A Justiça determinou, nessa quarta-feira (17/9), a expedição imediata do mandado de prisão contra o policial Ícaro José de Souza. O militar foi condenado pelo Tribunal do Júri, em maio do ano passado, a 12 anos de prisão pela morte de Igor Arcanjo Mendes, de 20 anos, mas recorre em liberdade. O jovem foi baleado na cabeça durante uma abordagem policial em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, em setembro de 2017.
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Quase sete anos após a morte de Igor Mendes, o PM foi condenado pela maioria do Tribunal do Júri da Comarca de Ouro Preto por homicídio doloso qualificado. A sentença foi proferida pelo juiz Áderson Antônio de Paulo em 15 de maio de 2024. Na ocasião, o juiz havia concedido ao condenado o direito de recorrer em liberdade, mas com recolhimento domiciliar noturno e em dias de folga.
Nessa quarta-feira (17/9), oito anos após o crime, o desembargador Sálvio Chaves determinou a expedição imediata do mandado de prisão contra o policial Ícaro José de Souza, mesmo sem o processo ter sido transitado em julgado. Para a decisão, o desembargador considerou a tese do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a “soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada". A tese consta no Tema 1068, de setembro do ano passado.
O magistrado da 7ª câmara criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acolheu os embargos de declaração interpostos pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Os desembargadores Paulo Calmon Nogueira da Gama e Cássio Salomé se manifestaram de acordo com o relator.
Defesa
Ao Estado de Minas, Alexandre Miranda, advogado de Ícaro José de Souza, afirmou que a defesa entende que os embargos de declaração são incabíveis, uma vez que, na época, a acusação não entrou com recurso para a decisão que permitiu o militar recorrer em liberdade. “Neste sentido, a decisão transitou em julgado para a acusação e não havendo recurso, que discutiu o cumprimento da pena imediata, em execução provisória, não há que se falar em omissão”, afirmou Miranda.
O advogado afirmou que entrará com recurso, e que até o momento não foi intimado da decisão do desembargador.
Relembre o caso
Igor Arcanjo Mendes, de 20 anos, estava a caminho do show dos Racionais MC's em Ouro Preto. Era a primeira vez que o jovem, que estava prestes a concluir o ensino médio, iria ver de perto o grupo que aprendeu a gostar por influência dos tios. Por volta das 21h30 de 15 de setembro de 2017, o carro que levava Igor e mais cinco amigos foi abordado por uma guarnição policial próximo ao Morro da Forca. Instantes depois de o condutor encostar o veículo, a vida do estudante foi interrompida por um tiro na cabeça, desferido pelo então tenente Ícaro José de Souza.
O inquérito policial descreve que a guarnição comandada pelo tenente Ícaro viu o Palio em que Igor estava pela Rua Doutor Pacífico Homem, no Centro de Ouro Preto, e, devido aos vidros escuros e por ter seis pessoas no interior, o veículo foi abordado. O policial Ícaro se aproximou do carro e ordenou que os passageiros descessem com as mãos na cabeça.
Segundo a defesa do PM e a descrição no inquérito, Igor teria feito um movimento brusco com os braços, segurando um objeto nas mãos – um celular, como indicado pelo inquérito e pelas testemunhas. “Neste instante, temendo por sua segurança e de terceiros, o tenente Ícaro efetuou um disparo com a arma de fogo que portava no momento da abordagem, a carabina 5.56“, informa o documento.
Na época, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) alegou que o ato foi em legítima defesa. Na versão da corporação, o veículo trafegava acima do limite de velocidade permitido para a via, o que levantou suspeita de irregularidades. Ao dar a ordem de parada, os policiais não teriam sido atendidos imediatamente.
Na condenação, o juiz afirma que a conduta do policial foi incompatível com o exercício de função pública, uma vez que ele reagiu de forma desproporcional ao efetuar o disparo letal no crânio do jovem. A sentença também reitera que Ícaro não era um militar inexperiente e dispunha de outras alternativas para abordagem.
Inquérito policial
“Ocorria na cidade um show da banda Racionais MC’s. Tem-se que as letras das músicas e o próprio estilo de portar da referida banda atraem um grande número de pessoas atuantes ou simpatizantes com o mundo do crime e da vida mais marginalizada no seio social”, pode-se ler no Inquérito Policial Militar (IPM) 116.521, concluído em novembro de 2017 pelo 52º Batalhão da PM de Minas Gerais, ao qual a reportagem do Estado de Minas teve acesso.
A citação acima aparece no subtópico “legalidade da abordagem policial” do IPM. A ligação entre o público dos Racionais e o "mundo do crime", como foi descrito, surge outras vezes no decorrer do documento e é tida como um fator que contribuiu para a “compreensão das circunstâncias em que ocorreu a abordagem do veículo suspeito”.
“As letras das músicas da banda supervalorizam a cultura da marginalidade e a suposta exclusão social, propiciando uma visão relativamente deturpada do poder público e fomentando comportamentos tendentes à cultura do caos e da vida inconsequente”, diz o inquérito.
A tese é fundamentada por uma citação do artigo na Wikipédia sobre os Racionais MC’s, abordando o caráter das letras críticas do grupo, que, segundo o site, “demonstram preocupação em denunciar a destruição da vida de jovens negros e pobres das periferias” e citam temas como a “brutalidade da polícia, do crime organizado e do estado”.
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A investigação também indica que, no mesmo dia, a corporação fazia uma operação executada pelas equipes do 1º Curso de Radiopatrulhamento de Tático Móvel do 52º BPM para “dar apoio ao policiamento ordinário, realizando operações preventivas e repressivas, principalmente, as operações antidrogas e batida policial”.
No ano passado, o Estado de Minas procurou a PMMG e pediu um posicionamento sobre as alegações do inquérito. A corporação informou “que planeja suas ações e operações obedecendo todos os preceitos constitucionais”. A polícia não citou o caso específico de Igor Mendes.
