Pela primeira vez em Minas Gerais, pessoas não-binárias — aquelas cuja identidade de gênero não se encaixa nas categorias tradicionais de feminino ou masculino — conseguiram a retificação de nome e gênero em seus documentos por meio de um procedimento judicial simplificado, com trâmite mais rápido e menos burocrático. A conquista foi divulgada pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), nesta segunda-feira (7/7).
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Diferentemente de outros estados brasileiros, onde a retificação para pessoas não binárias pode ser feita diretamente em cartórios, em Minas Gerais o caminho ainda é burocrático, pela via judicial, com o acompanhamento da Defensoria Pública ou de advogado particular. Até então, para realizar a troca de documentos, a média de duração do processo em Belo Horizonte era de cerca de seis meses.
Para reduzir este tempo, a DPMG firmou uma parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). “Agora o processo tramita junto ao sejusp, que dá resposta mais rápido. Além disso, não tem mais audiência, o processo é semelhante ao que é feito no cartório” explica Vladimir Rodrigues, que atua na Defensoria Especializada de Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH). Com a novidade o tempo médio do processo foi reduzido pela metade, sendo de dois a três meses.
Segundo o Coletivo Não-Binárie de Minas Gerais (NBMG), atualmente não existe uma política nacional que garanta a retificação de forma universal. Alguns estados realizam a retificação apoiando-se em provimentos estaduais. Naqueles onde não existem provimentos, são realizados mutirões pelas Defensorias estaduais (como em MG) ou via decisão judicial para os poucos que têm acesso. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, em maio de 2025, pela primeira vez, a possibilidade de retificar o registro civil para que nele conste gênero neutro. Ou seja, o sexo não será identificado nem como feminino nem como masculino.
Ainda de acordo com o NBMG, os estados que oferecem retificação não-binária atualmente são: Bahia, Rio de Janeiro, Paraíba, Tocantins, Distrito Federal, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão. Paraná e Rio Grande do Sul já realizaram, mas atualmente estão com o provimento suspenso ou revogado.
Vladimir Rodrigues, responsável por protocolar as primeiras ações no estado, lembra que a procura por esse tipo de retificação cresceu significativamente nos últimos anos em Belo Horizonte. Para medir essa demanda, a Defensoria realizou um mutirão há cerca de dois anos e atendeu aproximadamente 200 pessoas apenas na capital. “Se houvesse a possibilidade de fazer essa mudança diretamente em cartório, esse número seria, com certeza, ainda maior”, avalia.
Reconhecimento
Tai Barreto foi uma das pessoas assistidas que conseguiu a retificação de gênero para "não-binário"
Uma das pessoas beneficiadas pelo novo procedimento foi Tai Barreto, de 25 anos, que teve a retificação deferida em 29 de maio deste ano. Tai conta que não sabia que havia um novo procedimento judicial simplificado quando abriu o processo de retificação há dois anos.
“É como se iniciasse um novo capítulo na minha vida, já que estou renascendo para o mundo com uma nova identidade e caminhos que se abrem para que eu possa explorar o meu próprio gênero livremente”, declarou Tai.
Barreto também acredita que isso abrirá algumas portas para o reconhecimento formal do gênero no espaço acadêmico, no atendimento de saúde e no mercado de trabalho. “É importante que as pessoas não binárias passem a procurar órgãos como a defensoria e busquem se informar sobre seus direitos de retificação e afirmação de gênero”, finaliza.
Vladimir lembra que o Brasil tem um sistema jurídico e estatal profundamente binário. “O padrão de gênero do Estado ainda é homem ou mulher. Como uma série de direitos estão atrelados à categoria de sexo (aposentadoria, concursos, serviço militar), então apesar de ser uma vitória não podemos esquecer que ainda precisamos de regulamentação para garantir que depois dos documentos essas pessoas tenham qualidade de vida".
Vladimir lembra que o Brasil tem um sistema jurídico e estatal profundamente binário. “O padrão de gênero do Estado ainda é homem ou mulher. Como uma série de direitos estão atrelados à categoria de sexo (aposentadoria, concursos, serviço militar), então apesar de ser uma vitória não podemos esquecer que ainda precisamos de regulamentação para garantir que depois dos documentos essas pessoas tenham qualidade de vida".
O que é ser uma pessoa não binária
Pessoas não binárias são aquelas cuja identidade de gênero não se encaixa nas categorias tradicionais de homem ou mulher. No dia a dia, essas pessoas enfrentam barreiras burocráticas e desafios cotidianos para existir, pois a sociedade em geral ainda enxerga o mundo sob uma lógica binária.
Para compreender o tema, é preciso entender a diferença entre sexo e gênero. Sexo é determinado por características biológicas, como genitais e cromossomos; já o gênero é uma construção social, relacionada à forma como a pessoa se percebe e se expressa no mundo.
A reportagem procurou o Coletivo Não-Binárie de Minas Gerais (NBMG) para solicitar dados a respeito da comunidade. Em nota o coletivo afirmou: “na atualidade, não existem dados. Sabemos que a ausência de dados é considerada um dado em si, já que denota que toda uma população está excluída das políticas públicas e sequer é reconhecida, quanto menos assistida”. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também não tem dados específicos sobre pessoas não binárias no Brasil.
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Vladimir explica que, atualmente, para realizar a troca de documentos, basta procurar a Defensoria Pública de Minas Gerais:
Av. Bias Fortes, 431 – 6º andar, bairro Lourdes, Belo Horizonte (MG)
Telefone:
(31) 2010-2038