Os primeiros registros fotográficos com seus metadados (local, hora e posição) e testemunhos técnicos sobre o segundo maior diamante garimpado no Brasil, bem como as relações da mineradora que o apresentou, a Diadel Mineração, estão entre as evidências mais importantes para a investigação da Polícia Federal (PF) sobre a verdadeira origem e propriedade da pedra preciosa.
Estes são elementos sobre os quais a PF e a Agência Nacional de Mineração (ANM) se debruçam na investigação que, por enquanto, culminou na retenção da gema de 646,78 quilates, como mostrou ontem (2/9) com exclusividade a reportagem do Estado de Minas.
A retenção ocorreu devido a suspeitas sobre a real origem do diamante e a legalidade da extração. Foi determinada em 27 de agosto, justamente na data em que a gema receberia o lacre final do Certificado do Processo de Kimberley (CPK), na ANM, o que permitiria a sua exportação.
A empresa Diadel Mineração alega ter encontrado o diamante em Coromandel, no Alto Paranaíba. Contudo, a investigação apura a possibilidade de a pedra ser, na verdade, de um garimpo legal da Carbono Mineração, no Rio Araguari, na cidade de mesmo nome, no Triângulo Mineiro. A suspeita é que o diamante tenha sido desviado para encobrir seu furto e esquentar sua documentação para venda.
Uma nova leva de documentos foi exigida da mineradora que apresentou o diamante, com um prazo de 60 dias para a entrega. A reportagem do EM apurou que, para os agentes da PF e da ANM que trabalham na investigação, entre os elementos mais importantes estão os registros de pesagem do diamante de 647,34 quilates.
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A produção de diamantes é informada mensalmente, mas para isso a empresa precisa ter seu controle de produção diário. Nesse controle é que se declara a pesagem da pedra, se registra a fotografia da gema e a da pesagem dela dentro da mina. Esse arquivo fotográfico é importante, por conter metadados que podem revelar a data exata e a hora em que foi feita a captura da imagem. Dependendo do aparelho usado para fotografar, até mesmo as coordenadas são registradas e podem ser recuperadas ainda que depois de apagadas.
Há várias fotografias da pesagem do diamante circulando pelas redes sociais, o que reforça ser essa uma evidência que deveria ser facilmente fornecida dentro do prazo. Em caso de suspeitas, essas máquinas fotográficas, computadores, celulares ou cartões de memória podem ser apreendidos para resgatar os registros. Trata-se de uma prova robusta sobre onde foi feita a extração do diamante e em que data. Ou mais um ingrediente para levantar suspeitas em caso de divergência.
ATÉ A CAVA É PROVA
Foram exigidos também a planilha da produção mensal com identificação específica do local de extração, dia, hora da apuração e registros de pesagem do diamante com a assinatura do responsável. Essa determinação do local também é muito importante na investigação que está em curso, pois vídeos e testemunhos de pessoas que estiveram no garimpo da Diadel no Rio Douradinho, em Coromandel, demonstram que se trata de um local com suspeita de estar paralisado ou em atividade esporádica.
Essa requisição da PF e ANM busca especificamente a cava onde foi feita a extração. O que foi mostrado até o momento são apenas montes de cascalhos processados, alguns deles com vegetação arbustiva crescente, um indicativo de serem antigos (o diamante teria sido extraído em maio).
A polícia quer saber onde é a cava, o local exato da extração. Ao chegar a esse ponto, é possível verificar pelo corte feito, por exemplo, qual o volume retirado em metros cúbicos, se se trata de corte recente ou antigo –também dependendo de crescimento da vegetação, deposição de detritos no rio, erosão em época seca, crescimento de limo e líquen. O volume extraído precisa ser compatível com o que foi declarado como tendo sido processado. A cava precisa ser condizente com o volume de cascalho processado no período declarado.
INCONSISTÊNCIAS E SUSPEITAS
A pesagem e a assinatura do responsável técnico também podem conter indícios de fraude ou comprovar a licitude. A ANM faz um controle semestral devido ao CPK, onde é checado o diário de mina. Nesse documento, a empresa demonstra seu controle de volumes produzidos e processados e a apuração, que é a produção de diamantes. Isso tudo demanda a assinatura de um responsável, um dos garantidores da lisura do processo. Em caso de suspeitas, ele pode ser chamado a depor e ser confrontado sobre seu paradeiro e ações por meio de testemunhas e registros.
No mesmo dia que a Diadel Mineração teve o diamante retido, a empresa protocolou um pedido de cancelamento da certificação CPK, um movimento considerado atípico pelo mercado, uma vez que a venda já estaria acertada.
A ANM expediu uma notificação à mineradora, concedendo 60 dias para que apresente uma série de documentos comprobatórios. Entre as exigências, estão planilhas detalhadas sobre o local, data e hora da extração, registros de pesagem e a identificação de todas as pessoas que manusearam a gema.
As autoridades também requisitaram um parecer técnico que ateste a compatibilidade geológica da pedra com a origem declarada em Coromandel. De forma direta, a agência questionou se a Diadel Mineração tem ou já teve alguma relação comercial ou operacional com a empresa Carbono Mineração, que opera em Araguari, o suposto local de origem do diamante.
A Diadel Mineração foi fundada em 2004 e tem como sócio-administrador, desde 2024, Carlos César Manhas. O empresário já tem um histórico controverso no setor. Em 2002, foi preso pela PF em Rondônia com um grupo de brasileiros e israelenses por posse de diamantes que seriam da Reserva Indígena Roosevelt, onde a mineração é proibida.
Na ocasião, Manhas foi condenado por receptação de bem pertencente à União. A acusação apontava que seu papel era facilitar o comércio ilegal das pedras para compradores estrangeiros, especialmente de Israel, com os quais ele manteria conexões até hoje, segundo fontes do setor em Coromandel.
VENDA INCOMUM
A forma como a venda do diamante foi conduzida também levantou suspeitas. Compradores do mercado nacional afirmam não terem sido consultados, o que é incomum para uma gema de tal importância. A falta de um leilão para valorizar a pedra e o preço pelo qual especula-se que ela tenha sido vendida, entre R$ 16 milhões e R$ 18 milhões, considerado baixo para uma peça que poderia alcançar R$ 50 milhões, reforçam as inconsistências.
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A operação da Diadel Mineração em Coromandel é outro ponto de interrogação. Garimpeiros e vizinhos da área afirmam que a mina estava frequentemente parada, retomando as atividades de forma esporádica apenas em maio e junho, e cessando novamente logo após a divulgação da descoberta. A prática contraria a lógica da mineração, que intensificaria a exploração após um achado tão significativo.
A reportagem tentou contato com a Diadel Mineração e seu sócio-administrador, mas não obteve resposta até o momento. A consultoria que representa a empresa na ANM afirmou não ter autorização para comentar o caso. A PF não se manifestou sobre a investigação, e a ANM informou que o processo corre em sigilo para proteger os envolvidos.