato nacional que acontecia na cidade.
Acidente em Praia Grande
O balão envolvido no acidente em Praia Grande estava com 21 pessoas a bordo quando pegou fogo no ar. Oito morreram, e 13 ficaram feridas. A Polícia Civil está apurando o que motivou o acidente. De acordo com o delegado Tiago Luiz Lemos, o piloto, um dos sobreviventes, relatou que o fogo começou dentro do cesto, e, quando o balão estava perto do solo, ele ordenou às pessoas a pularem, mas nem todos conseguiram sair.
A corporação informou que o fogo teria sido provocado pelo maçarico, utilizado para alimentar a chama que mantém o balão no ar. De acordo com o piloto, provavelmente deve ter sido o maçarico reserva que provocou o fogo. Um extintor a bordo do balão teria falhado, segundo relatos de sobreviventes.
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O Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) deu dez dias para a empresa do balão explicar o que causou o acidente no município de Praia Grande, contando a partir dessa segunda-feira (23/6).
(Com Folhapress e Agência Brasil)
*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata