Bairros de Belo Horizonte estão dando novos contornos à segurança pública com projetos que unem videomonitoramento inteligente, redes de comunicação entre vizinhos e parcerias com órgãos oficiais. Em localidades como Luxemburgo, Belvedere e Buritis, moradores têm investido em ações coordenadas, que, segundo seus articuladores, fortalecem o senso de comunidade e ampliam a capacidade de resposta diante de situações de risco. A atuação conjunta, defendem, mostra como a participação cidadã pode somar forças à proteção urbana, com soluções que vão da instalação de câmeras à requalificação de espaços públicos.
O modelo tende a se estender para outras regiões. Na última terça-feira (15/7), iniciativas semelhantes foram discutidas em uma audiência pública envolvendo representantes de bairros da Região Pampulha, integrantes da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e agentes das forças de segurança municipal e estadual, no Iate Tênis Clube, no Bairro São Luiz. Entre as medidas discutidas estão o reforço da rede de vizinhos protegidos e a implantação de mais câmeras de vigilância do Programa Olho Vivo. A verba para implantar o sistema de videomonitoramento deve vir de emendas parlamentares.
BH ficou entre as 50 cidades mais perigosas do mundo em 2024, segundo ranking da plataforma colaborativa Numbeo, que mede a percepção de segurança de moradores e visitantes. Belo Horizonte subiu cinco posições em relação ao ano anterior e hoje ocupa o 47º lugar, um indicativo do crescente sentimento de medo nas ruas, segundo os indicadores detectados com base nas respostas a questionários disponíveis na plataforma.
De acordo com o estudo, numa escala de 0 a 100, o indicador de crime na capital mineira estava em 63,07, classificado como "alto" pela metodologia da pesquisa. Já o indicador de segurança era de 36,93. Ao contrário do primeiro índice, neste, quanto maior o nível, maior a sensação de segurança na cidade — ou seja, ela estava baixa.
Segundo dados parciais deste ano, com base em 220 questionários respondidos, em 25 de março os dois índices eram, respectivamente, de 59,64 e 40,36, indicando alguma melhora do quadro. Ainda assim, a maioria dos entrevistados relata insegurança ao circular sozinhos. Durante o dia, o indicador é de 57,22, o que significa sensação de segurança moderada. À noite, cai para 26,03 (baixa).
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Assaltos (70,99), roubos de veículos (62,21), corrupção e suborno (75,97), em nível elevado, além de arrombamentos (46,22) e ataques (43,00), no patamar moderado, estão entre as maiores preocupações da população. Cresce o receio de deixar casas ou carros desprotegidos, e a sensação de vulnerabilidade atinge áreas tradicionalmente mais valorizadas da cidade.
No Bairro Luxemburgo, na Região Centro-Sul da capital, a Associação dos Moradores (Amalux) lidera uma frente de ação que mistura vigilância colaborativa, requalificação urbana e articulação com o poder público. A mobilização envolve também os bairros Vila Paris, Coração de Jesus, São Bento, Conjunto Santa Maria, e na vila monte São José ( morro do querosene)
Os desafios foram e ainda são numerosos. A Amalux aderiu ao projeto BH Mais Segura, iniciativa que permite a integração de clientes de empresas particulares de segurança eletrônica ao sistema de videomonitoramento do Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH).
O presidente da associação, o advogado Marcos Righi conta que a entidade tem participado de diversas reuniões no Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH), que integra o projeto BH Mais Segura, e divulgado a iniciativa. Entretanto, segundo ele, a adesão entre os moradores ainda esbarra em questões culturais e financeiras.
Além das câmeras, a associação adquiriu terrenos públicos visando à requalificação de territórios públicos degradados, na entrada dos bairros e projeta a criação de uma “Agrofloresta”, com quadra, posto da Guarda Municipal e horta comunitária, no que antes era apenas um espaço dominado por usuários de drogas e pessoas ligadas aos furtos de cobre. “Estamos tratando segurança como um processo urbano. Não se trata só de filmar, mas de evitar o crime com ocupação cidadã.”
Câmeras de precisão
Na Região Centro-Sul, a Associação do Bairro Belvedere (AMBB) apostou alto no projeto Belvedere 100% Seguro. Foram necessários cinco anos de estudo e articulação para superar entraves legais e viabilizar a instalação de mais de 30 câmeras de alta precisão, incluindo pontos de leitura facial e de placas. A tecnologia está integrada ao sistema de inteligência da Polícia Militar e da Guarda Municipal. As câmeras estão sendo posicionadas em áreas críticas do bairro, como locais de tráfego intenso, entradas e saídas e pontos de comércio.
“Essa sempre foi uma demanda dos moradores do bairro, que agora vem se materializando, tornando-se realidade. Em breve, teremos um sistema integrado com a Polícia Militar, com a mais alta tecnologia embarcada. E o Belvedere será, notadamente, o primeiro bairro de Belo Horizonte 100% monitorado com um sistema de câmeras de reconhecimento facial”, disse o presidente da AMBB, José Eugênio de Castro.
A tecnologia permite a leitura de placas e reconhecimento facial. As imagens capturadas serão enviadas para o sistema da prefeitura e, por meio de um software, gerarão dados para facilitar o trabalho da PM. Segundo Leonardo Magalhães Assis, diretor de segurança da AMBB, o diferencial do projeto é que ele não é privado. “A associação não tem acesso às imagens. Tudo vai direto para o COP-BH e para as forças de segurança. Isso garante legalidade, eficácia e respeito à LGPD”, afirma.
A adesão ao sistema cresceu entre comerciantes e empreendimentos. Para o comerciante do bairro Gabriel Pentagna, que é um dos parceiros da associação de moradores, o sistema de segurança virá em um bom momento. “Hoje quem entra ou sai do bairro está sendo vigiado e sabe disso”, ressalta.
Gabriel destaca também a articulação entre comerciantes, moradores e a AMBB como ponto fundamental para o sucesso da iniciativa. “Essa parceria com a associação, com a Polícia Militar e a Emive é muito positiva. A polícia vai ter acesso em tempo real às imagens das câmeras. Se um carro com queixa de furto entrar no bairro, o sistema já avisa, e a PM pode agir imediatamente. Isso inibe a criminalidade. Só o fato de saberem que há monitoramento já faz os criminosos pensarem duas vezes antes de agir”, diz.
Rede colaborativa
No mesmo bairro, uma ação paralela ao projeto da AMBB surgiu há cerca de dois meses para atender moradores e comerciantes, promovida pela empresa Camerite. Atualmente, a rede conta com 22 câmeras instaladas e integradas em pontos estratégicos para aumentar a vigilância comunitária.
A plataforma conecta câmeras residenciais e comerciais por meio de um aplicativo, permitindo que moradores compartilhem imagens de áreas externas em tempo real e emitam alertas instantâneos em caso de suspeitas. Moradores e comerciantes relatam que o sistema tem contribuído para a prevenção de ocorrências e para a resposta mais rápida das forças de segurança.
Roberto Silveira, sócio-proprietário da Rede Megapark Estacionamentos, diz já ter presenciado situações suspeitas de madrugada, e por ter acesso às câmeras conseguiu acionar a PM com as imagens. Para ele, a resposta foi mais rápida justamente porque a situação foi mostrada em tempo real.
O sistema funciona a partir da integração de câmeras já instaladas nas residências ou comércios, e a plataforma permite acesso remoto, armazenamento de gravações e compartilhamento com vizinhos e grupos de segurança. Embora não conte com tecnologias de leitura de placas ou reconhecimento facial, o modelo oferece rastreamento visual de suspeitos, com base na malha colaborativa de câmeras. “É uma rede. Alguém flagrado por uma câmera pode ser rastreado por outras da mesma área”, explica Marcelo Pavan, responsável técnico pela Camerite em BH.
A plataforma tem mostrado resultados positivos. No último dia 1º, registrou um acidente na Rua Rodrigo Otávio Coutinho, quando um carro colidiu com um poste, deixando parte do Bairro Belvedere sem energia. As imagens ajudaram a documentar a ocorrência e acionar rapidamente os serviços públicos.
Segundo moradores, além do apoio à segurança, o sistema contribuiu para melhorar o engajamento comunitário. “Hoje existe um sentimento de rede. A gente compartilha alertas, imagens e informações. Isso aproxima os vizinhos e fortalece a vigilância”, afirma Humberto Carvalho, síndico do condomínio Via Topazio.
