Crimes cibernéticos em BH ocorrem em escolas
Para especialista ouvido pelo Estado de Minas, esse cenário está ligado à falta de supervisão da presença de crianças e adolescentes no ambiente digital
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Siga noNa capital mineira, atos infracionais caracterizados como crimes cibernéticos têm ocorrido majoritariamente em ambiente escolar, segundo o Relatório Estatístico produzido pela Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte. Divulgado nesta quarta-feira (23/7), o documento revela que, em 2024, foram registrados 43 atos desse tipo cometidos por crianças ou adolescentes. Desse total, 41 ocorreram em escolas, com maior incidência de ameaças, constrangimento ilegal, injúria e produção, venda e distribuição de pornografia infantil. Para especialista ouvido pelo Estado de Minas, esse cenário está ligado à falta de supervisão da presença de crianças e adolescentes no ambiente digital.
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São considerados atos infracionais condutas descritas como crime ou contravenção penal cometidas por crianças ou adolescentes que, por serem menores de 18 anos, são penalmente inimputáveis. Essa foi a primeira vez que o levantamento contemplou crimes cibernéticos, que são aqueles cometidos por meio de aparelhos conectados à internet, como computadores, celulares, redes ou servidores. Esse tipo de infração pode ocorrer no mundo digital ou ser crime “comum” cometido com auxílio da tecnologia.
Os 43 atos caracterizados como cibernéticos correspondem a 1,72% do total de infrações registradas no ano passado, que foi de 2.505. A proporção aumenta quando são analisadas as ocorrências ligadas ao ambiente educacional. De 279 infrações nas escolas, 41 foram cometidas por meio digital, correspondendo a 14,7%. Além das informações da Vara Infracional da Infância e da Juventude, esses dados foram obtidos por meio de documentos da Delegacia de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad) e da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase).
Dessas 41 ocorrências, as quatro maiores incidências foram do tipo ameaça, com 11 atos; constrangimento ilegal, com 8; injúria, com 7; e produção, venda e distribuição de pornografia infantil, com 7. Os tipos das outras oito infrações não foram informados.
Cenário por trás
Mestre em Direito pela Harvard Law School e pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS RJ), João Victor Archegas afirma que há diversos fatores por trás das infrações cibernéticas estarem sendo cometidas pelas crianças ou adolescentes no ambiente escolar. Entre eles, a possibilidade do menor achar que acessando a internet de um terminal escolar a identificação será dificultada ou até mesmo por incentivo entre os estudantes.
Archegas também aponta que o cerne da questão está ligado à falta de supervisão da presença de menores de idade no ambiente digital, e isso deve ser considerado em possíveis debates para a diminuição desse tipo de crime nas escolas. Para ele, a discussão deveria partir do pressuposto considerado em diversos debates na pedagogia: crianças e adolescentes não são adultos e, por isso, têm limites específicos em vários contextos sociais.
“Quando a gente vai para o ambiente digital, muitas vezes, por algum motivo, essa discussão sequer acontece. Então uma criança ganha um celular, cria conta em redes sociais e de um dia para o outro ela não tem sequer um monitoramento, uma supervisão do que está fazendo nesse ambiente digital. Não deveria ser assim”, afirma o pesquisador.
Archegas acredita que o tema precisa ir além de uma conscientização dentro da sala de aula. Para ele, para garantir que esse tipo de conduta não aconteça, são necessárias a imposição de limites e um supervisionamento ativo. “Esse pressuposto [crianças e adolescentes não são adultos] precisa estar muito claro para que a gente possa discutir limitações, restrições e também soluções regulatórias para dar conta de um problema que é sistêmico, estrutural”, afirma João Victor Archegas.
Outros atos infracionais
O total de 2.505 infrações cometidas por menores no ano passado foi obtido com a análise dos 3.049 casos encaminhados para atendimento no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH). Em 2024, houve uma diminuição de 10,92% das ocorrências em relação ao ano anterior. Em 2023, foram 2.812 atos infracionais.
Do tipo de infração cometida, o tráfico de drogas apresenta o maior índice de incidência, com 826, seguido por furto, com 240 efetuados e 22 tentativas. Em terceira posição está a ameaça, com 235 registros.
Ao todo, a pesquisa calculou que 2.042 adolescentes – considerados individualmente – foram encaminhados como autores, em tese, de atos infracionais. Os autores são, de forma exponencial, do sexo masculino, com idade entre 15 e 17 anos.
"O relatório, resultado de trabalho técnico, articulado e interinstitucional, não apenas fornece dados estatísticos sobre o fluxo de adolescentes no sistema socioeducativo, mas constitui instrumento estratégico para a formulação de ações preventivas e políticas públicas contextualizadas, sintonizadas com as peculiaridades territoriais e com os direitos humanos de crianças e adolescentes", afirma a superintendente da Coordenadoria da Infância e Juventude (Coinj), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargadora Alice de Souza Birchal.
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Para a juíza titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude e coordenadora do CIA-BH, Riza Aparecida Nery, o relatório oferece mais visibilidade sobre o tema e “aprimora a aplicação de políticas públicas relacionadas aos jovens.”
*Estagiária sob supervisão da subeditora Fernanda Borges