APÓS 10 ANOS

Rompimento de Mariana: mineradora é responsabilizada pela Justiça inglesa

A BHP foi considerada responsavel civil e ambientalmente pelo rompimento da Barragem do Fundão. Prefeituras foram legalmente habilitadas a entrar com ações

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A BHP foi considerada legalmente responsável pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em sentença publicada na manhã desta sexta-feira (14/11), pelo Tribunal Superior de Justiça da Inglaterra e País de Gales (High Court of Justice).

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As prefeituras que estão no processo também foram consideradas aptas de participar da ação. É a primeira vez que uma das mineradoras envolvidas no rompimento é considerada responsável em todos os pontos. A BHP informou que vai recorrer da decisão.

A ação coletiva é movida pelo escritório internacional Pogust Goodhead contra a empresa inglesa e australiana BHP que é sócia da brasileira Vale no controle da mineradora Samarco, operadora da Barragem do Fundão.

Com o reconhecimento da responsabilidade da BHP o processo avança para a fase de quantificação dos danos a serem indenizados.

A corte de Londres determinou que a BHP é legalmente responsável pelo colapso da Barragem de Fundão por responsabilidade estrita (Lei Ambiental).

A BHP foi considerada direta e/ou indiretamente responsável pela atividade da Samarco de possuir e operar a Barragem de Fundão. Como tal, a BHP é estritamente responsável por danos causados nos termos dos Artigos 3(IV) e 14, parágrafo 1, da Lei Ambiental brasileira.

Também teve reconhecida a responsabilidade culposa baseada em conduta negligente, imprudente ou imperita (Código Civil) nos termos do Artigo 186 do Código Civil.

O tribunal concluiu que a BHP foi "negligente ao permitir o desenvolvimento de saturação de rejeitos e invasão de lama, ao não realizar estudos de liquefação e análises de estabilidade recomendadas, e ao permitir que a Samarco continuasse a elevar a altura da barragem".

De acordo com a decisão, a causa imediata do colapso foi a liquefação das rejeitos, sendo o mecanismo provável a extrusão lateral da lama, que causou a redução do confinamento lateral das areias não compactadas e saturadas. O escritório Pogust Goodhead ainda não se manifestou oficialmente sobre a vitória.

Qual a culpa da BHP?

Segundo entendimento da corte inglesa, o colapso do dique era previsível e a BHP deveria ter estado ciente dos sérios problemas de drenagem e estabilidade da estrutura desde, o mais tardar, agosto de 2014.

Foram desconsideradas a prescrição do caso, reconhecidamente suspensa em 2015, no Brasil.

O tribunal concluiu que os acordos de quitação como os do Novel System, são regulados pelos princípios gerais de interpretação contratual do Código Civil, e o Código de Defesa do Consumidor não se aplica a esses acordos.

Foi decidido que não há impedimento constitucional para que as prefeituras atingidas ingressem com ações no processo, confirmando sua capacidade e legitimidade.

É mencionado o Acordo de Reparação brasileiro de 25 de outubro de 2024, homologado em 6 de Novembro de 2024 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no valor de R$170 bilhões, que levou à extinção da maioria das ações judiciais brasileiras relacionadas à falha da barragem.

A BHP descontinuou as ações contra a mineradora Vale em 12 de Julho de 2024, após um acordo de partilha de responsabilidade global.

A BHP informou, por meio de nota, que pretende recorrer da decisão da corte britânica e "reforça o compromisso da BHP Brasil com o processo de reparação no Brasil e com a implementação do Novo Acordo do Rio Doce".
"A BHP Brasil, junto à Vale e Samarco, continua empenhada na implementação do acordo firmado em outubro de 2024, o qual assegurou um total de 170 bilhões de reais para os processos de reparação e compensação em curso no Brasil", afirma a companhia.
"Desde 2015, aproximadamente 70 bilhões de reais foram pagos diretamente às pessoas da Bacia do Rio Doce e direcionados às entidades públicas no Brasil. Mais de 610 mil pessoas receberam indenização, incluindo aproximadamente 240 mil autores na ação do Reino Unido que outorgaram quitações integrais. A Corte inglesa confirmou a validade dos acordos celebrados, o que deverá reduzir significativamente o tamanho e valor da ação em curso", disse a mineradora.
"A BHP continua confiante de que as medidas tomadas no Brasil são o caminho mais efetivo para uma reparação integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente e seguirá com sua defesa no caso britânico", finalizou a empresa.
A CEO do Pogust Goodhead, Alicia Alinia, considera a sentença um importante precedente de caráter global. “Esta decisão envia um recado claro para multinacionais no mundo todo. Não é possível ignorar o dever de cuidado e simplesmente se afastar da destruição causada. A responsabilidade está estabelecida. A BHP agora deve responder e pagar o que é devido”, afirma.
Fundador do escritório Pogust Goodhead, mas afastado da função, o advogado Thomas Goodhead considerou, também por meio de nota (abaixo), que se trata de um "dia histórico". Ele é o autor da tese que levou o caso de Mariana à corte inglesa.
"Com a decisão de hoje, as mineradoras agora vão ter que começar a pagar pelo que sempre fizeram: destruir a vida das comunidades locais e seguir em frente até a próxima “tragédia”. Agora, no caso de Mariana, fica claro que não haverá impunidade", disse Goodhead.
Gelvana Rodrigues, de 38 anos, perdeu o filho Thiago de 7 anos arrastado pela lama em Bento Rodrigues, destacou o impacto da decisão. “Finalmente a justiça começou a ser feita, e os responsáveis foram responsabilizados por destruir nossas vidas. Prometi a mim mesma que não descansaria até que os responsáveis fossem punidos pela morte do meu filho Thiago. A decisão da juíza mostra o que temos dito nos últimos 10 anos: não foi um acidente, e a BHP deve assumir a responsabilidade por suas ações”, cobra.
“Tivemos que atravessar o Oceano Atlântico e ir até a Inglaterra para finalmente ver uma mineradora ser responsabilizada. Essa vitória dá esperança a todos nós que fomos afetados, especialmente às famílias das vítimas falecidas e dos mais de 80 moradores de Bento Rodrigues que morreram sem receber suas novas casas”, disse Mônica dos Santos, de 40 anos, membro da Comissão dos Atingidos pela Barragem do Fundão e do grupo de moradores Loucos por Bento.

