No rastro do fogo, 251 pessoas vão parar na delegacia em Minas
Apesar do alto número de conduções de suspeitos de ter provocado incêndios em matas do estado, comprovação do crime ainda é desafio, dizem especialistas
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A persistência de um alto volume de ocorrências de incêndio em vegetação em Minas Gerais levanta investigações de possível origem criminosa. De janeiro a agosto deste ano, foram registradas 251 conduções à delegacia por incêndio consumado – cerca de uma pessoa conduzida a cada 24 horas sob suspeita de autoria do crime –, segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Especialistas, no entanto, destacam os desafios da investigação desse tipo de crime.
Nesta semana, um homem foi preso após confessar ter ateado fogo para tentar limpar uma área particular, que acabou atingindo o Parque Estadual da Lapa Grande em Montes Claros, no Norte do estado. Na segunda-feira (6/10), o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) foi acionado para combater focos de incêndio em uma vegetação na região da Trilha do Contra-Relógio, que fica no parque montes-clarense. Porém, no local ainda foi identificada uma nova frente de chamas em área próxima, na Cachoeira do Giné. Uma linha de incêndio ativa avançava rapidamente pela vegetação seca e pelas folhas acumuladas no solo.
Após avaliar a situação, os bombeiros traçaram a estratégia de combate, evitando danos mais graves à vegetação do parque. Durante a ocorrência, os militares identificaram que o incêndio teve início em uma área particular próxima ao limite da área de preservação.
Conforme a corporação, o proprietário, ao tentar limpar o terreno com fogo, perdeu o controle das chamas, que acabaram atingindo o interior do parque. Localizado, o homem confessou a ação e foi encaminhado pela Polícia Militar (PMMG) à Delegacia de Polícia Civil (PCMG) do município para prestar esclarecimentos.
CRIME TIPIFICADO
O Corpo de Bombeiros ressaltou que, segundo a Lei Federal 9.605/98, que tipifica os crimes ambientais, provocar incêndio em mata ou floresta é crime, com previsão de pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa. O uso do fogo para limpeza de áreas urbanas ou rurais também é proibido sem autorização dos órgãos ambientais competentes. Mesmo quando não há intenção de causar prejuízo, essa prática representa um risco elevado para o meio ambiente e a segurança da população.
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Durante o período de estiagem, as queimadas tornam-se ainda mais perigosas, pois a vegetação seca e o clima quente favorecem a propagação do fogo. Além de destruir a fauna e a flora, os incêndios florestais liberam fumaça e gases tóxicos, comprometendo a qualidade do ar e a saúde das pessoas.
DESAFIOS NA INVESTIGAÇÃO
Além de as condições do período de estiagem favorecerem a propagação das chamas, ainda há dificuldade em determinar se um incêndio é mesmo causado por conduta humana, para configurá-lo como criminoso. De acordo com a delegada Adriana Bianchini Galliac, é comum a falta de elementos para determinar a causa do fogo. “Já tivemos casos em que foram encontrados fósforos no local, elemento que levava realmente a crer que havia uma conduta humana ali. Mas, na maioria das vezes, é muito difícil, porque nesse período a seca por si só já é um fator que aumenta as possibilidades de incêndio”, afirmou.
A delegada destacou que a identificação da autoria é um grande gargalo para a perícia. “Normalmente os parques florestais não têm câmeras, é difícil detectar se passou algum veículo, não há testemunhas que viram alguém passar. Temos uma grande dificuldade em encontrar autores”, afirmou. Adriana relatou ocorrências em que o suspeito foi identificado graças a um veículo que passou na rodovia próximo ao local. “Pela placa do carro conseguimos achar a pessoa e identificamos, por conversas de WhatsApp, que se tratava de um youtuber que esteve no lugar e publicou”, contou.
Bianchini disse que a falta de elementos comprobatórios geralmente acontece em casos de incêndio em vegetação. “Existe a falta de indícios que possam nos levar a verificar se tem uma conduta humana e quem seria essa pessoa. Em áreas urbanas, tudo é monitorado, tem testemunhas e conseguimos monitorar veículos passando no horário da ocorrência. Temos o desafio de descobrir a causa do fogo e depois detectar o autor”, mencionou.
