Uma funcionária trans será indenizada em R$ 15 mil por ter sido vítima de discriminação e isolamento em ambiente de trabalho hostil. A profissional sofreu comentários ofensivos ao usar o banheiro da empresa de alimentos, localizada em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

De acordo com a sentença, a trabalhadora reclamou da situação com o setor de recursos humanos, que sugeriu que ela utilizasse um banheiro administrativo separado, que é individual, mas a medida aumentou o sentimento de exclusão e isolamento. Na decisão judicial ficou comprovado que ela era vítima de deboche dos colegas e que eles chegaram a organizar um abaixo-assinado pedindo a dispensa dela.

Em defesa, a empresa negou todas as acusações e disse que sempre ofereceu um ambiente de trabalho respeitoso, além de valorizar a inclusão. A empregadora afirmou que nunca teve conhecimento de qualquer situação de preconceito ou assédio contra a profissional.

Sobre o episódio do banheiro, a empresa declarou que a própria trabalhadora teria se sentido desconfortável ao usar o banheiro feminino e, por isso, o uso do banheiro administrativo, caso ela preferisse, foi oferecido. A empresa também negou a existência de um abaixo-assinado pedindo a dispensa da profissional.

Por fim, a empresa alegou que a dispensa aconteceu porque o contrato de experiência estava perto do fim e que decidiu não renová-lo, por conveniência da gestão. Afirmou ainda que, ao longo do ano, contratou e dispensou diversos empregados por diferentes motivos, sem qualquer relação com a identidade de gênero da trabalhadora.

Decisão

No entanto, de acordo com a juíza Sílvia Maria Mata Machado Baccarini, responsável pelo caso, o conjunto de provas demonstrou que colegas de trabalho organizaram um abaixo-assinado pedindo a dispensa da trabalhadora e pouco tempo depois, a empresa encerrou o contrato de experiência da profissional, alegando redução de produção. Conforme depoimentos colhidos no processo, a empresa contratou novos auxiliares para a mesma função e mesmo turno logo após a dispensa.

Segundo os depoimentos analisados pela magistrada, a testemunha da trabalhadora afirmou que viu o abaixo-assinado e presenciou piadas de mau gosto feitas por outros empregados, inclusive na presença da profissional. Também relatou que outras colegas de trabalho saíam do banheiro ao perceber que ela havia entrado. A testemunha disse ainda que a gerente da equipe sabia dos fatos, mas não tomou providências.

Na sentença, a julgadora explicou que a identidade de gênero é expressão da condição humana e deve ser protegida como direito fundamental. “A identidade de gênero é manifestação da personalidade humana, de cunho subjetivo, e diz respeito à afirmação do gênero com o qual a própria pessoa se identifica, que pode ou não ser correspondente ao sexo biológico atribuído no nascimento. E, no caso da pessoa transexual, há dissonância entre o gênero autoidentificado pelo indivíduo e aquele atribuído no nascimento”, pontuou.

A magistrada destacou que o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero é um direito fundamental, protegido pela Constituição. A sentença reconheceu que a dispensa da profissional teve relação com os atos de preconceito sofridos por ela. Baccarini ressaltou ainda que as empresas devem promover o respeito às diferenças e garantir um ambiente de trabalho seguro e inclusivo para todas as pessoas.

No entender da julgadora, ficou evidenciada a omissão da empresa ao não adotar medidas para combater a discriminação no local de trabalho. Na sentença, que ainda cabe recurso, a magistrada citou números oficiais alarmantes relacionados à ocorrência de transfobia no Brasil.

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“É sabido que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, tendo registrado 105 mortes no ano de 2024 (dados obtidos do Dossiê: Registro Nacional de Mortes de Pessoas Trans no Brasil em 2024 divulgados pela ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais). E, além do risco de vida e da violência física, esta população também sofre com a falta de oportunidades no mercado de trabalho - estima-se que o desemprego atinge 20% dos membros desta comunidade (IBGE), acima, portanto, da média nacional”, reforçou.

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