Morte de gari: delegada confidenciou ao irmão que suspeitava do marido
Ana Paula já foi indiciada por prevaricação, por saber do crime e não acionar a polícia e por porte ilegal de arma de fogo, por ceder sua arma para Renê
compartilhe
Siga noA delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, esposa de Renê da Silva Nogueira Júnior, acusado de matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, contou para seu irmão no dia do crime que desconfiava que o marido estaria envolvido no homicídio.
A informação foi confirmada pelo familiar da servidora em depoimento à 4ª Subcorregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), durante investigações a respeito do envolvimento da mulher no crime e anexada ao inquérito policial, a que o Estado de Minas teve acesso. A Justiça decretou sigilo às informações do documento na tarde desta terça-feira (23/8).
Em 11 de agosto, antes de Renê ser preso pela Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) em uma academia na Avenida Raja Gabaglia, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, Ana Paula já tinha descoberto que o marido estava envolvido na morte do gari, no Bairro Vista Alegre, na Região Oeste de Belo Horizonte.
Conforme informações obtidas pela Corregedoria, após quebra do sigilo telefônico de Ana Paula, e anexadas ao inquérito policial, por volta das 15h o irmão da servidora lhe enviou o link de uma matéria sobre o crime feita por um veículo de comunicação da capital. Momentos antes, os dois haviam conversado por telefone.
Leia Mais
Ao ser intimado pela corporação, o homem relatou que ligou para a irmã para falar de outro assunto e para “sondar” se o carro dela, da marca BYD, seria o mesmo que aparecia em uma reportagem sobre a morte de Laudemir. Na ligação, segundo o depoente, Ana Paula disse estar atordoada e tentava apurar se Renê estava envolvido, ou não, com o fato. Os dois voltaram a se falar mais tarde, mas a delegada já sabia que o marido havia sido abordado pela PM.
Delegada sabia do crime
Durante o inquérito da Corregedoria para apurar o envolvimento da servidora no homicídio, os investigadores, por meio de análises do celular da delegada, conseguiram confirmar que ela sabia que Renê era suspeito do crime, mas não acionou a polícia.
Conforme o documento, Ana Paula fez 29 pesquisas na plataforma de Registro de Eventos de Defesa Social (REDS), onde estão boletins de ocorrências em andamento e finalizados. As consultas aconteceram das 10h30 às 13h20. Entre os filtros usados pela delegada estavam seu nome, a placa do carro usado pelo marido, o nome de Renê e o nome da vítima.
Ao longo das investigações sobre a morte de Laudemir, a PCMG não conseguiu confirmar se a delegada sabia, ou não, que o marido matou uma pessoa a caminho do trabalho. Durante coletiva de imprensa, após a conclusão do inquérito criminal, o delegado Matheus Moraes afirmou que no dia do crime diversas mensagens trocadas entre os dois foram excluídas e eles teriam passado a se comunicar por ligação via aplicativo de mensagem.
“Há várias mensagens apagadas no celular dele e isso dificultou essa conclusão da ciência dela, ou não, da prática criminosa. Porém, alguns áudios foram recuperados, o que possibilitou que chegássemos à conclusão que ela tinha ciência do porte de arma”, afirma.
No entanto, durante as investigações administrativas, na Corregedoria da corporação, os policiais conseguiram recuperar, após a quebra do sigilo dos conteúdos do celular da delegada, que às 14:37 Ana Paula mandou um print de uma matéria publicada por um veículo de imprensa de BH com imagens do carro usado pelo suspeito de matar o gari. Em seguida, o homem liga para a esposa e os dois conversam por cerca de 7 minutos.
De acordo com o documento, na segunda-feira (11/8), Ana Paula ligou para o marido 23 vezes entre 9h18 - nove minutos depois do crime e 16h33, momentos antes da prisão do principal suspeito Renê da Silva Nogueira Júnior, marido da delegada. Dos contatos, apenas seis não foram atendidos pelo empresário.
Durante o depoimento prestado logo após sua prisão em flagrante, Renê afirmou que ligou para a esposa na manhã do dia 11 de agosto, por volta das 8h40, informando que o trânsito estava ruim. Segundo ele, a próxima ligação teria ocorrido às 14h, quando avisou que tinha saído para passear com os cachorros. Por fim, Renê disse ter entrado em contato novamente com a esposa assim que foi abordado pelos policiais militares.
Diante das informações a Corregedoria da PCMG indiciou a delegada por suposta prática de prevaricação. Conforme o Código Penal, o crime acontece quando um funcionário público retarda ou deixa de praticar um ato de ofício por motivo de interesse. Ao Estado de Minas, o advogado de Ana Paula, Leonardo Avelar Guimarães, ressaltou que, devido ao estado de saúde da servidora, não foi possível o “exercício efetivo do seu direito de defesa no referido inquérito”.
“O mérito dessa conclusão será discutido oportunamente, assim como outras questões já publicizadas. Ela (Ana Paula) não teve condições de esclarecer pessoalmente os fatos investigados pela Corregedoria em razão do seu estado atual”, declarou o defensor.
Confronto de informações
Ao longo das investigações ficou comprovado que as contradições não se restringiam ao principal suspeito do homicídio, mas também a sua esposa. Desde 11 de agosto, a Corregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) instaurou um procedimento administrativo para investigar a participação da delegada no crime. No dia, Ana Paula foi levada até a sede do órgão correcional para ser ouvida a respeito do uso de sua arma pessoal no possível crime e teve seu celular e armas apreendidos.
Conforme consta em seu termo de declaração, anexado ao inquérito, a servidora afirmou que guardava suas armas de fogo na sua casa, em seu escritório particular, na parte alta de uma estante em um “cantinho”. De acordo com ela, as pistolas eram armazenadas dessa forma por dois motivos, o primeiro por ela não ter um cofre e o segundo caso fosse preciso pegá-las em algum momento de urgência.
Ao ser questionada se o marido sabia onde as armas ficavam guardadas a delegada afirmou acreditar que sim, mas não podia afirmar. Em relação à possibilidade de Renê usar as pistolas em alguma situação, Ana Paula afirmou que “nunca presenciou” o investigado manejando as armas e “nunca” autorizou, cedeu, forneceu ou emprestou qualquer armamento.
No entanto, as informações dadas pela servidora foram refutadas pela investigação. Em conversas obtidas após a quebra do sigilo telefônico e telemático de Renê, foi comprovado que Ana Paula sabia e consentiu com o empréstimo das armas. Em uma das troca de mensagens recuperadas, datada de 19 de março, o empresário afirma que iria buscá-la no trabalho. Na sequência, o homem avisa a mulher que chegou ao endereço e ela sugere que iria apresentá-lo a uma colega delegada. No entanto, ela faz uma ressalva: “Só esconde a arma rs [risos, na linguagem do WhatsApp]”.
Em análise às provas coletadas, o delegado responsável pelo caso concluiu que Renê tinha “amplo e irrestrito acesso aos armamentos de sua esposa”, incluindo sua arma de uso profissional concedida pela Polícia Civil. Por isso, Ana Paula foi indiciada por porte ilegal de arma de fogo, por ceder ou emprestar sua arma para outra pessoa.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Como o crime aconteceu?
- Equipe de coleta de lixo trabalhava na Rua Modestina de Souza, Bairro Vista Alegre, em BH, na manhã do dia 11 de agosto.
- Motorista do caminhão, Eledias Aparecida Rodrigues, 42 anos, manobra para liberar passagem, após ver uma fila de carros se formar atrás dela.
- Eledias e os garis acenam para Renê da Silva, que dirigia um carro BYD, permitindo a passagem.
- O suspeito abaixa a janela e grita que, caso encostasse em seu veículo, ele iria "dar um tiro na cara" da condutora.
- Na sequência, ele segue adiante, estaciona, sai do carro armado; derruba o carregador, recolhe e engatilha pistola, segundo o registro policial.
- Ele faz um disparo que atinge Laudemir no abdômen.
- O gari é levado ao Hospital Santa Rita, em Contagem, na Grande BH, mas morre por hemorragia interna.
- No local, PM recolhe projétil intacto de munição calibre .380.
- Horas depois do crime, a PM localiza e prende Renê no estacionamento de uma academia na Av. Raja Gabaglia.
- A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva na audiência de custódia, no dia 13 de agosto, a pedido do Ministério Público de Minas Gerais
- Renê está preso no Presídio de Caeté, Grande BH