VIOLÊNCIA CONTRA ANIMAIS

Gata pintada de rosa em Araxá alerta para série de maus-tratos no país

Animais tingidos com tintas tóxicas se tornam alvo de denúncias. Especialistas alertam para riscos graves à saúde e ao bem-estar dos bichos

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O resgate de uma gata pintada de rosa com tinta de móveis em Araxá (MG), no Alto Paranaíba, nessa segunda-feira (21/7), acendeu um alerta para uma prática cruel que tem se repetido em diferentes partes do país: o uso de tintas tóxicas em animais.

O caso da felina, encontrada sem água e comida na casa da própria tutora, soma-se a outros episódios recentes, como o de um cachorro pintado de verde em Ponta Grossa (PR) e um macaco coberto de azul por spray em Santa Juliana (MG), no Alto Paranaíba.

Além do sofrimento imposto aos animais, especialistas alertam para os riscos de intoxicação, alergias e até morte dos bichos expostos a esses produtos químicos. Todos os casos são tratados como crime de maus-tratos.

Os casos de maus-tratos a animais em Minas Gerais cresceram de forma expressiva em 2025. Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostram que, apenas no primeiro semestre deste ano, foram registradas 3.171 ocorrências consumadas um salto de 51,1% em comparação com o mesmo período de 2024, quando houve 2.098 registros.

A maioria das ocorrências está relacionada a denúncias formais por infrações (57,2%), mas há também registros de agressões diretas, como abuso, ferimentos e mutilações (36,5%). Casos de crueldade aparecem em menor proporção (5,5%), assim como episódios envolvendo negligência com animais sob guarda (1,9%).

Vídeo chamou a atenção de vereadora

A gata mineira foi localizada depois que a vereadora e protetora de animais Fernanda Castelha, de Araxá (MG), viu um vídeo circulando nas redes sociais e acionou a Polícia Civil. “Quando vi a situação, fiquei revoltada. Sou vereadora há três mandatos e protetora dos animais há muito mais tempo, antes mesmo de assumir o cargo. Já resgatei muitos animais, mas nunca tinha visto um caso assim, com o animal inteiro pintado de rosa”, contou Castelha. 

Fernanda entrou em contato com os administradores da página onde o vídeo havia sido publicado para tentar identificar o local. Sem retorno, decidiu republicar o vídeo em suas redes sociais, pedindo ajuda para reconhecer o endereço. “À noite, um entregador me ligou do local, enviou fotos e confirmou o endereço. Passei tudo para a polícia, que iniciou as investigações com o apoio de mapeamento por satélite”, relatou. 

Na manhã seguinte, a Polícia Civil foi até o endereço e encontrou a tutora da gata, uma mulher de 37 anos, usuária de crack, que vivia em condições subumanas, sem oferecer cuidados básicos para si mesma ou para o animal. “Não havia água nem ração para a gata. Com a mesma tinta que ela usou para pintar a felina, tingiu o próprio cabelo, que estava azul e verde. É inacreditável”, disse Fernanda.

A vereadora assumiu o cuidado da gata, que ficou assustada e debilitada e está sob avaliação veterinária. “O local era insalubre e o animal estava magro, assustado e sem alimentação”, acrescenta. A tutora vai responder por maus-tratos, mas não foi presa em flagrante.

Tintas podem causar reações graves

No Paraná, um cachorro pintado de verde foi visto perambulando pelas ruas de Ponta Grossa e resgatado pelo projeto Paraná Contra Maus-Tratos, que o encaminhou ao Hospital Veterinário HPet, em Curitiba. Mesmo após vários banhos, os vestígios da tinta persistem. Os ativistas alertam que o uso de tintas domésticas em animais pode causar intoxicações graves, queimaduras, problemas respiratórios e reações alérgicas severas.

Em Santa Juliana (MG), um homem foi multado em mais de R$ 17 mil por pintar um macaco de azul com tinta spray e divulgar a prática nas redes sociais. O animal, que fugiu logo depois, ainda não foi localizado. O autor poderá responder criminalmente. A Polícia Militar de Meio Ambiente acompanha o caso.

Segundo o médico veterinário Francisco Schall, o uso de tintas não apropriadas em animais representa sérios riscos à saúde. “Tintas de móveis ou parede têm compostos químicos que podem causar inflamações na pele, intoxicações severas e, se ingeridos, levar o animal à morte. É uma prática extremamente perigosa”, afirma.

O estresse gerado por essas substâncias também é relevante. “O simples ato de pintar pode não gerar trauma psicológico imediato, mas os efeitos químicos, o desconforto e a manipulação forçada do animal, sim. Há casos em que é necessário tosar, medicar ou internar o bicho para minimizar os danos”, explica Francisco.

"Banalização da vida animal" 

A jornalista e ativista Daniela Sousa, apresentadora do Papo do Quintal Podcast, que trata da pauta dos direitos dos animais, afirma que esse tipo de prática reflete um cenário mais amplo de banalização da vida animal.

“As redes sociais hoje conseguem dar maior visibilidade a casos grotescos como estes, de tamanho desrespeito e crueldade com a natureza e dignidade dos animais. E não tenho dúvidas de que a impunidade é o maior agente para que práticas como essa continuem acontecendo, assim como a ausência de educação animalista e ambiental nas escolas e comunidades”, avalia. 

Para Daniela, a resposta institucional ainda é frágil. “Temos um Judiciário moroso e com uma relutância em atestar maus-tratos em ocorrências e casos como este, o que acaba colaborando e muito para atitudes descabidas que acabam virando piada na internet”, critica.

Fernanda, que atua como protetora há anos em Araxá, destaca que o abandono e os maus-tratos seguem como grandes desafios na cidade. “Estamos sempre fazendo campanhas de conscientização, mutirões de castração e cobrando punições. Mas, infelizmente, o número de animais em situação de risco ainda é grande”, conta.

A gata resgatada segue sob cuidados em lar temporário. “Ela ainda está assustada, muito magra. A perícia foi acionada e vai avaliar a extensão dos danos. Esperamos que ela possa se recuperar e encontrar um lar de verdade”, afirma Fernanda.

O que diz a lei

Maus-tratos a animais são crime no Brasil, previsto na Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/1998), com pena de detenção de três meses a um ano e multa. Desde 2020, a Lei nº 14.064 aumentou a punição para crimes contra cães e gatos, prevendo reclusão de dois a cinco anos, além de multa e proibição da guarda. A pena pode ser aumentada em até um terço se o animal morrer em decorrência dos maus-tratos.

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Como denunciar

Denúncias podem ser feitas de forma anônima pelos telefones 197 (Polícia Civil) e 181 (Disque-Denúncia). Em casos de urgência ou flagrante, acione a Polícia Militar pelo 190.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino 

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