Com a promessa de salas de aula mais modernas, prédios reformados, quadras esportivas revitalizadas e escolas novas, o governo de Minas anuncia uma proposta de parceria público-privada (PPP) para 95 unidades estaduais de ensino da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do Norte do estado. O modelo vem acompanhado de investimento bilionário e da justificativa de que diretores e professores terão, finalmente, mais tempo para dedicar ao aprendizado dos estudantes. Mas está longe de ficar a salvo de críticas e polêmicas.
A iniciativa, inspirada no modelo implementado por Belo Horizonte há mais de uma década, ainda será debatida em duas audiências públicas. A primeira em Belo Horizonte, marcada para quarta-feira (24/9), e a segunda em Montes Claros, dois dias depois.
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“Estamos fazendo a primeira experiência do estado com foco nessas duas regiões, que são muito importantes. A metropolitana, que tem bastante demanda, e a região mais ao Norte, Jequitinhonha, que tem uma concentração e necessidade muito grande de investimento do estado”, disse o secretário estadual de Educação, Rossieli Soares, em entrevista exclusiva ao Estado de Minas.
Duas décadas e meia de contrato
O contrato da PPP terá duração de 25 anos, durante os quais a empresa vencedora ficará responsável por serviços de manutenção predial, limpeza, jardinagem, fornecimento de serviços como água, energia, gás e esgoto, além de tecnologia da informação, com internet em todos os ambientes e suporte técnico.
“Aquilo que a gente já faz muitas vezes com a iniciativa privada, como a manutenção da escola, a reforma, passa a fazer parte da parceria público-privada, e alguns serviços também, como a limpeza das instituições. O papel do professor, do diretor, não muda absolutamente nada, continua sendo contratado pelo estado”, acrescentou Rossiele, ex-ministro da Educação do governo Temer e principal articulador da reforma do Novo Ensino Médio.
O projeto prevê ainda a construção de três unidades, duas na Grande BH e uma no Norte de Minas, além da reforma de todas as 95 já selecionadas, conforme adiantou o secretário ao EM.
E quanto vai custar isso?
O investimento soma R$ 1,03 bilhão em obras de modernização e outros R$ 3,5 bilhões em operação de serviços, totalizando mais de R$ 4,5 bilhões. Para o edital de concessão, as escolas foram divididas em dois sublotes: 34 no Norte e 61 na Região Metropolitana de BH. A licitação poderá ocorrer por sublote ou em lote único.
Ao todo, segundo a Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG), cerca de 70 mil estudantes serão diretamente envolvidos no projeto, em 34 municípios. A lista inclui cidades como Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Montes Claros e Januária, além de outros menores que sofrem com estruturas escolares precárias, como Itacarambi, Juvenília e Patis.
O modelo, que já havia sido adiantado no ano passado pelo então secretário de Educação Igor Alvarenga, à frente da pasta nos últimos três anos, em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, segue a agenda de privatização na educação, já sinalizada pelo governador Romeu Zema (Novo) desde o início de seu mandato.
Foco pedagógico e diretor como 'fiscal'
O secretário de Educação, que assumiu a pasta em agosto, argumenta que a PPP busca aliviar a carga administrativa dos diretores e reforçar a infraestrutura das escolas sem mexer na parte pedagógica. “O diretor acaba gastando muito mais tempo com outras coisas que não a parte pedagógica. E a coisa mais importante que a gente tem é a aprendizagem, é garantir que o aluno esteja aprendendo dentro da escola. É essa a ideia do projeto, a parte pedagógica permanece como é hoje, sob gestão do Estado”, disse ao EM.
Na prática, caberá ao diretor escolar ser o elo direto com a empresa contratada para os serviços de manutenção. “Por exemplo, o banheiro precisa estar arrumado e funcionando 100% do tempo. Se quebrar alguma coisa, é a empresa que tem que corrigir. Se não fizer dentro do prazo previsto, o diretor aciona a secretaria. O diretor é o primeiro e o principal fiscal, junto ao próprio corpo de colaboradores da escola”, acrescentou.
Os números do projeto
R$ 3,5 bilhões
em operações e serviços
R$ 1 bilhão
em obra
95
escolas incluídas no modelo
34
municípios
O secretário Rossieli Soares também diz que a fiscalização será permanente, começando já nas reformas estruturais. “Se a empresa não fizer as obras, nem começa a receber. A fiscalização é desde o primeiro ato, a cada investimento, em cada escola”, afirmou.
Para o titular da Educação, trata-se de um processo “compartilhado”, no qual o diretor segue sendo a figura central, responsável por apontar falhas, cobrar ajustes e validar entregas. “É como um terceirizado que vai prestar serviço. Hoje nós temos muita descentralização de recursos com o caixa escolar. Qualquer empresa terceirizada, a própria escola faz a administração disso”, comenta.
