Houve um tempo em que sistemas de segurança ostensivos eram mais comuns a negócios que lidavam com altos valores em mercadoria ou dinheiro, a exemplo de agências bancárias. Depois, a blindagem avançou para serviços como as lotéricas, que movimentavam grandes quantias, normalmente em espécie. Com o tempo, e em escala decrescente, aparatos do tipo foram chegando a postos de combustíveis, revendas de gás, estabelecimentos de médio porte, especialmente os que funcionam à noite ou de madrugada... Um pouco mais, passaram a cercar pequenos pontos de comércio, mercearias, vendas, botecos e até salões de beleza e brechós. Da capital, se espalham para o interior, sem distinguir o tamanho do negócio.
Foi o que notaram as freguesas de um salão de beleza na Vila Ipiranga, em Montes Claros, cidade polo do Norte de Minas, onde o atendimento às clientes também é feito atrás de grades. Thamires Teixeira Silva, filha da dona do lugar, explica que a proteção foi providenciada para garantir não só a segurança do estabelecimento, mas também das frequentadoras.
Porém, mesmo com a grade, há alguns anos o espaço sofreu um assalto cometido por dois homens armados. Thamires conta que os ladrões se aproveitaram de um momento em que o cadeado de uma das portas de grade do salão estava aberto. Entraram, renderam clientes e levaram pertences, incluindo celular. A ação criminosa durou em torno de cinco minutos.
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Thamires acredita que os ladrões entraram no salão com o objetivo de assaltar a proprietária, por pensar que ela tinha dinheiro guardado no local, mas acabaram não encontrando aquela que seria a vítima preferida. Passado o assalto, a segurança do local foi reforçada: depois das grades, vieram as câmeras de vigilância. Para a atendente do salão, funcionárias e as clientes já se adaptaram ao “modelo” de segurança atrás das grades. “Aqui, hoje, funciona tudo tranquilo. As clientes já se acostumaram”, disse.
Outra empreendedora de Montes Claros que trabalha sob a proteção de grades é Sandra Santos Vieira, dona de uma loja de roupas usadas no Bairro Doutor João Alves. No ramo há mais de dois anos, ela decidiu reforçar a segurança depois de passar por uma situação de risco. “Chegou um rapaz e me pediu uma blusa e um boné. Aí, ele disse: 'Veja minha situação' e abriu uma jaqueta que usava, mostrando que estava armado com uma faca peixeira”, relata a comerciante. Amedrontada, ela acabou permitindo que o homem levasse os produtos. Hoje, diz que já se adaptou ao uso da porta de grades. Reforçada pelos cadeados, sempre trancados.
Trancados durante as madrugadas
Como em várias cidades pelo interior de Minas, em Montes Claros surgiram nos últimos anos várias revendas de bebidas, localmente chamadas “adegas”, cujos donos se viram obrigados a adotar o sistema de segurança com a instalação de grades nas portas e clientes fazendo pedidos da calçada. A justificativa dos proprietários é que o serviço funciona também durante a madrugada e por isso, o reforço da segurança é indispensável.
Samuel Santos Borges abriu uma dessas revendas há pouco tempo, que também funciona sob a proteção de grades em uma avenida do Bairro Doutor João Alves. Ele ressalta que precisa tomar mais cuidado com a segurança, já que seu estabelecimento funciona até a madrugada. Mas não deixa de reclamar do poder público: “Infelizmente, a realidade é que malandros estão soltos e a gente precisa ficar nessa situação. Pagamos impostos, mas não temos segurança e precisamos nos resguardar”, disse.
O comerciante entrega as bebidas por uma passagem na grade, onde um cartaz chama a atenção: “Pagamento antecipado”. Samuel explica que o aviso é mais uma estratégia para evitar que pessoas mal-intencionadas possam receber os produtos e sair sem fazer o pagamento.
Em outra avenida movimentada de Montes Claros, entre os bairros Antônio Pimenta e Maria Cândida, são comuns as filas de clientes diante da porta de grade de uma adega. Carlos Batista, gerente do estabelecimento, acredita que a freguesia já encara com naturalidade o atendimento feito na calçada, sem entrar na loja. O gerente lembra que as adegas têm uma movimentação financeira considerável e não podem ficar expostas no período noturno. Por isso, os empresários do setor optaram pelo sistema de grades. “Existem adegas que ficam abertas até as 5h da manhã. Não tem como funcionar na madrugada sem grades nas portas”, resume.
Postos lideram em ocorrências
A apreensão é disseminada por vários setores, mas, em uma análise regional, os maiores alvos de roubos no interior de Minas ainda são os postos de combustíveis, segundo dados da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Estabelecimentos do tipo lideram com ampla margem o total de ocorrências entre 2022 e 2024 (1.147), seguidos por mercearias, sacolões e supermercados (889). Estão à frente também quando se trata de assaltos com arma de fogo, com 671 registros, seguidos por bares, lanchonetes e restaurantes (507).
Mas a situação já foi pior. “Depois da chegada de meios de pagamentos digitais, os assaltos na pista de abastecimento diminuíram consideravelmente, mas ainda há incidência no interior e em lojas de conveniência”, informa o Sindicato dos Revendedores de Derivados de Petróleo de Minas Gerais (Minaspetro).
Por outro lado, o maior problema de segurança no setor migrou para o roubo de cargas, que fomenta o mercado irregular de combustíveis, problema que vem crescendo muito nos últimos anos. “Especialmente entre outubro e dezembro do ano passado, houve um boom de roubos e muitos revendedores foram prejudicados. O que causa maior revolta é que os roubos têm o mesmo modus operandi e 90% das vezes é no mesmo local, no entroncamento da Avenida Amazonas com o Anel Rodoviário, depois da Wilma Alimentos, em Belo Horizonte”, informa o sindicato.
Gastos com segurança pesam no preço final
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcelo de Souza e Silva, afirma que, apesar do contexto de redução das ocorrências, segundo dados oficiais, os registros ainda geram sensação de insegurança e afetam a economia e o comércio. “Temos que seguir atuando para evitar que a sensação de insegurança desestimule o acesso ao comércio, reduza o fluxo de clientes e possa até levar ao fechamento de estabelecimentos, especialmente os de menor porte. Em alguns casos, a criminalidade também afeta o preço dos produtos, já que os custos adicionais com segurança acabam sendo repassados ao consumidor”, destaca.
O representante da CDL ressalta que, nos últimos anos, empresários têm diversificado os investimentos em segurança, o que representa uma elevação de custos para o setor. “Os comerciantes têm investido em equipamentos como câmeras, alarmes, grades, seguros e, muitas vezes, contratado empresas privadas de vigilância. Há também um trabalho de organização das vitrines em função dos produtos de maior valor, colocando-os em lugares de maior proteção”, explica.
A entidade tem encaminhado uma série de reivindicações aos conselhos de políticas públicas e ao comando das forças policiais e órgãos de segurança para garantir mais proteção para o comércio. Entre os pedidos apresentados estão o reforço do policiamento ostensivo e da presença policial em áreas comerciais, especialmente nos períodos que antecedem as datas comemorativas que movimentam o comércio.
Os lojistas também pleiteiam integração das guardas municipais ao sistema de segurança pública, fortalecendo a atuação, reforço na manutenção preventiva das câmeras de videomonitoramento e revitalização dos sistemas já existentes, incluindo câmeras mais inteligentes e precisas, e “combate contínuo e rigoroso aos crimes de furto, roubo e descaminho”.
A CDL/BH cobra ainda a realização de fóruns e encontros regulares entre empresários e autoridades para debater e propor soluções conjuntas para os desafios da segurança pública e “mudança na legislação, com penas mais duras ao infrator”.
Sem inteligência, a prevenção falha
Medidas adotadas pelos comerciantes como a instalação de grades e de câmeras de vídeo em seus estabelecimentos não são capazes sozinhos de eliminar os crimes. A ação mais eficaz é o trabalho de inteligência da polícia, na avaliação da professora Ludmila Ribeiro, especialista do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vinculado ao Departamento de Sociologia.
“Muito mais importante do que colocar a grade é tentar entender o que os criminosos estão buscando e chamar a atuação da polícia para que possa pensar, inclusive, em possíveis atrativos e fazer a prisão de sujeitos que estão praticando delitos”, observa. Ela salienta que as câmeras de segurança, muito usadas no comércio em geral, não têm grande efeito preventivo, como se imagina. “Todas as avaliações que a gente tem indica que câmera só serve para identificar quem foi a pessoa que praticou a ação criminosa. Mas, não previne o crime. Para isso, a gente precisa de inteligência. E para ter inteligência é preciso envolver bastante a polícia”, observa a pesquisadora do Crisp/UFMG.
A professora lembra que, principalmente após o período da pandemia do coronavírus, aumentaram as compras on-line e os pagamentos por pix e cartões de débito/crédito. Com isso, houve queda dos assaltos aos pontos de comércio, devido à própria redução do manuseio de dinheiro em espécie. “Hoje, é mais difícil a ocorrência de assaltos aos caixas no comércio. Talvez isso seja mais presente em cidades do interior, onde a circulação do dinheiro moeda é mais visível do que os meios eletrônicos de pagamento. Mas, nas grandes cidades, o que a gente tem visto é efetivamente uma mudança dessa lógica.”
Ludmila Ribeiro salienta que a contratação de segurança privada, ao mesmo tempo em que visa a reforçar a vigilância patrimonial, pode despertar a cobiça de criminosos. “A presença de uma pessoa na porta da loja pode, de fato, afugentar o sujeito que está raciocinando sobre o melhor lugar para cometer o crime de roubo. Mas pode chamar a atenção para os valores que tem ali”, assinala.
A especialista ressalta que, como uma forma de combater os crimes, o poder público, há alguns anos, “fez a opção” de colocar mais policiais nas ruas. Porém, ela entende que a estratégia não é capaz de impedir os delitos. “Os policiais acabam tendo ou um trajeto, ou uma rotina de visita ou de patrulhamento de uma determinada área. Então, é muito fácil aprender sobre isso e praticar o delito no momento em que os policiais não passam em determinados locais. Por isso é preciso investir mais em inteligência”, conclui.
Tecnologia para ampliar respostas
A Polícia Militar de Minas Gerais, procurada pela reportagem, informou que, em todas as regiões de Minas, executa “ações preventivas e repressivas voltadas à proteção da sociedade, entre elas o combate aos crimes contra o patrimônio, tanto em áreas comerciais, quanto residenciais”. Destacou que, além do policiamento de rotina, realiza operações específicas, tais como batidas policiais, patrulhamento com motocicletas, uso de drones e atuação do serviço de inteligência, que ampliam a capacidade de resposta da corporação.
Em relação a Montes Claros, “a Polícia Militar destaca que realiza patrulhamento sistemático em todas as regiões da cidade, com especial atenção às áreas que apresentam maior vulnerabilidade”. “O planejamento operacional é baseado na análise de dados criminais e produção de informações de inteligência, o que permite alocar o efetivo de maneira mais eficiente, conforme a realidade de cada bairro”, pontua.
Por outro lado, a PMMG ressalta que, especialmente na área central e no seu entorno, “os dados estatísticos demonstram uma tendência contínua de redução nos índices de criminalidade”. Destaca que nos últimos meses, os crimes de furto tiveram redução superior a 20%, na comparação com período equivalente do ano anterior. “Isso reflete o resultado de ações planejadas da Polícia Militar com apoio de tecnologias avançadas e da colaboração da comunidade”, avalia a corporação. A PM sustenta ainda que, nos estabelecimentos comerciais da área central, essa redução foi de 19,42%, e os crimes de roubos seguem a mesma tendência de queda (-11,11%).
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A PMMG sustenta que, na região central de Montes Claros, as redes de vizinhos e comércio protegidos têm contribuído para a prevenção de crimes, com o fortalecimento da vigilância comunitária, do fluxo de informações entre a população e a polícia e do sistema de videomonitoramento. “A tecnologia mais conhecida como 'Olho Vivo' está sendo ampliada e otimizada, com uso de recursos de reconhecimento facial, leitura de placas, identificação de veículos e indivíduos em todos os bairros da cidade, por meio de convênio celebrado com o município”, destaca a corporação em nota.