A Polícia Federal cumpriu dois mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito que apura a origem do segundo maior diamante do Brasil, de 647 quilates, como revelou com exclusividade a reportagem do Estado de Minas, em 2 de setembro de 2025. As ações ocorreram na última quinta-feira, dia 25 de setembro, em residências de bairros dos municípios mineiros de Coromandel e de Nova Ponte, ambas no Alto Paranaíba.

Pela primeira vez, a Diadel Mineração Ltda. se manifestou repudiando as suspeitas de que o diamante tenha sido fruto de furto e desvios, como apura a PF. A empresa afirma ter minerado a gema no Rio Douradinho, em Coromandel. A investigação procura saber se o berço da pedra foi o Rio Araguari, na área da Carbono Mineração, em Araguari, no Triângulo Mineiro.

A reportagem apurou que o alvo em Coromandel seria um homem conhecido no mercado de pedras preciosas e que é suspeito de ter agido como intermediário no suposto desvio do diamante.

Em Nova Ponte, o endereço vasculhado pelos policiais federais também é residencial. Segundo apurado pelo EM, o município é o mesmo de origem de garimpeiros que trabalham na mineração de diamantes do Rio Araguari.

Por meio de uma nota (confira a nota na íntegra ao final desta matéria) enviada pelo seu sócio administrador, Carlos César Manhas, a Diadel Mineração afirma que garimpou o diamante de forma lícita e que não tem qualquer relação com a Carbono Mineração. “É absolutamente inverídica e infundada qualquer alegação de que o diamante teria sido furtado de outro local e posteriormente levado à mineradora para ser ‘legalizado’”, diz a nota.

O texto faz uma revelação importante, indicando que integrantes da Agência Nacional de Mineração (ANM) presenciaram o encontro da pedra preciosa. “No dia da descoberta, representantes da ANM, acompanhados de profissionais especializados, estiveram presentes no local, inclusive na frente de lavra, para atestar oficialmente o achado. Este fato comprova, de forma inequívoca, que o diamante foi extraído na área da Diadel e é legítima propriedade da empresa”, diz a nota.

A reportagem procurou a ANM, mas a agência não confirmou ter funcionários públicos na mineração no dia indicado como sendo o da descoberta. A última vistoria registrada de agentes da ANM na Diadel foi em 12 de maio, segundo o termo de recebimento da Guia de Recolhimento da União (GRU) de vistoria de fiscalização assinado pelo seu responsável técnico.

O diamante foi apreendido pela PF e a ANM em 27 de agosto, precisamente na data em que receberia o lacre do Certificado do Processo Kimberley (CPK) e estaria assim apto a ser exportado.

Cerca de um mês antes, em 29 de julho, às 14h28, o delegado Rodrigo Paschoal Fernandes, da delegacia de Uberlândia, encaminhou à ANM o ofício 290.871/2025 requisitando acesso total a informações como essa no processo CPK do diamante “e as providências tomadas” pela agência em Minas Gerais.

A Nota Fiscal de Exportação e o Invoice de venda (nota de venda em dólares) estão entre os documentos que receberam vistas e que podem indicar atividades suspeitas sobre a compra e a venda, se ocorreram de forma regular ou se têm alguma relação com as suspeitas de desvio.

Uma nova leva de documentos foi exigida da mineradora que apresentou o diamante com prazo de 60 dias para entrega. Metade desse prazo já se esgotou. A reportagem do EM apurou que, para os agentes da PF e da ANM que trabalham na investigação, entre os elementos mais importantes estão os registros de pesagem do diamante de 647 quilates.

A produção de diamantes é informada mensalmente, mas, para isso, a empresa precisa ter seu controle de produção diário. Nesse documento é que se declara a pesagem da pedra, se registra a fotografia da gema e da pesagem dela dentro da mina. Esse arquivo fotográfico é importante, porque contém metadados que podem revelar a data exata e a hora em que foi feito o registro. Dependendo do aparelho usado para fotografar, até mesmo as coordenadas são registradas e podem ser recuperadas ainda que depois de apagadas.

Há várias fotografias da pesagem do diamante gigante circulando pelas redes sociais, o que reforça ser essa uma evidência que deveria ser facilmente fornecida dentro do prazo. Em caso de suspeitas, essas máquinas fotográficas, celulares ou cartões podem ser apreendidos para encontrar os registros. Trata-se de uma prova robusta de que a extração do diamante se deu naquele local e data ou mais um ingrediente para levantar suspeitas.

OSTENTAÇÃO

Quando foram veiculadas as primeiras imagens da pedra nas redes sociais e se ouviu falar de que já haveria compradores, correram até imagens de conhecidos negociantes, um deles identificado pela reportagem como sendo Oswaldo Borges da Costa Netto, de 53 anos, conhecido como Wado Borges. Nas imagens, ele ostenta o diamante dentro de um avião e mostra cenas de garimpos em Coromandel.

Fontes do mercado informaram que representantes de um comprador belga da Antuérpia estariam no Brasil negociando com Wado Borges nos dias em que o segundo maior diamante do Brasil receberia o lacre do CPK.

