Uma terapeuta de 31 anos foi presa em flagrante por falsidade ideológica e maus-tratos contra um idoso, de 74, que deu entrada em uma UPA com sinais de desidratação e desnutrição. Ela mentiu ao dizer ser sobrinha dele, afirmou que não conseguia alimentá-lo e o levou para o médico depois que ele expeliu sangue pela boca. As apurações apontam que o idoso foi internado em uma clínica que negligenciava pacientes e os dopavam com remédios tarja preta e de uso veterinário. O local está sendo investigado pela Polícia Civil.

O caso aconteceu na noite dessa quinta-feira (28/8) em Montes Claros (MG), no Norte do estado. A Polícia Militar foi acionada pela equipe da UPA depois que um paciente deu entrada com indícios de negligência médica. Ele estava em companhia de uma mulher que se dizia acompanhante do idoso, mas dava informações contraditórias. 

Segundo o boletim de ocorrência, duas médicas disseram que o idoso deu entrada na UPA em estado que demandava internação imediata na sala vermelha, para estabilização. Depois de oito horas em observação, no entanto, ele não apresentou melhora e morreu horas depois na unidade de saúde.

Às médicas, uma acompanhante afirmou que era sobrinha do paciente e que cuidava dele em casa há cerca de um ano, uma vez que ele rejeitou uma internação em clínica de reabilitação. Porém, ela entrou em contradição ao dizer há quanto tempo cuidava do idoso e o tempo de estadia na clínica. As médicas entraram em contato com a clinica, que negou que o paciente tenha sido acolhido lá, e com o filho dele, que também forneceu informações controversas. 

Conforme os registros, as médicas constataram que o estado de saúde do idoso era compatível com negligência ocorrida em um período superior a dois ou três dias. Segundo elas, o estado do paciente era gravíssimo e as chances de morrer eram altas.  

Sobrinha ou terapeuta?

No local, a acompanhante foi novamente alvo de questionamentos, desta vez pela equipe policial. Primeiramente, ela disse que era sobrinha do idoso, que teria sido encaminhado pela prefeitura de uma cidade da Bahia e pela família a uma clínica de reabilitação para dependentes químicos e alcoólicos na cidade. Mas o idoso não aceitou e ele foi enviado para a casa dela, em Monte Alegre (MG), para que ela pudesse cuidar dele.  

A mulher foi informada que os policiais iriam averiguar a casa dela e, com isso, mudou a versão. Disse ter sido contratada pela família para cuidar do idoso depois que ele saiu da suposta clínica. Ela chegou a mostrar conversas com um homem responsável por clínicas na região, que continham informações sobre o estado de saúde do idoso. Dentre elas, havia uma mensagem que dizia "Eu não vou te dedurar", da terapeuta para o responsável.

Pacientes eram sedados com medicação veterinária

Os militares seguiram para suposta clínica que teria sido rejeitada pelo idoso para internação, na comunidade dos Campos Elíseos, na zona rural de Montes Claros. Um responsável informou que a clínica não admite pessoas idosas e que a vítima nunca esteve no local. 

Mesmo sem documentos de internação, porém, foi encontrado um registro de entrada. Um interno contou que se lembra do idoso lá durante uma semana, e que ele teria sido mandado para outra clínica da rede. 

Pacientes afirmaram ser maltratados na clínica, ficarem sem alimentação e condições adequadas, recebendo tratamento com sedação por medicamentos tarja-preta e veterinários. Os medicamentos foram encontrados pelos policiais e o funcionário responsável não encontrou receitas indicando o uso.

Ainda conforme a documentação policial, o banheiro tinha uma fossa aberta e a água fornecida aos internos era de um poço artesiano, sem tratamento. A clínica também não tem extintores de incêndio. 

Durante a visita policial ao estabelecimento, pacientes pediram aos militares para deixar a clínica e, pelo fato de nenhum deles estar lá por determinação judicial, foram orientados a sair do local assim que o dia amanhecesse. Outros internos se recusaram a falar com os policiais, dizendo que seriam punidos assim que  fossem embora. 

Mentira por coação

Com a morte do idoso na UPA, a acompanhante foi novamente questionada e informou ter sido contratada pela clínica em 9 de agosto. Desde então, tem cuidado pessoalmente do idoso lá. Segundo ela, desde o início, o idoso estava debilitado, sempre acamado e precisando de apoio para andar e comer. Ela nunca viu médico ou enfermeiro na clínica.

Segundo a mulher, o idoso apresentou piora cerca de três dias antes. Ele não conseguia mais falar e precisava ser alimentado por seringa. Ela pediu que o responsável pela clínica, com o qual conversava por mensagens, providenciasse atendimento médico na quarta-feira (27), mas o pedido foi concedido apenas no dia seguinte, quando o idoso expeliu sangue pela boca. 

Aos militares, a terapeuta admitiu que mentiu quando disse ser sobrinha por coação do dono das clínicas. Também afirmou que mentiu sobre o local onde o idoso estava internado a pedido de um psicólogo, que disse que a unidade dos Campos Elíseos era a única com alvará vigente. Com isso, o dono das clínicas fugiria e conseguiria remanejar pacientes idosos.

A mulher também não soube informar em que clínica onde o idoso esteve pela última vez, dizendo que não saberia descrever a região por ser de outra cidade.

Os militares tentaram contato com o dono das clínicas, um homem de 29 anos, mas ele se recusou a informar onde estava e até a publicação dessamatéria, não havia sido encontrado. Ele também foi procurado pela reportagem para esclarecimento e o espaço segue aberto.

O corpo foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML) e a terapeuta foi presa por falsidade ideológica e crime de maus-tratos contra idoso. Ela foi encaminhada à delegacia e entregou o celular, afirmando que forneceria todas as informações necessárias para ajudar no caso.

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Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Montes Claros informou que o alvará sanitário da clínica está regularizado no município. 

Responderá em liberdade

A Polícia Civil informou que investiga a clínica e que a mulher foi conduzida ao sistema prisional, autuada por expor a perigo a integridade e saúde de um idoso. A pena para o crime é de 1 a quatro anos e multa. No mesmo artigo, é imposto que, caso a exposição resulte em lesão corporal grave, a pena é elevada para reclusão de 2 a 5 anos e multa. E em caso de morte, 4 a 12 anos e multa.

Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Publica (Sejusp), a terapeuta esteve sob custódia no Presídio Alvorada, em Montes Claros, entre a manhã e a tarde de sexta-feira (29).

Durante a tarde, ela passou por audiência de custódia a pedido do Ministério Público, que solicitava a prisão preventiva. A juíza de direito Solange Procópio, da Vara de Execuções Penais da Comarca de Montes Claros, considerou que, apesar da gravidade do delito e da repercussão social, não há motivos para decretar prisão preventiva.

De acordo com a juíza, a terapeuta é ré primária e não tem antecedentes criminais. Com isso, não há risco de ordem pública ou indícios de que repetiria a conduta, uma vez que é um caso isolado. Agora, a mulher pode responder ao processo em liberdade, mas deve manter endereço atualizado e comparecer aos atos do processo.

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