ALUNOS NOTA 10

Idosos de 72 e 82 anos voltam a estudar após décadas longe da sala de aula

Juntos há 48 anos, casal retorna à escola para aprender o que não pôde por causa dos compromissos da vida

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Na mochila, cadernos e lápis. No coração, sonhos antigos que resolveram sair da gaveta. É assim, com determinação e coragem, que aos 72 e 82 anos, o casal Neuza Duarte Silva e Antônio Marcelino da Silva  caminham lado a lado para a escola como dois adolescentes apaixonados pela vida — e um pelo outro. Após décadas afastados dos estudos para cuidar da família e do trabalho, os dois decidiram retornar à sala de aula por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e juntos vêm conquistando novos objetivos, enquanto desafiam o tempo.

De mãos dadas há 48 anos, o casal agora frequenta as aulas noturnas da Escola Estadual Doutor Simão Tamm Bias Fortes, no bairro Havaí, na Região Oeste de Belo Horizonte. A decisão nasceu de um impulso simples: uma faixa de rua anunciando matrículas para a EJA. Mas o gesto que seguiu foi carregado de afeto e coragem. 

“Isso foi quando fiz 70 anos. Passamos em frente a escola e lá estava a faixa. Olhei e falei: ‘Que Chique! Vou voltar a estudar’. E o meu marido decidiu que iria comigo. Sempre fomos agarradinhos. Conversamos com a direção da escola e perguntamos se tinha vaga para idosos, e nos informaram que havia para todas as idades. No dia seguinte já estávamos dentro da sala de aula”, relata Neuza.

A história dos dois começou na década de 1970, em Itabira, na Região Central de Minas Gerais. Concluíram o ensino fundamental, mas a vida, com suas urgências e responsabilidades, os afastou da escola. Mudaram-se para Viçosa, na Zona da Mata, e, mais tarde, chegaram a BH. “Quando eu morava no interior era difícil ir à escola, e na época minha avó estava doente e eu não podia deixar minha mãe cuidando dela sozinha. Isso atrapalhou meus estudos. Depois comecei a trabalhar como costureira em shoppings, e consertava ternos”, conta a aluna. 

"Depois de quase 70 anos, me perguntei o que fiz por mim. Nada. Foi então que decidi voltar a estudar, e Antônio disse: 'Eu vou com você, não a deixarei sozinha'. E aqui estamos", completa Neuza.

Pegando o ritmo

Desde 2022, eles ocupam as carteiras da escola com o entusiasmo de quem parece descobrir o mundo novamente. Neuza entrou no 6º ano do ensino fundamental e hoje está no 2º ano do ensino médio. Já Antônio, que já concluiu o ensino médio, agora se dedica ao curso técnico em Administração. 

“Foram mais de 50 anos parados, então acabamos perdendo o ritmo. Mas com jeitinho consegui me virar no meio da turma mais nova. A maioria está na faixa dos 35 a 40 anos, outros são adolescentes. O mais velho da sala sou eu. No EJA são três módulos, e me lembro que tive dificuldade nos primeiros, mas fui me adaptando”, explica Antônio. 

O aluno diz que não pensa em disputar lugar no mercado de trabalho, e almeja apenas adquirir conhecimento. “Aprender é sempre bom. Estudei apenas o primário na minha terra, em São Sebastião do Rio Preto, na Região Central do estado. Por comodismo e dificuldade não deu para priorizar o estudo. Mas eu e Neuza concluímos que não é a idade que vai impedir a gente de estudar e adquirir um pouco de conhecimento”, afirma ele.

Adaptação e acolhimento

Ao Estado de Minas, a diretora da instituição Daniele Moreira expressou a admiração da comunidade escolar em relação à dupla. “Eles estavam com medo de levar um ‘não’ da escola, mas pelo contrário, foram muito bem acolhidos. Já tínhamos o costume de receber alunos mais velhos, que é o público da EJA. Os professores tiveram uma abordagem mais carinhosa, incentivadora e de acordo com as condições deles. Esse acolhimento, creio que foi o que os manteve aqui”, destaca ela. Daniele ainda ressalta o orgulho e o exemplo de Neuza e Antônio para todas as gerações. 

 

A comunidade escolar teve uma abordagem carinhosa e acolhedora com e casal. Na foto, a diretora Daniele Moreira
A comunidade escolar teve uma abordagem carinhosa e acolhedora com e casal. Na foto, a diretora Daniele Moreira Marcos Vieira/EM/D.A Press

Entre os alunos, Antônio se admira com o respeito recebido pelos colegas. “Eles me perguntavam a minha idade, e eu brincava que sou do meio da Segunda Guerra Mundial. Todos respeitam muito e sempre me ajudam, especialmente nas aulas na sala de computação. Já sobre as disciplinas, minha favorita é Sociologia, também gosto de história e geografia”, conta ele.

Por outro lado, Neuza reconhece a estrutura da escola. “A organização da escola é muito boa, nos sentimos acolhidos. Construímos uma amizade com todos os professores.”, afirma. Além disso, ela destaca as delícias da cantina. Junto ao esposo, ela elege a feijoada e o tropeiro como seus pratos favoritos.

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O casal, por fim, mostra que a idade não é barreira para o aprendizado, e deixa o recado para quem encontrar a oportunidade: “O tempo é valioso, não deixe ele passar. Para os jovens, adquiram conhecimento, para ficar credenciado no mercado de trabalho. Aos mais velhos, não fique parado esperando a morte chegar. O aprender não tem idade. Enquanto tem vida, tenha esperança”, concluem Neuza e Antônio, sempre em sintonia. 

*Estagiária sob a supervisão da editora Crislaine Neves

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