Mortes por hepatites virais caem em Minas, mas hepatite C avança
Estado tem queda nas infecções por hepatite B e nas mortes por B e C, mas registra aumento expressivo nos casos de hepatite C
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Siga noMinas Gerais conseguiu reduzir o número de mortes por hepatites virais nos últimos dez anos, importante avanço no combate a essas doenças que provocam inflamações no fígado e podem levar a complicações graves, inclusive à morte. Apesar disso, a hepatite C continua sendo motivo de preocupação no estado. Em apenas um ano, a incidência da doença cresceu mais de 20%, o que acende um sinal de alerta, já que não existe vacina para esse tipo e o vírus pode se manter no organismo e provocar danos progressivos ao fígado. Os dados constam no Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais, divulgado pelo Ministério da Saúde.
As hepatites virais são infecções que atacam o fígado e têm diferentes formas de transmissão e prevenção. Os tipos mais frequentes entre os brasileiros são os causados pelos vírus A, B e C. A boa notícia vem da queda significativa na mortalidade. De 2014 a 2024, as mortes por hepatite C caíram 70,6% em Minas, passando de 116 para 34. Já os óbitos por hepatite B tiveram redução de 28,9%, saindo de 38 para 27 no mesmo intervalo. A hepatite A, por sua vez, não teve os dados de óbitos divulgados no boletim, já que a doença costuma ter menos risco de morte, exceto em raros casos fulminantes.
Essa queda nos números, sobretudo nas mortes por hepatite C, que é transmitida pelo contato com sangue contaminado, não se traduziu em diminuição de novos casos. Pelo contrário, só em 2024, o estado somou 1.301 infecções, contra 1.094 em 2023, uma alta de 18,9%, conforme dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Em uma década, o aumento foi de 90,4%, na comparação às 683 ocorrências de 2014.
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De janeiro até 2 de julho deste ano, já foram contabilizados 555 casos da doença no estado, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), extraídos pela pasta.
O principal motivo para a redução das mortes, mesmo diante do aumento de infecções, está no avanço do tratamento, especialmente com o uso dos antivirais de ação direta (DAAs). Disponibilizados de forma gratuita pelo SUS, esses medicamentos são capazes de curar mais de 95% dos casos tratados e evitar a evolução da doença para estágios graves. “Esses medicamentos revolucionaram o tratamento da hepatite C. Conseguem eliminar o vírus do organismo e impedir que o paciente desenvolva cirrose ou câncer hepático”, afirma o cirurgião do aparelho digestivo Fernando Furlan.
Cronificação
Entre os principais riscos associados à hepatite C está o alto índice de cronificação, ou seja, a permanência do vírus no organismo por anos ou mesmo pela vida toda. Segundo o Ministério da Saúde, entre 70% e 80% das pessoas infectadas acabam convivendo com o vírus de forma crônica. Ao longo do tempo, essa presença constante pode comprometer, silenciosamente, o funcionamento do fígado.
“A progressão é lenta, podendo levar décadas até complicações significativas surgirem. Em casos graves também pode resultar em cirrose hepática, câncer hepático e insuficiência hepática avançada com necessidade de transplante hepático”, aponta Furlan.
O grande desafio, apontam os especialistas, é justamente o diagnóstico precoce. Como muitas vezes as hepatites virais não apresentam sintomas nos estágios iniciais, a doença só é descoberta quando o fígado já está comprometido. O olho amarelo, um dos sintomas mais associados às hepatites virais, não é regra para todos os casos.
“Alguns pacientes ficam com a coloração amarela da pele e das mucosas, chamada icterícia. A hepatite A, por exemplo, a maioria dos pacientes vai ter icterícia, junto a outros sintomas, como dor abdominal, febre, às vezes vômito, então é mais fácil ter o diagnóstico. Agora, a hepatite B já é uma menor parte com icterícia e a hepatite C é menor ainda. Os que não têm icterícia fica mais difícil de fazer o diagnóstico”, explica o infectologista Guenael Freire.
A ausência de sintomas então torna a realização de testagens regulares uma das principais armas para interromper a cadeia de transmissão da doença. A também médica infectologista Janaína Teixeira defende que os testes para hepatites sejam incorporados aos exames de rotina. “A gente sabe que tem uma subnotificação por baixo número de diagnósticos. Orientamos aos médicos a incluírem a testagem para hepatites nos check-ups, assim como o HIV. Mas isso ainda não é uma prática comum. Como são doenças muitas vezes assintomáticas, você só vai descobrir quando a pessoa desenvolver uma cirrose hepática, por exemplo”, alerta.
