COP das Quebradas leva vilas e favelas ao centro do debate climático em BH
Nos dias 3 e 4 de outubro o evento reunirá moradores e lideranças para construir o Manifesto das Quebradas, que será levado à COP30 em Belém
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Siga noNo coração das vilas e favelas de Belo Horizonte, onde cada verão traz o medo das enchentes e cada inverno escancara a falta de infraestrutura, moradores, lideranças e artistas se mobilizam para mudar a história. É nesse cenário que nasce a COP das Quebradas – Unindo Vilas e Favelas por Justiça Social e Climática, que será realizada nos dias 3 e 4 de outubro, no Centro de Referência das Juventudes (CRJ), no Centro da capital. O evento quer transformar a dor em ação, mostrando que as periferias têm voz e soluções para a crise climática.
Entre ruas estreitas e casas coladas, moradores sentem na pele os efeitos da crise climática: enchentes, ondas de calor, mofo, aumento de doenças respiratórias e escassez de alimentos frescos. O evento busca dar protagonismo às comunidades mais impactadas e construir coletivamente soluções que respeitem saberes tradicionais, territoriais e acadêmicos.
O projeto é uma iniciativa de Júlio Fessô, diretor da Coordenadoria de Vilas e Favelas da Regional Centro-Sul, em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) e da Diretoria de Educação Ambiental. Júlio conta que a ideia surgiu durante uma ação de plantio no Aglomerado da Serra: “Era uma ideia de que eu tinha de fazer algo desse tamanho, e, em uma conversa com o secretário de Meio Ambiente, ele achou importante e apoiou o projeto junto à Secretaria de Educação Ambiental”.
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Sua trajetória inclui o “Ano na Quebrada”, desde 2011, o primeiro seminário de mudanças climáticas no Morro do Papagaio, a primeira Carta de Direitos Humanos do território e a participação na primeira conferência livre de vilas e favelas, cuja proposta foi priorizada pelo Ministério do Meio Ambiente. “Essa experiência nasce do olhar de quem vive e sente na pele os impactos climáticos. As soluções já existem, mas precisam ser valorizadas”, afirma Júlio.
Para ele, realizar a COP das Quebradas em BH tem simbolismo profundo: “Foi aqui, no coração de uma ação comunitária, que a ideia nasceu, e é aqui que ela se tornará realidade. BH mostra que soluções climáticas precisam começar de baixo para cima”.
Segundo Ana Paula Assunção, diretora de Educação Ambiental da SMMA, a prefeitura tem papel central na organização: “A COP das Quebradas é um preparatório para a COP30, junto com várias organizações e movimentos sociais. O objetivo é levar a discussão da emergência climática para a população mais vulnerável, promovendo diálogo e construção de soluções coletivas”.
O evento contará com grupos temáticos que abordarão águas e matas, saúde, calor, racismo ambiental e justiça climática, culminando na produção do Manifesto das Quebradas, que reunirá diretrizes sobre adaptação territorial, infraestrutura, educação ambiental e justiça climática e será levado à COP30 em Belém (PA).
Mobilização e rolezinhos
Entre 29 de setembro e 1º de outubro, haverá rolezinhos e visitas guiadas pelos territórios, permitindo que os participantes conheçam iniciativas de enfrentamento à crise climática e ouçam quem mora nas comunidades. “É um momento para iniciar a discussão, que será finalizada no evento principal com a construção do documento”, explica Ana.
Júlio reforça: “Se a favela não vai à COP, por que não trazer a COP até as quebradas? Moradores e lideranças já praticam mitigação dos impactos climáticos, mesmo sem perceber, e é essencial dar visibilidade a essas ações”.
Personagens reais, soluções locais
Um exemplo concreto dessas iniciativas vem de Gláucio Júnior, idealizador do projeto “Árvores para Todos”, que participará da COP das Quebradas por convite de Júlio Fessô. O projeto nasceu em setembro do ano passado como resposta às áreas verdes abandonadas. “O objetivo dele é que a própria comunidade, em apoio com a prefeitura, faça manutenção, plantio, cuide e valorize esses locais. Hoje, muitas casas e locais perderam o espaço verde no quintal, por isso falo com a comunidade: abraça a ideia do projeto, valoriza, porque daqui a um tempo a gente tem amora, acerola, pitanga, jabuticaba para colher”, explica Gláucio.