PERÍCIA E INDÍCIOS
A delegada explicou que os materiais coletados ficam a cargo da perícia técnica e do Corpo de Bombeiros. “Todo incêndio florestal é monitorado pelos bombeiros. Inicialmente, fazemos o pedido do relatório. Isso porque o calor causa uma reação em cadeia, então temos que ver o que foi o primeiro motor desse calor, ou seja, se tem elementos que indiquem que houve conduta humana”, descreveu Adriana. Segundo ela, fósforos, combustíveis, madeira, tecidos, líquidos inflamáveis e gases podem atestar a autoria do crime.
“Se tivermos materiais para chegar à autoria e uma perícia constatando essa materialidade, enviamos o inquérito para a Justiça, onde os trâmites são feitos de forma eficiente”, destacou. Os últimos dados do Observatório de Segurança Pública apontam que até agosto deste ano houve uma redução de 11,93% na quantidade de conduzidos à delegacia, número que caiu de 285 no ano passado, para os atuais 251. Porém, o registro dos oito meses deste ano foi o segundo maior dos últimos cinco anos.
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Já em relação ao consolidado anual, 2024 lidera o ranking, com 448 conduções, seguido de 2023 e 2021, que tiveram 350 e 293. Os dados, se referem a pessoas que foram conduzidas à autoridade policial pela prática do crime, cabendo ao delegado ratificar ou não a prisão.
MONITORAMENTO
Adriana informou que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Semad) realiza, a cada 15 dias, reuniões em parceria com as polícias Militar e Civil, além do Instituto Estadual de Florestas (IEF). “Já estão em andamento projetos para instalar o monitoramento por câmeras em ambientes de vegetação”, adiantou.
Vale ressaltar que ontem a Polícia Civil deflagrou a Operação Ignis, desarticulando uma organização criminosa especializada em crimes ambientais e outros delitos graves na região do Alto Jequitinhonha. Conforme informações preliminares, as investigações apontaram que o grupo era responsável por furtos de madeira, carvoejamento ilegal, incêndios criminosos, dano e ameaça.
MINAS EM CHAMAS
O incêndio na Serra de São José, reserva natural entre São João del-Rei e Tiradentes, no Campo das Vertentes, teve o 4º dia de combate ontem. Um grupo de veterinários das duas cidades se apresentou para prestar os primeiros socorros aos animais atingidos pelo fogo.
Os profissionais emitiram um comunicado aos moradores das proximidades, pedindo para abrigarem, em segurança, espécimes que possam se deslocar para as residências. O combate segue hoje, com foco no último ponto de calor, a Trilha do Carteiro.
O tenente Radamés Lopes, à frente do Comando Unificado de Combate às Chamas, comemorou os avanços da operação. “Conseguimos uma redução no número de focos. Além disso, estamos atuando com reforço. São 12 bombeiros, 15 voluntários do Instituto Estadual de Florestas (IEF), 10 voluntários da Defesa Civil de Tiradentes e São João del-Rei, além de brigadistas. Utilizamos, também, o helicóptero Guará, do IEF, e duas aeronaves Air Tractor, que são usadas para jogar água nos pontos mais críticos”, disse.
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Segundo a corporação, Minas registrou 335 chamados para fogo em vegetação, sendo 149 na Região Metropolitana de Belo Horizonte, das 6h de terça-feira (7/10) até as 6h de ontem. Há cinco operações de combate a incêndio em andamento na Unidades de Conservação (UC) do estado, sendo a da Serra de São José a mais preocupante.
Também está no 4º dia o combate ao fogo no Parque Estadual Lapa Grande e no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, na Zona da Mata. Além disso, dois trabalhos estão sendo feitos na Área de Proteção Ambiental (APA) Sul, na Mata do Alphaville, em Nova Lima, e na APA Serra do Sabonetal, em Itacarambi, no Vale do Jaíba, Norte de Minas.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho