Atingidos pela tragédia em Brumadinho se manifestam contra fim de programa
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) planeja uma mobilização nesta quinta (25) em BH para manter Programa de Transferência de Renda
compartilhe
Siga noCom o anúncio do fim do Programa de Transferência de Renda (PTR), criado como parte do Acordo Judicial para Reparação Integral após o rompimento das barragens em Brumadinho, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) planeja uma mobilização contra a decisão anunciada pelas instituições de Justiça na última quinta-feira (19/9).
Na data, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) afirmaram que os últimos pagamentos vão ser finalizados em outubro, incluindo os valores retroativos pendentes.
Para a entidade que representa os atingidos pela tragédia, o fim do PTR é sinônimo de insuficiência do Acordo Judicial, feito sem participação popular e com falhas de gestão e fiscalização. “Depois de quase sete anos do crime da Vale, a reparação segue longe de terminar e as pessoas atingidas estão perdendo seus direitos”, afirmou o MAB em nota.
Ao Estado de Minas, o membro da Coordenação Estadual do MAB, Guilherme Camponês, disse ter sido surpreendido com a decisão que antecipa a interrupção do pagamento - que estava prevista para acontecer em dezembro deste ano.
“Anteciparam o final do PTR para dois meses antes do que estava previsto. É muito preocupante essa medida. A maior parte das famílias não está preparada para o corte, que, em sua maioria, utiliza do dinheiro para pagar o básico da sobrevivência”, explicou. “Vai ser um um impacto muito grande em toda bacia. Deve gerar fome, agravar os problemas trazidos pelo rompimento, os problemas de saúde, sobretudo saúde mental”, completou.
Leia Mais
No texto divulgado pelos órgãos judiciais é destacado que o PTR teve como financiamento inicial R$ 4,4 bilhões e, embora o Programa tivesse previsão de quatro anos de funcionamento, “a boa gestão propiciou o acréscimo de R$ 1,3 bilhão, permitindo assim a extensão do seu funcionamento até os dias atuais”, escreveram.
Os órgãos encerram a nota afirmando que o fim do PTR é uma “consequência natural”, devido ao fim dos seus recursos e do cumprimento das disposições já previstas em acordos e editais. “O encerramento do Programa foi expressamente previsto no Edital e se deve, ressaltamos, à distribuição da totalidade dos recursos destinados a ele, conforme estabelecido no Acordo de Reparação”, finaliza.
Outro ponto citado por Camponês é a falta da reparação socioambiental. Ele explicou que muitos moradores seguem se sentindo inseguros. “A Vale não tirou o rejeito do rio, só limpou uma área muito pequena. Não sabemos, por exemplo, se é seguro ficar na beira do rio, convivendo com a poeira do rejeito, com a água contaminada”, disse.
“A reparação socioambiental é uma outra questão que não avança. Os estudos de risco à saúde humana e risco ecológico estão super atrasados, até hoje não concluíram a primeira fase. (...) Isso mais de seis anos depois do crime, o que é um absurdo”, finalizou.
Atingidos lutam para manter auxílio desde o início do ano
Em março deste ano, o MAB articulou uma ação na Justiça pedindo a aplicação da Lei da Política Nacional de Direito das Populações Atingidas por Barragens - legislação que prevê o direito ao auxílio financeiro emergencial até que as famílias tenham as mesmas condições antes do rompimento das barragens.
“No nosso entendimento, essa condição só retoma quando tiver sido feita a reparação. Até hoje não foram indenizadas todas as famílias, estou dizendo reparação individual. A reparação coletiva, na forma dos projetos comunitários, ainda não começou, com previsão dos projetos serem executados no começo do ano que vem. O PTR era uma mitigação que acabaria em dezembro, antes de ter sido concluída a reparação”, explicou Camponês.
Já em maio, integrantes do MAB e atingidos protestaram em Belo Horizonte, pedindo que a mineradora Vale complementasse o pagamento do auxílio emergencial. Na data, os atingidos se reuniram no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para discutir a respeito do PTR, que já estava previsto para acabar no fim do ano.
Na época, o membro da Coordenação Estadual do MAB conversou com a reportagem do EM e disse que os atingidos estavam esperançosos após reunião com o judiciário.
“Ela [a juíza Maria Dolores Cordovil] disse que está colhendo informações no processo e que ainda vai ter a decisão definitiva, porque essa primeira decisão foi liminar. Então ainda vai fazer o julgamento definitivo da ação”, contou. “Se, de fato, a justiça for feita, a gente tem certeza que vai dar ganho de causa para a população atingida”, completou.
Após a reunião, cerca de 700 atingidos das cinco regiões da Bacia do Paraopeba caminharam pelo centro da capital mineira. A Marcha dos Atingidos começou na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na Avenida Afonso Pena, passou pela Praça Sete e foi finalizada na Praça da Estação.
Com a decisão das Instituições de Justiça pelo fim do PTR, a entidade planeja um dia de manifestações contra a medida. Nesta quinta-feira (25/9), atingidos pela tragédia em Brumadinho vão marchar até a sede do Tribunal de Justiça, local que recebe uma reunião com a presidência do órgão às 10h30. Durante a tarde, o grupo irá até o Ministério Público Federal e vão caminhar até a Defensoria Pública de Minas Gerais.
Seis anos de luta
A tragédia aconteceu em 25 de janeiro de 2019, quando o rompimento das barragens B-I, B-IV e B-IVA, da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana, soterrou 272 pessoas, além de liberar uma avalanche de rejeito que alcançou o Rio Paraopeba. Em março do mesmo ano, foi estabelecido o Pagamento Emergência aos atingidos.
Em fevereiro de 2021, a Vale firmou um Acordo Judicial para Reparação Integral no valor de R$ 37,6 bilhões para a reparação dos danos ambientais e sociais, sendo R$ 4,4 bilhões para o Programa de Transferência de Renda (PTR), substituindo o Pagamento Emergencial. Em setembro, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) foi escolhida para gerenciar o PTR e o início dos pagamentos aconteceu em novembro de 2021.
Três anos depois, em novembro de 2024, a FGV anunciou a redução dos valores do auxílio. Em março de 2025, a gestão começou a diminuir os repasses para garantir que o auxílio dure até dezembro deste ano - medida que foi alterada na última semana.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Falta de repasses para Assessoria Técnica Independente (ATI)
Na última semana, o Instituto Guaicuy, entidade sem fins lucrativos, que luta pela preservação da bacia do Rio das Velhas, anunciou a decisão de colocar parte da equipe da Assessoria Técnica Independente (ATI) das pessoas atingidas pela tragédia em aviso prévio, por falta de repasses financeiros.
As ATIs viraram, em 2021, um direitos das pessoas atingidas, de acordo com a Política Estadual de Pessoas Atingidas por Barragens (PEAB). A Assessoria Técnica é uma organização independente que busca garantir o direito à informação dessas vítimas e assegurar a participação delas nos processos de reparação integral.
Em nota divulgada nas redes sociais, a diretoria do Instituto Guaicuy destacou que a medida é obrigatória diante da ausência de recursos, mas que ela “poderá ser revertida caso ocorra a homologação do Termo Aditivo e a liberação urgente dos valores correspondentes”.
O Estado de Minas entrou em contato com o Instituto, questionando se há alguma atualização sobre os repasses financeiros, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.