Os acidentes nos trechos urbanos de rodovias federais brasileiras ocorreram em uma extensão que soma 10.400 quilômetros únicos, , se considerado o período de 2020 a 2024. São apenas 150 quilômetros a menos do que os extremos rodoviários da América do Sul, da Argentina à Colômbia. Minas Gerais, estado de maior malha viária no país, é também aquele que tem registro de acidentes cobrindo a maior distância dentro de cidades ou áreas urbanizadas, com ocorrências em 1.238 quilômetros, 12% do total. Na sequência, no mesmo período, vieram os estados do Paraná, com 1.176 (11%); Rio Grande do Sul, 952 quilômetros (9%); Santa Catarina, 781 quilômetros (8%); e Bahia, 711 quilômetros (7%). É o que mostra levantamento feito pela equipe do Estado de Minas sobre ocorrências da Polícia Rodoviária Federal (PRF), parte de série de reportagens que mostra os riscos do avanço da zona urbana sobre estradas sem estrutura para essa convivência.
A expansão da área da mancha urbana sobre estradas da União foi de 2,2 vezes desde 1985, segundo estudo feito pelo para a reportagem pelo projeto MapBiomas – uma rede colaborativa de ONGs, universidades e empresas de tecnologia –, chegando a 2,45 vezes em Minas Gerais, estado que abriga 16% da malha rodoviária nacional. A mistura de fluxo de alta velocidade das BRs com tráfego local de pessoas e veículos representa ainda uma presença significativa nessa convivência do componente mais vulnerável do trânsito: os pedestres. Não por acaso, atropelamentos foram 32% das causas de acidentes fatais em perímetros urbanos no Brasil entre 2020 e 2024, chegando a 41% em território mineiro.
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190 mortos entre Minas e São Paulo
A via com mais acidentes e mortes em trechos urbanos das rodovias federais de Minas Gerais no período foi a BR-381, no trecho que liga Minas Gerais a São Paulo (Rodovia Fernão Dias). Em 117 quilômetros, ocorreram 4.108 sinistros, deixando 190 mortos e 4.764 feridos, segundo dados da PRF (veja infográfico na página ao lado). A estrada é uma velha conhecida do caminhoneiro Clayton Júnior dos Santos Vieira, de 33 anos, há 10 transportando cargas por todo Brasil em sua carreta.
“A gente percebe esse aumento de carros pequenos, de motos de entrega, de escolares, ônibus de cidade, meninos de uniforme com as mães atravessando as rodovias, pontos de ônibus lotados e gente correndo para não perder a condução. Aí, quase para o tráfego em Brumadinho, Betim, Contagem e em vários outros pontos”, conta, em referência a trechos da BR-381 que cortam a Região Metropolitana de BH.
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Com os acidentes e atropelamentos, vêm medidas que o caminhoneiro considera não serem soluções definitivas. “Começam colocando quebra-molas na estrada. Mais radares. Vem protesto: sobe passarela. Alargar uma pista ou outra. Mas chega uma hora em que já está insuportável: os pedestres atravessam do mesmo jeito, até debaixo da passarela. Os motoristas batem nas traseiras, os motociclistas passam nos corredores e são prensados. Aí, só um contorno rodoviário saindo de perto da cidade é que resolve. Se não deixar depois a cidade chegar até lá, né?”, pondera o condutor, nascido em Oliveira, no Centro-Oeste de Minas, à beira da BR-381/Rodovia Fernão Dias.
Vários caminhos, mesmo problema
O avanço das grandes cidades sobre a área de influência das BRs é uma face do gargalo de tráfego nas rodovias federais, mas está longe de ser o único, segundo avaliação do professor Raphael Lúcio Reis dos Santos, do Departamento de Engenharia de Transportes do Cefet-MG. “Os municípios de médio e de pequeno portes apresentaram um crescimento muito elevado nos últimos anos, o que contribuiu para que as suas áreas urbanas se expandissem para as rodovias federais. Isso faz com que o número de acidentes tenha um aumento, se comparado a rodovias em áreas rurais”, afirma dos Santos.
Segundo o especialista, um dos problemas se dá quando o projeto original era dimensionado para um certo porte de municípios e de atividades, mas a expansão urbana real suplanta essa projeção inicial – ou o tempo decorrido de utilização da via já fez da projeção algo obsoleto. “Muitas vezes, as cidades são conexões intermediárias para transbordo de cargas e de passageiros. Grandes cidades são conectadas por rodovias maiores, com mais exigências técnicas relacionadas ao pavimento, à sinalização, com maior quantidade de faixas”, enumera.
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"Mas quem vai arcar com o custo dessa adequação de estrutura? É o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ou está no contrato de uma concessionária em via privatizada, que precisa ser cobrada? Essas são algumas das questões para as adaptações necessárias para preservar vidas, sobretudo dos pedestres, que são a parte mais fraca da equação de trânsito”, completa o professor Raphael dos Santos.