REPARAÇÃO HISTÓRICA

Reverbera: projeto vai premiar boas práticas antirracistas nas escolas

Iniciativa promove o cumprimento da lei que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas públicas de Belo Horizonte

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O ensino da história e cultura negra e afro-brasileira é obrigatório em toda a rede de ensino básico, tanto pública quanto privada, desde 2003. Em 2008, os povos indígenas também passaram a integrar essa obrigatoriedade. “Mas será que elas estão sendo cumpridas nas escolas?” foi o questionamento feito pela por Cláudia Magno, da Agência de Iniciativas Cidadãs (AIC) e a força motriz por trás da criação do Projeto Reverbera, que será lançado nesta terça-feira (5/8), no auditório do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais (MPT-MG) em Belo Horizonte

“A expectativa é que o projeto realmente promova uma grande mobilização e que a gente possa construir um mundo melhor para nossa sociedade. Um mundo com menos racismo, com mais entendimento de que as diferenças são reais e necessárias e que não tem problema nenhum nisso”, afirma Magno, que também é coordenadora do projeto.

O projeto é uma iniciativa da AIC, fomentado pelo MPT-MG, que tem como objetivo sensibilizar a sociedade para a importância do cumprimento das leis 10.639/03 e 11.645/08, apoiando, incentivando e fortalecendo iniciativas que já acontecem dentro das escolas. O desenvolvimento da proposta contou com a participação de parceiros como o Museu de Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu), o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cerarabi-MG), Makota Kidoiale do Quilombo Manzo, e as indígenas Kuaray Payayá e Avelin Kambiwá.

Serão selecionadas 10 propostas que dialoguem diretamente com o ensino da história afro-brasileira e indígena nas escolas para receber uma bolsa-prêmio no valor de R$8 mil cada.O valor, que será disponibilizado pelo MPT-MG, é uma reversão de recursos de multas e indenizações pagos por empresas que descumpriram a legislação trabalhista e arrecadado pelo órgão. Essas arrecadações são destinadas a investimentos, projetos e iniciativas sociais. A proposta do Projeto Reverbera foi apresentada pelo AIC ao Ministério e aprovada por meio de edital. 

“Queremos dar uma contribuição para os trabalhadores do setor educacional que têm a obrigação de implementar o cumprimento dessa lei. A obrigação das escolas mas, ao fim e ao cabo, são os profissionais de educação que vão executar efetivamente. Esta é apenas uma contribuição para uma discussão que precisa ser bem mais ampla”, declara a procuradora regional do Trabalho no MPT-MG, Luciana Marques Coutinho.

O evento de lançamento contará com a presença de autoridades, especialistas, secretarias de educação, educadores, gestores e parceiros do projeto. A programação inclui rodas de conversas sobre a importância da implementação das Leis, o processo histórico de sua construção e os desafios de sua implementação nas escolas.


Na ocasião, também será apresentado o “audioetal”, um chamamento público simplificado, que permite que os educadores possam enviar propostas por meio de um formulário online ou enviando um áudio com as respostas pelo WhatsApp.

Reverberando

Na foto, a professora Andreia Martins, responsável pela Referencia Central dos Anos Iniciais e Educação Escolar Quilombola da Diretoria de Politicas Afirmativas da SMED (Secretaria Municipal de Educação)
Na foto, a professora Andreia Martins, responsável pela Referencia Central dos Anos Iniciais e Educação Escolar Quilombola da Diretoria de Politicas Afirmativas da SMED (Secretaria Municipal de Educação) Leandro Couri/EM/DA.Press

Para se inscrever, a escola da rede pública estadual ou municipal localizada em Belo Horizonte deve apresentar seus projetos educacionais voltados para a promoção do ensino da temática. Eles devem ser realizados de forma contínua dentro das instituições, não apenas em datas comemorativas, e envolver a comunidade escolar para além dos muros da escola.

“Uma das dificuldades é a constância: chamar o indígena só em maio ou trabalhar a temática negra só no mês de novembro. O ideal é trabalhar o ano todo, mesmo porque, na maioria das escolas públicas, já foi constatado que quase 60% de alunos são negros e pardos”, diz Magno.

Os selecionados poderão investir a bolsa-prêmio na compra de material didático, como livros antirracistas, literatura negra ou indígena e jogos, ou na contratação de organizações e lideranças para palestras, eventos, intervenções entre outras possibilidades. Também contarão com uma tutoria com a AIC para execução da proposta com, no mínimo, quatro encontros presenciais entre 9/9 e 24/11.

Além disso, mesmo não sendo selecionadas, todas as escolas que cumprirem os requisitos receberão um Selo de Reconhecimento. “Mesmo a escola que não for selecionada, ela vai fazer parte de uma rede de escolas comprometidas com a implementação das Leis e vai receber um selo comemorativo de reconhecimento da sua ação. A gente sabe que não é fácil, então a gente precisa valorizar tudo que já é feito na escola, mesmo que seja pontual”, afirma Magno.

O Reverbera foi bem recebido pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (Smed). Andreia Martins, professora da rede municipal e Referência Central dos Anos Iniciais e Educação Escolar Quilombola da Diretoria de Políticas Afirmativas, disse que é muito positivo ter parceiros envolvidos na implementação das Leis, o que traz visibilidade social para o trabalho cotidiano das instituições de ensino. 

Para Martins, o conhecimento das histórias e culturas negra e indígena contribui para a conscientização dos alunos e, consequentemente, identificam atitudes consideradas bullying ou mera brincadeira como racismo. Isto contribui para a construção de protocolos para lidar com estas situações.

“Dentro dessa cultura antirracista, a educação é protagonista. Muitas vezes a gente tem uma história que foi silenciada, e quando a gente traz isso para a pauta da educação, a gente coloca isso em evidência para os nossos estudantes e eles levam isso para casa. Então essas discussões começam a circular de uma forma que a gente acredita ser mais potente”, afirma a educadora.

Apagamento histórico

Desde o período colonial, há um apagamento da história e da cultura africana e indígena no Brasil. Para corrigir este aspecto, o Governo Federal aprovou, em 2003 a Lei nº 10.639, que tornou obrigatório “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política”. Cinco anos depois, em 2008, a Lei nº 11.645 incluiu os povos indígenas no conteúdo programático das escolas.

Entretanto, um estudo liderado por Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana e publicado em 2023 ouviu gestores de 1.187 secretarias municipais de educação das cinco regiões do Brasil. Os dados mostraram que, depois de vinte anos, 69% dos entrevistados afirmam que a maioria ou boa parte das escolas da rede realiza atividades apenas durante a semana ou mês da consciência negra. Além disso, 53% das secretarias afirmaram que a ausência de apoio é o principal desafio para a implementação da Lei.

“O propósito da não é só romper com o currículo eurocêntrico que durante séculos invisibilizou essas duas culturas que são extremamente importantes na nossa formação sócio-histórica, trata-se também de uma reeducação das relações étnico-raciais”, declara Vanda Lúcia Praxedes, professora do departamento de humanidades da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

Praxedes explica que, desde 2003 houve reformulação do currículo de formação dos professores e do material didático, de forma que estejam aptos para o ensino anti-racista. Dessa forma, a prática não se restringiria apenas às disciplinas de história e artes, por exemplo. Para a educadora, o primeiro passo é o conteúdo estar previsto no plano pedagógico de cada escola, entretanto, ainda enfrenta muita resistência para ser efetivamente implementado.

Cláudia ainda ressalta que a aprovação das Leis foi resultado da movimentação da sociedade civil, em especial do movimento negro e do povo indígena, e que na prática a execução enfrenta diversos obstáculos. “Uma vez que essa exigência foi transformada em lei, não necessariamente ela foi aplicada, por vários motivos: falta de recurso para o professor, falta de um planejamento mesmo no plano diretor da escola, por questões religiosas e ideológicas. Hoje nós estamos vendo um Brasil polarizado e, às vezes, infelizmente, essa polarização também chega na base do ensino”, diz.

Em Belo Horizonte, está sendo criado um painel de monitoramento da equidade nas escolas para acompanhar o desempenho dos estudantes da rede municipal. Ele terá uma parte técnica destinada à melhoria da gestão das escolas e outra à disposição da população, em especial para a comunidade escolar de cada instituição. Aos professores também são oferecidos cursos on-line com unidades voltadas para a promoção da igualdade racial e aos alunos existem iniciativas como o acolhimento da população quilombola. 

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“Embora a gente pense ‘Nossa, já tem 20 anos’, se a gente for pensar na história do sistema educacional é um tempo curto. A gente tem avanços significativos pro tempo que a gente tem de atuação da lei, mas ainda existem muitos outros aspectos que a gente precisa construir. Belo Horizonte está na vanguarda em muitos sentidos”, afirma Andreia Martins.


Serviço: 

Evento de lançamento: 5/8

Local: Auditório do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais (MPT-MG). Rua Bernardo Guimarães, 1615 - Lourdes – BH

Horário: 14h

Cronograma do projeto

Inscrições: de 28/7 até 26/8 de 2025 pelo link

Seleção das propostas: até 5/9

Divulgação dos selecionados: 8/9

Execução das ações: 9/9 a 24/11

Entrega do relatório de execução: 1º/12 a 15/12

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