Promessa de 'padrão mínimo de escola'
Cada uma das 95 escolas já foi vistoriada por engenheiros, segundo a Secretaria de Estado da Edução, para diagnóstico dos reparos e reformas necessárias. Há casos de prédios sem quadras, com telhados deteriorados ou instalações hidráulicas e elétricas comprometidas, disse o secretário Rossiele Soares ao EM.
A ideia é que, após a revitalização, todas alcancem um “padrão mínimo de escola”, mantido ao longo dos 25 anos de contrato. “É uma reforma geral. A escola tem que ficar absolutamente fechada no padrão e se manter assim. Se porventura acontecer alguma coisa daqui um ano, a empresa vai ter que fazer, porque senão ela não vai mais ter direito a contraprestação”, afirmou o secretário de Educação.
Comunidade vai poder opinar?
Com as audiências públicas, o governo pretende ouvir professores, pais, diretores e representantes da sociedade civil. As contribuições poderão ser feitas presencialmente ou enviadas por escrito em até 30 dias após os encontros. A versão final do edital será ajustada a partir das sugestões.
“Estamos em fase de escuta. Já tivemos reunião com diretores, vice-diretores, quase 7 mil pessoas, para discutir melhorias nesse programa. A comunidade pode propor mudanças, indicar serviços que devem ou não ser incluídos. Esse diálogo é importante nesta etapa, para que a gente possa terminar essa modelagem”, reforça Rossieli.
A proposta é conduzida pela Educação estadual em conjunto com a Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra-MG), a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Sind-UTE discorda de modelo e valores
Procurado pelo Estado de Minas, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) fez duras críticas à proposta e avaliou como parte de um movimento mais amplo do governo Zema para transferir as responsabilidades centrais do Estado à iniciativa privada.
A entidade relembra tentativas anteriores, como o Projeto Somar e a militarização de escolas, e argumenta que, no caso das PPPs, a medida representa um risco ainda maior em razão do elevado volume de recursos previstos para o contrato.
O investimento de R$ 4,5 bilhões, anunciado pelo governo, segundo o Sind-UTE/MG, acontece em um cenário de desvalorização dos profissionais da educação no estado. O sindicato afirma que os professores mineiros têm hoje o pior salário do país, R$ 2.920,66, muito abaixo do Piso Salarial Nacional, fixado em R$ 4.867,77.
O debate do piso salarial
Em maio, o governo mineiro sancionou um reajuste salarial de 5,26% para os servidores da Educação, aplicado a todas as carreiras da rede básica, de diretores e secretários a professores, auxiliares e contratados temporários. A categoria, porém, reivindicava 6,27%, índice estabelecido em portaria do Ministério da Educação (MEC).
O Executivo estadual justifica a diferença alegando que o percentual federal se refere a jornadas de 40 horas semanais, enquanto em Minas a carga horária dos professores da educação básica é de 24 horas semanais.
“O governo Zema reitera ano após ano a negativa de pagar o piso salarial, comprometendo a qualidade da educação pública”, criticou a entidade, em nota enviada ao EM pelo coordenador do Departamento Jurídico do Sind-UTE/MG, Luiz Fernando Oliveira.
Além da baixa remuneração, o sindicato denuncia condições de trabalho cada vez mais precárias, jornadas exaustivas e alta rotatividade, fatores que, somados, levam a doenças profissionais e instabilidade no quadro de docentes.
Para o Sind-UTE/MG, a prioridade do Executivo estadual deveria ser investir na valorização dos trabalhadores e na qualificação profissional. A entidade sustenta que infraestrutura é importante, mas não pode ser encarada como solução isolada.
“O investimento em recursos humanos e na valorização dos (as) trabalhadores (as) é tão ou mais importante que os investimentos em construção civil, e essa ‘engenharia’ precisa ser equacionada”, enfatiza a entidade.
Tecnicismo inibe, sustenta entidade
Outro ponto de contestação é a consulta pública aberta para recolher sugestões e contribuições sobre a PPP. Na visão do sindicato, o processo tem aparência democrática, mas, na prática, restringe a participação popular.
O prazo de 30 dias, considerado curto para análise de documentos técnicos extensos, somado à exigência de que cada contribuição seja enviada em formulário eletrônico, com fundamentação jurídica ou técnica, acaba afastando professores, pais e cidadãos que não dominam essa linguagem. “Essas restrições, embora formais, limitam ainda mais a participação popular, em vez de estimular um debate amplo e plural”, avalia a entidade.
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