ACESSIBILIDADE

Estudantes surdos da UFOP denunciam a falta de intérpretes na instituição

Desde agosto de 2024, a Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão (CAIN) vem alertando a administração sobre a carência de intérpretes de Libras

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A falta de intérpretes e tradutores de Libras na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) levou os estudantes surdos a entrarem com uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF) contra a instituição. Com apenas três intérpretes para atender três alunos e dois professores surdos, eles relatam que a comunicação em sala de aula se tornou quase impossível. O problema, segundo os estudantes e os professores, se arrasta há mais de um ano, sem solução.

Desde agosto de 2024, a Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão (CAIN) vem alertando a administração sobre a carência de intérpretes de Libras. Apesar disso, nenhuma solução efetiva foi adotada. “Esses alunos vão para aula sem entender o que o professor fala. A universidade sabe da necessidade, mas esbarra em entraves burocráticos e não resolve o essencial: o direito à comunicação”, denuncia a professora Andreia Chagas, que acompanha de perto o caso.

Os estudantes pedem urgência na contratação de novos profissionais, seja por meio de contratos temporários, terceirização ou convênios. Para eles, o impasse administrativo não pode justificar a exclusão de pessoas surdas do ambiente universitário.

A professora Andreia relembra que até pouco tempo a universidade não tinha alunos surdos matriculados. “Até dois semestres atrás, não havia estudantes surdos na UFOP. Eles chegaram no segundo semestre de 2024, nos cursos de Arquitetura e Direito. Coincidentemente, dois professores surdos também ingressaram no mesmo período. O problema é que, mesmo sabendo disso, a universidade não estruturou a acessibilidade necessária”, explicou.

Atualmente, há três alunos surdos: um no curso de Arquitetura, um no de Direito e outro no de Farmácia. Há também dois professores que dependem de intérpretes para ministrar aulas e participar de reuniões e palestras.

Segundo a professora, o ideal seria ter ao menos dez intérpretes para atender adequadamente a todos. “Eles têm direito a dois intérpretes por disciplina, que se revezam a cada 20 minutos, mas na prática isso não existe. Hoje temos três disponíveis e um em outra função, tem dias em que não tem ninguém disponível. Os intérpretes trabalham no limite, se revezando entre aulas, eventos e reuniões. Quando há palestras, bancas de TCC ou semanas acadêmicas, os surdos simplesmente ficam de fora”, conta Andreia.

Com dois professores surdos na universidade, a dificuldade se estende também para eles. Segundo Andreia, um dos professores surdos do Departamento de Letras já deixou de participar de reuniões e eventos acadêmicos por falta de intérprete. “Não é falta de convite, é falta de acessibilidade”, relata.

A professora destaca ainda que o problema vai além da tradução. “A língua de sinais (Libras) é a primeira língua dos surdos. O português é a segunda. Então, sem intérprete, eles não apenas perdem o conteúdo, eles perdem o sentido de pertencimento, o direito de existir no espaço acadêmico.”

O estudante de Direito, Estevão Maia confirma que a ausência de intérprete afeta por completo a sua forma de comunicar. “Em todas as aulas, sendo sincero, me sinto muito para atrás, enquanto os outros alunos (ouvintes) sempre estão um passo à frente. Embora houvesse esforço por parte dos docentes a respeito de adaptação ou algo do gênero, nem todos optavam por este esquema, então isso tornava o meu aprendizado ainda bem difícil,” desabafa o estudante.

Ao longo da graduação, Estevão precisou estudar por conta própria para acompanhar os colegas. Em seu primeiro semestre de faculdade, a instituição o aconselhou a trancar uma disciplina. "Isso me prejudicou, já que não consegui pegar a disciplina no segundo e nem neste terceiro período. Apesar das dificuldades, eu mesmo tive que me adaptar com esse ambiente totalmente inacessível e dominado por ouvintes."

Bryan Souza, estudante de Arquitetura e Urbanismo, vive diariamente essa realidade e ressalta que a situação não se trata de falta de intérpretes, mas sim a escassez de quantidade ideal de intérpretes para cada aluno surdo. "Antes éramos dois alunos surdos, e já não era o suficiente para acompanhar as aulas com a falta de disponibilidade de cada intérprete. A obrigação é ter dois intérpretes para cada disciplina, por exemplo."

Com a ausência dos profissionais em algumas disciplinas, Bryan conta que já tentou mudar o turno das aulas para ajustar a disponibilidade dos intérpretes, mas o pedido não foi aceito. Ainda assim, ele resiste. “Nunca pensei em desistir, mas é cansativo precisar lutar por um direito que já está garantido em lei.” O estudante relata que teve dificuldades para acompanhar o conteúdo que era passado durante o curso e foi reprovado. “Era para eu estar no terceiro período.”

Além da ausência de intérpretes, a professora chama a atenção para outro problema: a falta de preparo da comunidade acadêmica. “Os professores não sabem Libras, os colegas não sabem. O intérprete é apenas um mediador, não o responsável pelo aluno. É urgente que a universidade invista em formação básica para o corpo docente, para que saibam ao menos se comunicar minimamente com esses estudantes. Dizer um ‘bom dia’ ao aluno, perguntar se ele entendeu, reconhecer que o intérprete é apenas um mediador, isso muda tudo”, defende.

O problema, segundo ela, é agravado pela falta de estrutura administrativa. “O cargo de intérprete por concurso foi extinto e não foi criado outro modelo de contratação. A universidade diz que tenta terceirizar, mas enfrenta entraves burocráticos e falta de verba. E, enquanto isso, os surdos seguem sem acesso”, conta a professora.

O sentimento entre os estudantes é de resistência, mas também de cansaço. “Nós não queremos privilégio, queremos apenas o nosso direito”, reforça Bryan.

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Lei ignorada

A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e o Decreto nº 5.626/2005 garantem o direito à acessibilidade e à presença de intérpretes de Libras nas instituições de ensino. “A resposta institucional é sempre a mesma: ‘estamos tomando providências’. Mas quanto tempo dura essa providência? Esses alunos já esperam há mais de um ano”, questiona Andreia.

Segundo o MPF, o órgão já requisitou informações à universidade sobre a contratação de intérpretes, mas, até agora, não tiveram retorno. O ministério reforçou que o procedimento continua em fase de instrução.

Nota da UFOP 

Procurada pela reportagem, a Pró-reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) informou em nota, que tem hoje quatro ocupantes do cargo de Tradutor e intérprete de libras. Um deles está em exercício na Coordenadoria de Saúde Comunitária, como coordenador.

Segundo a UFOP, desde que o Decreto Federal nº 10185/2019 extinguiu os cargos de intérprete na administração pública federal impedindo a realização de concurso, a universidade perdeu duas vagas para esses profissionais. Em razão dessa legislação, a UFOP não conseguiu ampliar o quadro desses cargos por meio de servidores efetivos. "Estamos buscando alternativas, dentro da legislação, de contratação temporária e contratação para prestação de serviço. O Ministério da Educação liberou duas vagas para a UFOP realizar a contratação temporária de intérpretes", informa a nota.

Questionada sobre como os alunos surdos estão acompanhando as aulas, a Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão (Cain) da UFOP informou que tem quatro alunos surdos atualmente. A universidade admite que o número de intérpretes não é adequado. "O ideal é que todos os alunos tenham intérprete de libras, pois nenhum desses recursos citados é adequado. Atualmente, dois alunos estão totalmente desassistidos em sala de aula e dois são atendidos parcialmente em sala de aula", conclui a nota. 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Juliana Lima 

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