Conexão com a PM
No Buritis, o bairro mais populoso de Minas Gerais, com cerca de 43 mil habitantes, moradores e comerciantes criaram uma rede de proteção com colaboração direta da PM, especialmente pelo WhatsApp. Ana Luiza Boaventura, presidente da Comissão da Rede de Condomínios Protegidos do Buritis, relata que mais de 650 moradores estão conectados à rede.
“A gente troca alertas em tempo real. Já ajudamos a identificar furtos, como um caso de fraldas roubadas em uma farmácia. A PM foi avisada e conseguiu intervir com rapidez”, conta. Segundo ela, o sistema não substitui o 190, mas reforça o senso de coletividade e vigilância mútua. “Hoje não é só a câmera. É o olhar do vizinho, do porteiro, da moradora que desce com o cachorro e estranha um carro parado”, resume Ana.
Apesar da intensa movimentação, o sistema público de câmeras Olho Vivo está instalado em apenas dois pontos e é considerado insuficiente para a realidade do bairro. A Polícia Militar atua de forma ostensiva, mas há reclamações sobre a ausência da Guarda Municipal no patrulhamento.
Desafios
Marcos Righi, presidente da Amalux, destaca que o maior desafio é construir uma ponte efetiva entre moradores, poder público e iniciativa privada. “O maior desafio é conseguir exatamente a interação entre a sociedade civil organizada, o poder público e o mercado, para que todos andem juntos”, afirma. Segundo ele, a associação atua como mediadora. “Os moradores são nossos olhos na ponta”, afirma. E a mediação entre esses olhos e o poder público é essencial para avançar nas pautas de segurança.
O presidente da Amalux destaca que, embora não existam barreiras técnicas ou legais relevantes, a questão financeira ainda limita muitos projetos. “A tecnologia existe e há interesse em evoluir para inteligência artificial, mas o custo final é o maior obstáculo para as associações, que são sem fins lucrativos.” Para ele, o momento atual exige políticas público-privadas efetivas. “No mundo pós-pandemia, a prefeitura ficou muito perdida, e o aumento da população em situação de rua complicou ainda mais o cenário da segurança.”
Licenciamento
Ao Estado de Minas, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que a expectativa é que a integração das imagens dos sistemas colaborativos com o poder público ocorra após a formalização do convênio com o município, em conformidade com as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Segundo a administração municipal, todo o licenciamento, autorização e acompanhamento da instalação de mobiliário urbano, como postes de câmeras em vias públicas, é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Política Urbana, e a integração das imagens ao sistema oficial cabe ao Centro Integrado de Operações (COP-BH). A proposta está sendo construída de modo a permitir que o COP-BH e todas as instituições parceiras, incluindo a Guarda Civil Municipal, tenham acesso às imagens em tempo real.
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Limites
Para o especialista em segurança pública Jorge Tassi, os projetos comunitários de segurança, como o do bairro Belvedere, têm se mostrado eficientes e cada vez mais necessários. Segundo ele, essas iniciativas representam uma forma legítima de colaboração entre a sociedade civil e o poder público, na qual os moradores passam a contribuir ativamente com informações que fortalecem a atuação das forças policiais na prevenção e repressão ao crime.
Ainda assim, Tassi destaca que há limites para essa mobilização. Cabe ao Estado manter o protagonismo e concentrar esforços em hotspots, áreas mais vulneráveis das cidades. Já os bairros com maior estrutura e organização, como o Belvedere, cumprem um papel complementar ao reduzir a demanda por policiamento direto e ampliar a eficiência do trabalho policial. “Não é substituição, é colaboração”, afirma. Ele lembra que o artigo 144 da Constituição Federal é claro: a segurança pública é dever do Estado, mas responsabilidade de todos.
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O especialista ressalta ainda que o uso de tecnologias como leitura de placas, reconhecimento facial e inteligência artificial pode ser eficaz, desde que integrado de forma técnica e coordenada com as forças de segurança. “Esses sistemas não devem substituir a presença ostensiva da polícia, e sim complementá-la. Câmeras ajudam na repressão e investigação, mas a presença física do policial continua essencial, especialmente na construção de confiança com a comunidade”, diz.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho