Mais um detento foi morto dentro de um presídio mineiro. O último caso ocorreu, na noite dessa quinta-feira (24/7), no Presídio Inspetor José Martinho Drummond, em Ribeirão das Neves (MG), Região Metropolitana de Belo Horizonte. Gabriel Henrique Ferreira, de 29 anos, foi assassinado por um companheiro de cela.
Os números registrados nesse presídio impressionam. De 1º de janeiro até agora, ocorreram 18 mortes, sendo 15 delas por assassinatos. Também chama a atenção o fato de que o espaço tem capacidade para 1.040 presos, mas hoje abriga 2.200. Em Minas Gerais, esta é a 60ª morte dentro de um presídio no ano.
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O corpo foi descoberto por policiais penais que faziam uma ronda nos corredores e celas do presídio, o que é um serviço de praxe. Os guardas foram alertados pelo autor do crime, que os chamou e confessou ter matado o companheiro de cela.
A cela era dupla. Não havia outros presos no local. Apesar da confissão, o autor não revelou os motivos que o levaram a cometer o crime. Ele usou um chuço (vara armada de ferro pontiagudo), provavelmente confeccionado no presídio.
Gabriel foi admitido no Presídio Inspetor José Martinho Drumond em 24 de abril de 2025, mas tinha passagens pelo sistema prisional desde 2014. Seu corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML).
Segundo nota da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, "a direção da unidade prisional instaurou um procedimento interno para apurar administrativamente o ocorrido. No curso das investigações internas, o preso agressor será ouvido pelo Conselho Disciplinar da unidade prisional e poderá sofrer sanções administrativas. As investigações criminais são de responsabilidade da Polícia Civil.”
Discussão
Há poucos dias, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), houve uma discussão, promovida pela deputada estadual Andréia de Jesus (PT), quando foi feito um raio-X do sistema prisional penitenciário de Minas Gerais e suas mazelas.
Participaram do encontro parentes de vítimas mortas, representantes de policiais penais, servidores penais e integrantes da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG).
O foco maior foi o Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves (MG), que apresenta uma situação de calamidade. O que ocorre no presídio é um exemplo do desleixo com o sistema penal de Minas Gerais, na opinião dos participantes.
“A penitenciária é hoje um espaço extremamente adoecedor para quem trabalha em presídio e para o preso que cumpre pena”, disse a deputada do PT.
No estado
Os números ali apresentados revelam uma grave deficiência no sistema penitenciário do estado, pois hoje existem 170 unidades, com um total de 45.765 mil vagas. No entanto, são 70.870 presos. O déficit é de 25.105 vagas.
São estarrecedores também os números de concursados para cuidar do sistema prisional. Jean Carlos Otoni Rocha, presidente do Sindicato dos Policiais Penais, diz que eram 17.665 policiais quando houve a promulgação do decreto estadual 43.945, de 2004. “Hoje, o total é de 16.566, sendo que 16.339 são concursados e 167 contratados”.
"Situação grave"
Jean Carlos denuncia, também, que o atual governo de Minas quer terceirizar o serviço penal. Por esse motivo, não são realizados concursos. Ele pergunta: “Quem paga o preço da omissão?” E responde: “A conta chega para toda a sociedade. É uma situação grave, que vem gerando uma série de problemas”.
Os problemas, segundo ele, são em função do crescimento de problemas psíquicos de policiais penais. “Temos 51 casos de tentativas de suicídio, sendo 10 em 2020; 13 em 2021; 10 em 2022; 6 em 2023 e 12 em 2024. E temos 26 suicídios em cinco anos, assim distribuídos: 6 em 2020; 5 em 2021; 4 em 2022; 5 em 2023 3 6 em 2024”.
O presidente do Sindicato dos Auxiliares Assistentes e Analistas do sistema prisional e socioeducativo, José Lino Esteve dos Santos, denuncia outro problema sério, que são as decisões tomadas, como a adoção da pena justa, sem a participação do pessoal da área técnica.
“O estado criou uma fábrica de adoecimento, fábrica de morte. Não existe a ressocialização”, afirma, no que diz respeito aos presos no sistema.
Tão grave quanto, segundo ele, é o fato de que trabalhadores do sistema penal estão sendo transferidos de área, sem o menor preparo, ou seja, sem terem sido preparador para o cargo a ser assumido. “Descobre-se uma área, sem cobrir a outra”, diz ele.
E faz uma denúncia ainda mais grave: “ O governo quer colocar empresas e terceirizar. Isso é precarização do trabalho”.
Violação
Marcelo Cólen, da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade Social, disse que existe uma violação dos direitos humanos, em todos os sentidos, no sistema penitenciário, e que isso ocorre nacionalmente, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Podemos lembrar a Queda da Bastilha, na França, onde os presos foram determinantes. O sistema vivido hoje no Brasil é infinitamente pior do que os presos viveram naquele período”, diz Cólen.
Ele lembra que tortura, falta de banho, alimentação precária, dormir no chão, com o rosto colado numa privada, são exemplos da violação dos direitos humanos.