Desde o início, foram plantadas dezenas de árvores em Parque do Bicão e Santo Antônio, com participação direta dos moradores. “Eu marco o plantio e convoco a comunidade. A prefeitura abre os espaços para a ação, e a população planta. As ações de manutenção são constantes, verificando o estado das mudas e garantindo que elas cresçam”, detalha. Para Gláucio, a COP das Quebradas representa um grande passo e pontapé inicial para a comunidade se engajar em ações climáticas: “Poucas atividades são voltadas para o público daqui. Plantar árvores é o começo de várias ações que envolvem cuidado ambiental, reciclagem e prevenção de queimadas. Esse evento é uma oportunidade para desenvolver outras iniciativas e conscientizar o público das vilas e favelas”.
Outra voz presente será a de Raquel Mattos, educadora ambiental do Morro do Papagaio. Para ela, a COP das Quebradas é “uma chance histórica de fazer ecoar as vozes das periferias, que raramente chegam aos grandes fóruns internacionais”.
Raquel relata que o cotidiano do Morro evidencia a injustiça climática: “Com o crescimento dos prédios ao redor, nossas casas ficaram mais próximas; se não há árvores, fica quente demais. Queremos que olhem para nós, para nossa realidade, e reconheçam que somos protagonistas na luta por um futuro sustentável”.
A prefeitura atua na mobilização e na estruturação dos rolezinhos, além de manter programas como Escola Verde, que transforma escolas em ecossistemas verdes, criando ilhas de conforto climático e promovendo educação ambiental entre crianças e jovens.
Mais um degrau na pauta ambiental
Segundo Júlio Fessô, o evento é um passo importante para dar protagonismo às comunidades periféricas. “Muito dificilmente você vai ver as quebradas na ponta da COP. Se a favela não vai à COP, por que não trazer a COP até as quebradas? Moradores e lideranças já praticam mitigação dos impactos climáticos, mesmo sem perceber, e é essencial dar visibilidade a essas ações”, explica.
A realidade enfrentada pelas vilas e favelas reflete o fenômeno do racismo ambiental, termo criado na década de 1980 nos EUA para descrever injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre populações vulneráveis, principalmente negras. No Brasil, comunidades periféricas e majoritariamente negras sofrem com a falta de saneamento, acesso precário à água potável, infraestrutura urbana deficiente e condições de moradia inadequadas, que tornam os efeitos das mudanças climáticas ainda mais severos. “Não existe justiça climática sem justiça social”, reforça Fessô.
A COP30, em Belém, reúne líderes mundiais, cientistas e representantes da sociedade civil para discutir temas como redução de emissões, adaptação às mudanças climáticas, energias renováveis, preservação de florestas e justiça climática. O evento reforça a importância de políticas públicas construídas de baixo para cima.
A prefeitura, por meio do projeto Transformador e do programa Periferias Verdes, garante a continuidade das ações, apoiando projetos ambientais existentes e promovendo iniciativas que melhorem a qualidade de vida nos territórios mais vulneráveis.
O Mapa de Vulnerabilidade Climática de BH mostra que as áreas periféricas são as mais atingidas por eventos extremos, evidenciando a necessidade de escuta, participação e construção coletiva de soluções.
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Os dois dias de programação incluirão discussões temáticas e a apresentação do Manifesto das Quebradas, com a presença do secretário municipal de Meio Ambiente, João Paulo Menna Barreto.
Como participar
Qualquer pessoa interessada pode participar da COP das Quebradas. O evento será realizado nos dias 3 e 4 de outubro de 2025, no Centro de Referência das Juventudes (Rua dos Guaicurus, 50, Centro). As inscrições para os interessados em participar das discussões estão abertas até 30 de setembro; basta preencher o formulário online. Mais informações podem ser consultadas no site oficial do evento.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata