Pará de Minas – Esta é uma história que demorou quase cinco décadas para ser contada aos brasileiros, e hoje se revela nas páginas do Estado de Minas e em documentário inédito. No centro das atenções está um dos símbolos religiosos mais venerados do Brasil: a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira celebrada neste domingo, 12 de outubro, com missas, procissões, carreatas e novenas país afora.

Especialmente em Pará de Minas, na Região Centro-Oeste do estado, um fato reúne fé, mistério, pesquisa, manuscritos e comprovação por meio de radiografia: a imagem de Nossa Senhora Aparecida presente no Santuário Nossa Senhora da Piedade, no Centro da cidade, guarda, em meio ao gesso da qual foi feita, dois fragmentos da peça original do Santuário Nacional de Aparecida, em Aparecida (SP).

À frente das pesquisas, ao longo dos últimos 10 anos, se encontra o professor Rodrigo Campos, autor do documentário “O mistério dos fragmentos de Aparecida”, disponível a partir de hoje no YouTube. Diante da imagem no altar da capela lateral do santuário, segurando radiografia que mostra o fragmento da peça original, o especialista diz que escuta a história desde criança, contada pelo cônego Hugo da Costa Bittencourt (1924-2002), ex-titular da paróquia.


Blecaute e ataque: uma viagem no tempo


“A imagem chegou à nossa cidade como um presente do então arcebispo de Aparecida, Geraldo Maria de Morais Penido (1918-2002), que foi pároco em Pará de Minas durante três anos antes de ocupar o posto em São Paulo. Alguns conhecem essa história, muitos, não, principalmente a maioria dos brasileiros”, observa o professor de língua portuguesa e documentarista.


Para entender melhor o caso, é preciso voltar no tempo, mais exatamente a 1978. Em 16 de maio daquele ano, a imagem da padroeira do Brasil foi completamente destruída após ato de agressão cometido por um jovem. Aproveitando-se de um blecaute na cidade, o rapaz de 19 anos quebrou o vidro protetor e retirou a peça sacra, de terracota, encontrada em 1717 por três pescadores nas águas do Rio Paraíba do Sul (SP).

Era, na realidade uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, com a cabeça separada do corpo, que se tornou Nossa Senhora da Conceição Aparecida ou Nossa Senhora Aparecida. Ou, no coração dos milhões de devotos, simplesmente “Mãe Aparecida”.


Os misteriosos fragmentos desaparecidos da imagem


Recolhidos os pedaços no chão do Santuário de Aparecida, naquele dia de 16 de maio de 1978, a imagem foi restaurada por especialista no setor, a professora Maria Helena Chartuni, então funcionária do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Mais tarde, ela escreveu o livro “A história de dois restauros: meu encontro com Nossa Senhora Aparecida”. Na sua investigação, Rodrigo Campos verificou um aspecto curioso e misterioso – um pedaço da face direita da escultura nunca foi encontrado.


No documentário com duração de 33 minutos, Rodrigo explica como a imagem teria chegado a Pará de Minas. “Dom Geraldo, mineiro de Rio Manso (Grande BH), mandou fazer três réplicas da peça original. Entregou uma à restauradora Maria Helena, outra, ao então presidente do Masp, Pietro Maria Bardi (1900-1999), e a terceira, ao cônego Hugo, de quem era amigo. Pará de Minas sempre foi uma cidade com grande número de católicos. Quando a imagem foi destruída, em Aparecida, eu tinha 1 ano de idade. Cresci ouvindo tudo isso, e fico feliz em contar agora”, diz o professor, de 48 anos.


O escritório do Santuário Nossa Senhora da Piedade, que tem à frente o padre Antônio Carlos Pouza Barbosa, guarda a declaração, escrita à mão por dom Geraldo, na qual ele atesta a presença dos fragmentos originais da peça destruída em Aparecida na imagem de gesso com 35 centímetros de altura (leia o texto na página ao lado).


Para Rodrigo Campos, não há dúvida sobre o fato – e uma das conclusões “é que dom Geraldo guardou os fragmentos pensando em mandar fazer as réplicas”. A fim de garantir maior veracidade, o professor providenciou radiografias da peça, em uma das quais se vê um dos fragmentos (na parte inferior). “Agora, meu sentimento é de dever cumprido. Fico feliz ao contar uma história de fé ao povo de hoje, e legar conhecimento às próximas gerações”. Para o professor, há muitas coincidências nesse resgate: “Em 1717, os pescadores encontraram primeiro o corpo da imagem, depois a cabeça. E foi exatamente uma parte da cabeça, a face, que desapareceu em 1978”.


Devoção Mariana se fortalece no coração dos católicos 


São 9h de uma manhã ensolarada de sábado, e dezenas de crianças preenchem os espaços externos do Santuário Nossa Senhora da Piedade, no Centro de Pará de Minas. É hora da catequese, e os grupos de meninos e meninas ouvem atentamente as explicações dos voluntários da paróquia. Já no interior do templo consagrado em 1972, adultos rezam o terço, agradecem bênçãos diante da belíssima imagem de Nossa Senhora da Piedade, no altar-mor, ou se dirigem à capelinha lateral com a imagem da padroeira do Brasil.


“Na cidade, as pessoas conhecem a história dos fragmentos. A imagem é bonita, importante, mas, no Brasil, a peregrinação será sempre em Aparecida (SP)”, afirma o padre Antônio Carlos. Satisfeito e orgulhoso da relíquia, o pároco diz que a réplica da padroeira do Brasil pertence ao santuário, e jamais a entregaria a outra paróquia. Conforme o documentarista Rodrigo Campos, o cônego Hugo, que recebeu o presente, costumava dizer que, após sua morte, a imagem deveria ficar para sempre no santuário.


“Símbolos sagrados para todos nós”

De mãos postas, perto do altar a professora Ana Paula Alexandrino de Lima , nascida e criada em Pará de Minas, acredita que a imagem de Nossa Senhora Aparecida, contendo fragmento da original, representa um caminho da fé católica. “Nos ajuda a buscar força, a seguir”, ressalta. Marina Oliveira também já ouviu sobre os fragmentos, mas sabe que o mais importante é a devoção.


Em oração, assim como os outros fiéis, o mecânico Armando Mendonça, de 72, considera os fragmentos importantes para a cidade. “São símbolos sagrados para todos nós”, resume o devoto, que acompanha com devoção as celebrações em louvor a Nossa Senhora.

 

Entenda o caso 

 
Mais de três séculos de história e mistério

  • 1717 – Três pescadores encontram nas águas do Rio Paraíba do Sul (SP) uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. A peça em terracota tem a cabeça separada do corpo. Ela recebe a denominação de Nossa Senhora Aparecida que se torna padroeira do Brasil
  • 1978 – Em 16 de maio daquele ano, a imagem original fica completamente destruída após ato de agressão cometido por um jovem de 19 anos. Na sequência, a peça sacra é restaurada e volta ao altar do Santuário Nacional de Aparecida (SP). Durante o processo de restauro, uma parte da face direita precisou ser reconstituída, pois o fragmento original jamais foi encontrado.
  • 1978 – São feitas três réplicas em gesso da imagem original, uma delas enviada ao Santuário Nossa Senhora da Piedade, em Pará de Minas, no Centro-Oeste mineiro. Foi um presente do então arcebispo de Aparecida, dom Geraldo Maria de Morais Penido, ao pároco, o cônego Hugo Bittencourt
  • 1992 – Em 14 de junho, dom Geraldo envia documento à Paróquia Nossa Senhora da Piedade comprovando a história dos fragmentos
  • 2015 – O professor de português Rodrigo Campos, de Pará de Minas, inicia as pesquisas sobre o caso, do qual ouve relatos desde criança.
  • 2025 – A investigação de uma década resulta em documentário dirigido e roteirizado por ele. Produzido por meio do Edital Aldir Blanc, no município, o trabalho será lançado hoje no YouTube.

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A mensagem do arcebispo

“Declaro para que conste 'ad perpetuam rei memorian' que à Imagem de Nossa Senhora Aparecida, 'fac-simile' da original pescada nas águas do Rio Paraíba, a qual foi por mim doada ao Reverendíssimo Cônego Hugo da Costa Bittencourt, foram adicionados dois fragmentos notáveis da referida imagem original, ambos de barro cozido, como o da original, quando se fez total restauração da imagem, que fora vítima de um atentado no dia 16 de maio de 1978 e reduzida a mais de setenta pedaços. A recomposição da querida imagem foi feita com exímia perfeição, pela Srta. Profa. Maria Helena Chartuni, especialista em restauros, após estudos em Londres e Paris, e funcionária do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

De tudo isto faço confirmação e dou plena fé.
Pará de Minas, 14 de junho de 1992
Festa da Santíssima Trindade

Geraldo Maria de Morais Penido
Arcebispo de Aparecida"

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