E faz uma séria denúncia: “Hoje, nos presídios brasileiros, as morte acontecem, quase sempre, tendo como vítimas membros do grupo LGTBQI+ e negros”.
Violação
André Luiz, da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), também fez uma séria denúncia, de que há um descaso com presos que cometeram crimes sexuais, LGBTQI+, sofrimento mental e idoso. “Eles são tratados da pior maneira possível e são misturados em presídios, como é o que acontece no Presídio Inspetor José Martinho Drumond."
Segundo ele, o fato de que um preso entra e sai da penitenciária sem ter aprendido nada também indica descaso. “Um traficante, por exemplo, sai da cadeia e vai para casa. Lá, encontra a família desorganizada. As latas estão vazias, não há o que comer. Ele, ao ver aquilo, volta a fazer o que sabe, ou seja, traficar. Deveria ter sido preparado para uma nova vida. Uma profissão poderia ter sido ensinada. E nesse caso, é inevitável não falar da falência da escola, que é uma situação tão grave quanto o mau tratamento aos presos.”
André cita, também, o caso de um idoso: “Ele não pode estar preso. Está escrito no Artigo 319 do Código Penal. Tem caso de idoso sem uma perna. São absurdos. Seria necessária uma conversa entre as instituições para poder solucionar problemas como esses.”
Ele afirma, ainda, que a direção do Presídio Inspetor José Martinho Drumond ignora os pedidos da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB-MG.
Descaso
José Lino Esteves dos Santos, presidente do Sindicato dos Auxiliares, Assistentes e Analistas do Sistema Prisional e Socioeducativo, denuncia que faltam, no Inspetor Drumond, servidores técnicos e especialistas que cuidem da saúde, da ressocialização e da triagem dos indivíduos e da separação por penas.
Segundo ele, hoje, há apenas um médico, dois psicólogos e três assistentes sociais para cuidar dos dois mil presos do presídio de Ribeirão das Neves. “Assistimos ao absurdo de ver um desses profissionais desviado como assessor de diretoria”. Além disso, são só três técnicos de enfermagem, uma enfermeira, dois pedagogos e quatro assistentes judiciários lotados na instituição.
“Hoje são 334 policiais penais, sendo que 22 estão com desvio de funções que não dizem respeito ao acompanhamento dos presidiários”, continua. “Estamos sobrecarregados”, desabafa. E vai além. Acusa o Estado de negligência e de priorizar a opressão à ressocialização. “Os internos estão com seus direitos violados; mas os trabalhadores também.”
Fábrica de adoecimento
Sônia Marta Ferreira é a única enfermeira do presídio Inspetor Drummond. Ela é diretora do Sindicato dos Trabalhadores Ativos Aposentados e Pensionistas do Serviço Público Federal do Estado de Minas Gerais.
Sônia conta que os funcionários sofrem violências diárias pela falta de estrutura do presídio. “Já fiquei esperando até sete horas com o preso pelo socorro”, diz.
Ela afirma também que já foi cerceada por denunciar que um preso foi espancado. “Você não deve se meter em segurança”, foi o recado que ouviu da chefia. “Lá é uma fábrica de adoecimento”.
Alvos de brincadeiras
Míriam Estefânia dos Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade e do Conselho da Comunidade de Ribeirão das Neves, narra um fato estarrecedor.
“Era comum entre os policiais penais atirar contra os presos no pátio, a partir das guaritas. A prática foi proibida a partir das denúncias, pela juíza Bárbara Nardi, de Ribeirão das Neves. Essa proibição desagradou os algozes, pois os presos eram a mira do tiro ao alvo dos policiais penais”, diz.
Quando a prática foi proibida, ela conta que ouviu de um desses policiais. “Agora acabou nosso passatempo”.
Temor
Maria Teresa dos Santos, coordenadora da Rede de Atenção às Pessoas Egressas do Sistema Prisional (Raesp), diz o descontentamento pode gerar um complô contra a juíza Bárbara Nardy, que tem fiscalizado as unidades prisionais.
São muitas as denúncias de torturas contra presos, segundo ela. Os maiores problemas ocorrem, segundo conta, nas alas destinadas a pessoas LGBTQIA+.
“Muitos presos foram pressionados a assinar documentos se reconhecendo como LGBT para ir para a unidade, reduzindo a pressão do Presídio Jason Albergaria, unidade destinada a custodiados desse público. Com a medida, aumentaram os conflitos entre os próprios encarcerados, diz ela.
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Fiscalização federal
Luiz Fernando da Motta, ouvidor substituto da Ouvidoria Nacional dos Serviços Penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais, disse que o órgão nacional virá a Minas Gerais para fazer uma fiscalização. “Diante das denúncias ouvidas aqui, temos que adiantar a inspeção no Estado. A visita a Minas Gerais estava prevista para daqui a três meses, mas vamos tentar antecipar, talvez para o início do mês de agosto.”
A reportagem pediu posicionamento do Governo do Estado sobre as denúncias e aguarda resposta.