Relembre a tragédia e o processo na Justiça

A estrutura se rompeu há 10 anos, em 5 de novembro de 2015, em Mariana na região Central de Minas Gerais, deixando 19 mortos e mais de 2 milhões de atingidos na Bacia Hidrográfica do Rio Doce entre Minas Gerais e o litoral do Espírito Santo.

Paracatu de Baixo foi o segundo grande povoado de mariana a ser encoberto pela lama e rejeitos do rompimento de 2015
Paracatu de Baixo foi o segundo grande povoado de mariana a ser encoberto pela lama e rejeitos do rompimento de 2015 Mateus Parreiras/EM/D.A.Press
 

O caso é um dos maiores do Brasil e os valores requisitados pelo escritório já chegam a R$ 260 bilhões, com 23 municípios atingidos entre os clientes.

Em 21 de setembro de 2018, o Estado de Minas revelou com exclusividade que o escritório de advocacia inglês que hoje se chama Pogust Goodhead ingressaria com uma ação de 5 bilhões de libras em cortes do Reino Unido contra a BHP. O processo foi protocolado em 2 de novembro.

A primeira fase do julgamento na Inglaterra foi realizado entre outubro de 2024 e março de 2025.

O tribunal ouviu testemunhas, especialistas jurídicos e técnicos sobre as alegações de responsabilidade da BHP e sobre fatos relacionados. Foram sete testemunhas nomeadas pela BHP e oito peritos — quatro indicados pelos autores e quatro pelos réus.

A segunda fase do processo, prevista para outubro de 2026, vai determinar a extensão total dos danos causados pelo rompimento e a relação causal entre o desastre e as perdas sofridas pelos atingidos, para então calcular a indenização devida a eles

O rompimento da Barragem do Fundão despejou 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro na bacia hidrográfica do Rio Doce. A estrutura estava situada na Mina de Germano e era operada pela Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale (brasileira) e a BHP (inglesa e australiana).

No total, 700 mil pessoas - entre ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores, garimpeiros, agricultores e outros - foram diretamente impactados em 46 cidades diferentes de Minas Gerais ao Espírito Santo.

A tragédia matou  19 pessoas, sendo que um corpo ainda continua desaparecido e um feto também não sobreviveu ao desastre.

A contaminação se estendeu por 675 km ao longo dos leitos, margens, remansos e áreas contíguas aos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce.

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Equipes removeram 11 toneladas de peixes mortos e a pesca foi suspensa. O abastecimento de milhares de pessoas foi comprometido até em cidades maiores como Resplendor (MG), Governador Valadares (MG), Baixo Guandu (ES) e Colatina (ES).

Processos e acordos 

  • Samarco, Vale e BHP Billiton assinaram em 2 de março de 2016 o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com o governo federal e os estados
  • Foi criada a Fundação Renova e 40 ações de recuperação social, ambiental e econômica das regiões atingidas
  • Acordo inicial era de investir R$ 13,3 bilhões até 2031
  • Dois meses depois o Ministério Público Federal ingressa com uma ação civil pública para reparação integral pelo rompimento no valor de R$ 155 bilhões
  • Ao todo, 26 pessoas físicas e jurídicas foram processadas pelo desastre, sendo 21 acusadas por homicídios dolosos e outros três crimes, mas ninguém foi preso
  • 21 de setembro de 2018, o Estado de Minas revela, com exclusividade, que o escritório de advocacia inglês ingressaria com uma ação de 5 bilhões de libras em cortes do Reino Unido contra a BHP. O processo foi protocolado em 2 de novembro
  • Antes de que fosse julgado, ocorreu no Brasil o acordo para Reparação Integral e Definitiva, assinado em 25 de outubro de 2024. O acordo foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 6 de novembro de 2024
  • Prevê, resumidamente, um valor total estimado em R$ 170 bilhões (sendo R$ 38 bilhões já investidos anteriormente) para a reparação integral dos danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo desastre na Bacia do Rio Doce
  • Uma ação do instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) no STF, relatada pelo ministro Flávio Dino, proibiu municípios e estados de proporem novas demandas no exterior e determinou que atos judiciais ou administrativos estrangeiros só têm validade no Brasil após homologação de autoridades brasileiras
  • Uma ação civil pública foi acertada, mas não agendada, para decidir se os municípios podem processar uma empresa no exterior


As vidas perdidas no desastre

  • Ailton Martins dos Santos, de 55 anos
  • Antônio Prisco de Souza, de 73 anos
  • Claudemir Santos, de 40 anos
  • Claudio Fiuza, de 40 anos
  • Daniel Altamiro de Carvalho, de 53 anos
  • Edinaldo Oliveira de Assis
  • Edmirson José Pessoa, de 48 anos
  • Emanuely Vitória, de 5 anos
  • Marcos Aurélio Pereira Moura, de 34 anos
  • Marcos Xavier, de 32 anos
  • Maria das Graças Celestino, 64 anos
  • Maria Elisa Lucas, de 60 anos
  • Mateus Márcio Fernandes, de 29 anos
  • Pedro Paulino Lopes, de 56 anos
  • Samuel Vieira Albino, de 34 anos
  • Sileno Narkievicius de Lima, de 47 anos
  • Thiago Damasceno Santos, de 7 anos
  • Vando Maurílio dos Santos, de 37 anos
  • Waldemir Aparecido Leandro, de 48 anos

NOTA À IMPRENSA
Corte de Londres condena BHP pelo caso de Mariana

Hoje é um dia histórico para as vítimas de Mariana, para a responsabilização de empresas mineradoras em todo o mundo e para o Judiciário. Há oito anos, após frustradas tentativas de conseguir a reparação devida às vítimas do crime ocorrido em 2015, decidi levar o caso da responsabilização da BHP e da Vale para fora do Brasil, já que uma das empresas responsáveis pelo crime é anglo-australiana e poderia responder por seus atos frente à Justiça da Inglaterra, justamente como forma de garantir uma indenização justa às vítimas e uma punição exemplar às empresas.

Com a decisão de hoje, as mineradoras agora vão ter que começar a pagar pelo que sempre fizeram: destruir a vida das comunidades locais e seguir em frente até a próxima “tragédia”. Agora, no caso de Mariana, fica claro que não haverá impunidade.

Esse caso abre um precedente internacional e vai balizar outras ações semelhantes que já estão em curso – como outras com que ingressei, como o caso de Brumadinho, que corre na Alemanha, e o de Alagoas, que tramita na Justiça da Holanda – ou que venham a existir em futuros crimes ambientais e contra populações locais provocados por ações ilegais de grandes empresas mineradoras.

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, matou 19 pessoas e destruiu oito de cada dez edificações em Bento Rodrigues. A vida de toda uma comunidade foi transformada, para pior. Rejeitos percorreram, pelo Rio Doce, cerca de 600 km até alcançar o mar, no Espírito Santo. Nesse caminho, impactou a vida de mais de 600 mil pessoas, que integram nossa ação julgada hoje, na Inglaterra.

O resultado de hoje significa que, pela primeira vez, a BHP foi considerada culpada pela Justiça pelo colapso da barragem de Fundão. Mesmo agora, mais de dez anos depois, ninguém foi condenado em uma corte criminal, e isso torna a decisão de hoje sobre responsabilidade ainda mais importante. A decisão também abre a possibilidade para que centenas de milhares de pessoas avancem na busca por uma compensação justa por suas perdas. Como autor da tese, estou extremamente orgulhoso por ter lutado nesse caso durante oito anos em nome das vítimas — e os resultados começam a aparecer.

Trata-se, é claro, de um marco na história do Direito Ambiental do planeta. Multinacionais se aproveitam de um mercado globalizado para maximizar lucros, mas devem também ser responsabilizadas de forma global – sobretudo quando não encontram a devida reparação no país do crime, como foi o caso de Mariana. Como autor da tese de processar a BHP e a Vale na Inglaterra, fizemos um trabalho árduo de garantir às vítimas o amplo acesso à Justiça, o que nesse caso incluiu a corte britânica, que tem mecanismos de indenização coletiva avançados. A decisão de hoje é um passo relevante para fazer Justiça às vítimas e mostra a efetividade da litigância transnacional.

Thomas Goodhead - advogado e autor da tese que levou o caso de Mariana à corte inglesa

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