A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu que a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, esposa de Renê da Silva Nogueira Júnior, permitia que o homem indiciado pelo homicídio do gari Laudemir, em 11 de agosto, usasse sua arma profissional, fornecida pelo governo de Minas Gerais. A informação consta em documentos entregues pela investigação à Justiça.
De acordo com o documento, a que o Estado de Minas teve acesso, os investigadores concluíram que Renê não só tinha acesso aos armamentos, como os usava. “Tanto a pistola glock calibre .380, usada para a prática de crime, como também a pistola glock, calibre 9 mm perntencente à carga da PCMG”, aponta a corporação.
Assim como o marido, a delegada Ana Paula foi indiciada. Ela poderá responder judicialmente por porte ilegal de arma de fogo, conforme previsto na Lei de Desarmamento por ter cedido ou emprestado sua pistola de uso pessoal para o companheiro. Durante coletiva de imprensa, para apresentação dos resultados das investigações, o delegado Evandro Radaelli afirmou apenas que a servidora permitia e tinha ciência que Renê usava sua pistola de uso pessoal, calibre .380, não chegando a citar a de uso profissional da corporação.
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Segundo o delegado Matheus Moraes, após a quebra do sigilo telefônico do acusado, foi possível analisar a conversa do casal. Ele explica que em algumas mensagens, em datas anteriores ao crime, ficou claro que Ana Paula consentia com o uso da arma pelo companheiro. Caso seja condenada, a delegada poderá pegar de 2 a 4 anos de prisão. Além disso, caso haja o entendimento pela Justiça, a pena pode ser ampliada em 50%, por ela ser servidora pública.
“Nós apuramos que ela [Ana Paula] tinha ciência que ele andava armado de forma habitual e que consentia com tal comportamento. Nós analisamos preteritamente todas as conversas que eles tiveram”, informou Moraes.
Durante o depoimento prestado logo após sua prisão em flagrante, Renê afirmou que ligou para a esposa na manhã do dia 11 de agosto, por volta das 8h40, informando que o trânsito estava ruim. Segundo ele, a próxima ligação teria ocorrido às 14h, quando avisou que tinha saído para passear com os cachorros. Por fim, Renê disse ter entrado em contato novamente com a esposa assim que foi abordado pelos policiais militares.
Ao longo das investigações, a PCMG não conseguiu confirmar se a delegada sabia, ou não, que o marido matou uma pessoa a caminho do trabalho. Ainda segundo Matheus Moraes, no dia do crime diversas mensagens trocadas entre os dois foram excluídas e eles teriam passado a se comunicar por ligação via aplicativo de mensagem. O delegado explica que o conteúdo das chamadas não é possível ser acessado, mesmo com a quebra do sigilo telemático.
“Há várias mensagens apagadas no celular dele e isso dificultou essa conclusão da ciência dela, ou não, da prática criminosa. Porém, alguns áudios foram recuperados, o que possibilitou que chegássemos à conclusão que ela tinha ciência do porte de arma”, afirma.
Processo administrativo
Desde 11 de agosto, a Corregedoria da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) instaurou um procedimento administrativo para investigar a participação da delegada no crime. No dia, Ana Paula foi levada até a sede do órgão correcional para ser ouvida em relação ao uso de sua arma pessoal no possível crime e teve seu aparelho celular e armas apreendidos. Na ocasião, segundo repassado à imprensa pelo porta-voz da corporação, o delegado Saulo Castro, a servidora afirmou que o marido não tinha acesso aos dois artefatos. Além disso, a delegada afirmou que não tinha nenhuma informação em relação ao crime em que o companheiro foi preso por suspeita de participação.
Dois dias depois da morte do gari Laudemir, a delegada Ana Paula foi afastada de suas funções para tratamento de saúde no Hospital da Polícia Civil, por 60 dias. O pedido, conforme a PCMG, segue “os termos da lei”. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado no sábado (23/8), sob assinatura do diretor-geral da unidade médica da corporação e pode ter o prazo prorrogado por mais dois meses, conforme avaliação médica. O documento não especifica a condição de saúde da servidora.
Mesmo após o indiciamento, de imediato, a servidora ainda não será afastada de suas funções. Na sexta-feira (29/8), Castro afirmou que a investigação administrativa ainda está em tramitação mas, após o prazo da licença médica, se não houver nenhum impedimento legal ela poderá retornar às suas atividades.
“Ela responde a um procedimento disciplinar. A depender do que for apurado será imposta uma penalidade, que vão desde uma repreensão até uma demissão, em casos mais graves”, ressaltou o porta-voz da PCMG.
‘Não é tão vítima assim’
Com o indiciamento da delegada, Liliane França da Silva, viúva do gari Laudemir, mudou de ideia sobre a esposa de Renê. Em audiência pública realizada no dia 20 de agosto, ela afirmou que acreditava que a delegada fosse vítima do marido. No entanto, com os desdobramentos desta sexta-feira, a viúva se disse triste e decepcionada por Ana Paula deixar a arma nas mãos de Renê.
“Eu sinceramente esperava que ela fosse [vítima de Renê], mas depois de tudo que vi hoje, não tem como ela ser tão vítima assim”.
Ao Estado de Minas, Liliane disse que vai continuar lutando para que a Justiça pelo seu marido seja feita. “Eu estava ansiosa por isso e agora a gente vai continuar lutando para que ele vá para júri popular e que a gente vá lá. A gente vai cantar o hino da vitória. A justiça vai ser feita. Vamos torcer para a pena máxima.”
Fascínio por armas
Além da comprovação do envolvimento do empresário na morte de Laudemir, as investigações indicaram que Renê possui "fascínio" por armas de fogo e o "poder" que o armamento o concedia. De acordo com o delegado Evandro Radaelli, durante análises feitas no aparelho celular do investigado foram encontradas imagens em que ele exibe diversas armas.
Em alguns vídeos, o homem aparece fazendo disparos. Ainda segundo o chefe da investigação, o artefato não é o mesmo usado no crime registrado no Bairro Vista Alegre. Além disso, o homem também demonstrava “interesse” pelo cargo ocupado pela esposa. Em uma das fotos, ele chegou a exibir o distintivo da mulher.
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O que acontece agora?
- O resultado das investigações e indiciamento do suspeito serão enviados ao Ministério Público de Minas Gerais;
- Após o recebimento dos documento, o MPMG tem até dez dias para denunciar, ou não, o indiciado à Justiça;
- Além dos crimes relatados na conclusão do inquérito o MPMG pode acusar o homem por outros delitos;
- A delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira vai continuar afastada, por motivos de saúde;
- A Corregedoria da PCMG continua as investigações administrativas contra a servidora.