Diversos vídeos circulam nas redes sociais, inclusive nas redes pessoais de Wado Borges, mostrando o comerciante de posse da pedra preciosa gigante. Há registros dele em situações como a bordo de seu avião, sobrevoando Coromandel (MG), ou em uma mesa assinando documentos com a gema à sua frente e até mesmo mostrando a pesagem do segundo maior diamante do Brasil.

A inesperada aparição de Wado com o diamante gerou desconfiança no mercado, já que não houve um processo de leilão ou consulta a outros compradores no Brasil. Negociantes brasileiros relataram não terem sido procurados para a aquisição, o que é atípico para uma pedra preciosa de tamanha importância.

Uma descoberta desse calibre, em condições normais, seria seguida por um leilão para elevar o valor do diamante e garantir a oferta mais vantajosa. O preço estimado para a transação, entre R$ 16 milhões e R$ 18 milhões, também levantou questionamentos por ser considerado muito inferior ao potencial real da pedra no mercado. Especialistas avaliam que a gema poderia facilmente alcançar R$ 50 milhões.

Essa grande discrepância no preço, somada à falta de divulgação da negociação, indica uma possível tentativa de finalizar o negócio rapidamente, talvez antes que pudessem surgir dúvidas sobre a origem da pedra. A divulgação discreta e pouco profissional de uma descoberta tão significativa também foi vista com estranheza, por não atrair investidores para a operação.

A principal linha de investigação é se a pedra foi, de fato, furtada e transferida de Araguari para Coromandel com o objetivo de "esquentar" sua documentação na Diadel Mineração, conferindo-lhe uma aparente legalidade com origem em uma área de garimpo lícito. Não se sabe se Wado é apenas um comprador que desconhece essas suspeitas ou se já estaria envolvido anteriormente e utilizou a Diadel.

A reportagem procurou contato e deixou recado em seis empresas onde Wado Borges aparece como sócio ou conselheiro, mas não obteve retorno.

Fundada em 2004, a Diadel Mineração tem o empresário Carlos César Manhas, de 63 anos, como sócio-administrador desde 2024. Manhas é uma figura bem conhecida no setor de diamantes em Coromandel e estaria conectado a grupos de israelenses que atuam no comércio internacional de pedras preciosas.

Em 2002, Manhas foi detido pela Polícia Federal em Rondônia, junto a um grupo de brasileiros e israelenses, por posse de 44 diamantes e uma ametista. As gemas seriam oriundas da Terra Indígena Roosevelt, dos Cinta-Larga, uma área onde a mineração é proibida.

Manhas foi condenado por receptação de propriedade da União, acusado de facilitar o comércio ilegal de diamantes para compradores estrangeiros, especialmente israelenses, com os quais ele manteria laços até hoje.

SIGILO

A Polícia Federal informou que não comenta sobre investigações em andamento. A ANM informou, por meio de nota, que os processos de Certificação Kimberley são de natureza sigilosa, sendo vedado qualquer fornecimento de dados sobre seu andamento.

“Essa medida visa garantir a integridade dos procedimentos de certificação e está em linha com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo Internacional de Certificação do Processo Kimberley (CPK), do qual o país é signatário.”

A ANM informa ainda que os procedimentos de certificação seguem rigorosamente a regulamentação vigente, “especialmente a Resolução ANM nº 106/2022; A Agência possui competência para adotar medidas acautelatórias administrativas quando necessário, conforme previsto na legislação; Qualquer ação da ANM é pautada pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, princípios da Administração Pública”.

“A ANM reitera seu compromisso com a transparência dentro dos limites legais estabelecidos e com o cumprimento de suas atribuições regulamentares no setor mineral.”

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NOTA DA DIADEL

“A Diadel Mineração Ltda. tem acompanhado as matérias e opiniões divulgadas em diferentes veículos de comunicação a respeito da descoberta do diamante de 647 quilates, o segundo maior já encontrado no Brasil, e repudia veementemente as especulações sobre a origem e a legalidade da pedra.

É absolutamente inverídica e infundada qualquer alegação de que o diamante teria sido furtado de outro local e posteriormente levado à mineradora para ser ‘legalizado’.

A Diadel Mineração é uma empresa regularmente constituída, com histórico consolidado de descobertas de diamantes de grande porte. A companhia possui licença ambiental válida até 2030 e direitos minerários plenamente vigentes.

No dia da descoberta, representantes da Agência Nacional de Mineração (ANM), acompanhados de profissionais especializados, estiveram presentes no local, inclusive na frente de lavra, para atestar oficialmente o achado. Este fato comprova, de forma inequívoca, que o diamante foi extraído na área da Diadel e é legítima propriedade da empresa.

Reiteramos a integridade, legalidade e transparência de todos os processos adotados pela Diadel na atividade de mineração de diamantes.

A Diadel Mineração, seu sócio, colaboradores e parceiros nunca mantiveram qualquer relação com a empresa responsável pela denúncia que resultou na apreensão do diamante. Colocamo-nos, desde já, à disposição das autoridades competentes para prestar todos os esclarecimentos necessários e reforçar a autenticidade deste achado único e extraordinário para a mineração brasileira.”

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