O próprio Ministério da Saúde reconhece que, apesar da expressiva redução na mortalidade, os dados indicam a necessidade de ampliar a testagem e a adesão ao tratamento. “Desde a implementação dos testes rápidos no SUS, avançamos no enfrentamento das hepatites virais. Por isso, quero chamar a atenção da população para a importância do diagnóstico precoce", destacou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em comunicado da pasta. A meta do órgão, em alinhamento com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é reduzir os óbitos por hepatites virais em 65% e a incidência em 90% até 2030.
Prevenção
A hepatite C exige atenção redobrada já que não tem vacina disponível. Diferentemente do tipo B, cuja imunização é oferecida gratuitamente pelo SUS desde os anos 1990, o tipo C ainda desafia cientistas por causa da grande variedade de genótipos e subtipos do vírus, o que torna difícil a criação de um imunizante eficaz. Enquanto isso, a principal forma de prevenção ainda é a informação sobre os modos de transmissão.
Além do uso compartilhado de agulhas e seringas, o contágio pela hepatite C pode ocorrer em procedimentos médicos ou estéticos com falhas de esterilização, em transfusões com sangue contaminado e, cada vez mais, pela via sexual. “Você tem microtraumatismos com pequeno sangramento na relação sexual que pode causar a contaminação, não é o sêmen ou o líquido vaginal que transmite, como acontece com a hepatite B, é o contato com sangue nesses microsangramentos”, explica a infectologista Janaína Teixeira.
De acordo com o boletim do Ministério da Saúde, a transmissão sexual ocupa o primeiro lugar entre os modos de infecção no país, seguida por procedimentos cirúrgicos e dentários, uso de drogas e transfusão de sangue.
Hepatite B
A hepatite B, ao contrário do tipo C, oferece um risco maior de cronificação entre as crianças. A transmissão pode ocorrer de mãe para filho durante a gestação ou no momento do parto, forma chamada de transmissão vertical. “Ela pode cronificar nos adultos em menos de 10% das vezes. Mas na criança, quando a criança é exposta ao vírus logo durante o parto, o risco de cronificação é maior que 90%”, aponta o infectologista Guenael Freire.
Em Minas Gerais, no entanto, os números mais recentes indicam uma tendência positiva. Nos últimos dez anos, o estado registrou uma queda de 28,9% nos casos da doença, que passaram de 876 em 2014 para 622 em 2024. Entre 2023 e 2024, a redução foi menos acentuada, de quase 10%, já que em 2023 foram registrados 672 casos da doença no estado.
De acordo com o Ministério da Saúde, os avanços se devem principalmente aos investimentos na vacina contra a hepatite B, incluída no calendário infantil com três doses aplicadas ainda nos primeiros meses de vida.
Hepatite A tem maior incidência da década
A hepatite A vem mudando seu perfil epidemiológico em Minas Gerais, segundo especialistas ouvidos pelo EM, e já provocou um surto que se estende desde o ano passado. De janeiro até o dia 2 de julho, foram registrados 373 casos da doença no estado, o que representa um aumento de quase 70% em relação ao total de notificações de todo o ano passado, quando foram contabilizadas 221 ocorrências, segundo a SES-MG. Esse é o maior número de registros da doença em uma década.
A infecção é causada por um vírus transmitido principalmente pela ingestão de água ou alimentos contaminados por fezes de pessoas infectadas, o que historicamente a associava à infância e a regiões com saneamento básico precário. No entanto, desde 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já vinha observando um aumento global de casos relacionados à transmissão sexual, especialmente por meio de práticas que envolvem contato anal.
Em Belo Horizonte, os dados reforçam essa mudança no padrão de contágio. A maior parte das pessoas diagnosticadas com hepatite A está na faixa etária de 20 a 39 anos, com predominância entre os homens. Apesar disso, as autoridades de saúde afirmam que ainda não foi possível identificar um fator que justifique esse crescimento expressivo das infecções.
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A infectologista Janaína explica que a hepatite A, conhecida por ser comum na infância, tem aparecido com mais frequência em adultos jovens, principalmente em decorrência de práticas sexuais que facilitam o contágio. “A gente sabe que tem existido alguns surtos, principalmente em pacientes jovens por práticas sexuais de contato anal. Então, por exemplo, o sexo anal ou oral anal, por conta da transmissão da doença ser fecal-oral, aumenta muito o risco. Talvez esse aumento de casos possa refletir essa população”, analisa a médica.