Uma caminhada pelo fim da violência contra mulheres e meninas reuniu vítimas e familiares de vítimas, neste domingo (30/11), na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A 8ª edição do evento, que acontece em outras capitais do Brasil e em outros países, contou com música e alas temáticas, representando diferentes forças da sociedade unidas pelo fim da violência de gênero.


A iniciativa é promovida pelo Grupo Mulheres do Brasil e conta com o apoio de órgãos como o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG); polícias Militar e civil de Minas Gerais, a Cruz Vermelha Brasileira, além de entidades da sociedade civil.


Os participantes se concentraram na Praça da Bandeira, no Bairro Mangabeiras, e desceram a Avenida Afonso Pena em direção ao Tribunal de Justiça, que fica no número 4001 da via. A caminhada contou com a participação do bloco de carnaval As Charangueiras, que deu ritmo e energia à mobilização.    


A novidade deste ano foi a divisão dos participantes em cinco alas: Mulheres do Brasil e Movimentos Sociais; Parceria de Peso; Justiça e Segurança; Pelo Fim da Violência Política de Gênero e da Esperança: Juventude em Movimento. Cada uma delas contou com representantes do poder público, iniciativa privada, parlamentares e membros da sociedade que lutam pelo fim da violência de gênero. Várias mulheres seguravam cartazes com dizeres sobre diversos tipos de violência: psicológica, física, sexual, patrimonial, além de frases incentivando que as vítimas denunciem as agressões. 


Em uma das alas, familiares da advogada Carolina da Cunha Pereira França Magalhães, vítima de feminicídio em junho de 2022, usavam camisetas com a foto dela e um pedido por justiça. O acusado pela morte da advogada, Raul Rodrigues Costa Lages, será julgado pelo crime no Tribunal do Júri de Belo Horizonte. 


Avanços e desafios


Dalva Domingos é uma das líderes do Grupo Mulheres do Brasil, em Belo Horizonte. Ela diz que a caminhada começou em 2017. “Naquele ano, instituímos (o movimento) como causa global. Acontece aqui em Belo Horizonte, em todas as capitais do país e no mundo. Estamos em 42 países também com esse movimento da caminhada”, explica. 


Ela avalia que os avanços têm acontecido, embora os desafios ainda sejam grandes. “O machismo é muito impregnado na nossa sociedade. Os homens ainda acreditam que a mulher é um objeto que lhe pertence”, afirma. Ela diz que o grupo também trabalha nesse sentido, promovendo rodas de conversa com os homens, com o objetivo de conscientizar para o tema.

“Estamos engatinhando, mas hoje, vejo que as mulheres têm coragem de denunciar, coisa que antes não acontecia. Viviam, às vezes, uma vida inteira nesse sistema de violência. Minha esperança é essa. Parece que os números têm aumentado, mas é porque as denúncias estão aumentando, coisa que antes não víamos”, pontua.

Dalva Domingos é uma das líderes do Grupo Mulheres do Brasil, em Belo Horizonte

Edesio Ferreira/EM/D.A Press


Dalva acredita que abordar o tema com constância faz com que as mulheres vítimas de violência se sintam encorajadas a denunciar as agressões.

“Temos uma Sala Lilás em Belo Horizonte para que a mulher seja acolhida e possa fazer essa denúncia. Infelizmente, algumas mulheres acreditam que retirando as medidas protetivas podem ficar mais seguras e voltar para o companheiro. Mas essas medidas devem ser mantidas. Elas têm que buscar ajuda, grupos de apoio, fazer terapia e enfrentar. Não é fácil, uma mulher vítima de violência sofre culpabilização, a maioria das pessoas acham que a culpa é da mulher e não é. Mas acho que estamos avançando com coragem.”


A promotora Denise Guerzoni Coelho, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAOVD), destaca a importância de unir o Estado, a iniciativa privada e a sociedade no debate do tema. 


“Nessa semana houve a comemoração do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres (25/11) e é importante que façamos esse movimento para trazer luz e gigantismo para a pauta. Enquanto tivermos em torno de quatro feminicídios ao dia no Brasil, ou seja, a cada seis horas uma mulher morta, é preciso sair às ruas, dos gabinetes. O sistema de segurança, de justiça, de assistência, de saúde, a comunicação, todos nós sejamos envolvidos nessa grande pauta, rumo à equidade de gênero”, ressalta. 

A promotora Denise Guerzoni Coelho, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAOVD)

Edesio Ferreira/EM/D.A Press


Apesar dos números alarmantes, a promotora também acredita que a sociedade está avançando no enfrentamento à violência de gênero. “As campanhas têm sido feitas, o Ministério Público e outros órgãos têm pautado campanhas de encorajamento para que a vítima venha até nós. É importante que se diga que as medidas protetivas salvam vidas e são fundamentais na proteção das mulheres. Os dados do Anuário de Segurança Pública nos mostram que as vítimas que têm medidas protetivas estão efetivamente mais seguras que aquelas que não as têm.”


Para ela, o caminho do enfrentamento consiste em dois movimentos: denúncia e acolhimento. “São dois movimentos que caminham de forma paralela e simultânea. Ao mesmo tempo que a vítima é acolhida, orientada e recebe as medidas protetivas, está cercada com a proteção que o Estado oferece, é preciso denunciar para responsabilizar o agressor. Para que ele se afaste, que não se aproxime, que se proíba a divulgação de conteúdo indevido, se monitore eletronicamente e se prenda preventivamente, em casos severos.”    

Três dias de terror


A vendedora Lana Lopes, de 38 anos, participa da caminhada pelo terceiro ano. Ela foi mantida em cárcere privado por três dias, em 2023, pelo ex-noivo que não aceitava o fim do relacionamento. Lana conta que estava se mudando para o Rio de Janeiro, para se casar e viver com o ex-companheiro, que morava na capital fluminense. Na época tinha perdido a mãe há pouco tempo e o irmão tinha pedido que ela não fosse. A vendedora diz que, até então, não havia qualquer sinal de alerta para uma futura agressão física. 


“Quando saí disso, entendi a pressão psicológica e tudo o que acontecia. Ele me manipulava muito bem. Fazia as coisas, me machucava e dizia que eu tinha provocado a situação.” Ela não percebia, à época, a violência psicológica que enfrentava por parte do ex-noivo. “Me tratava mal, mas no outro dia estava com flores, pedindo perdão. Quando brigávamos, ele vinha do Rio para cá e fazia tudo parecer maravilhosamente bem. Eu era a princesa dele”, relembra.

Os dois namoraram por dez anos. Ela colocou um fim no relacionamento e foi até a capital fluminense buscar pertences que já havia levado para lá, quando foi surpreendida com uma atitude inesperada do ex-companheiro. Lana conta que decidiu dormir, para descansar da viagem, e foi acordada abruptamente pelo homem que queria o aparelho celular dela. “Ele começou a mexer no telefone procurando conversas e fotos. Não tinha nada, apenas conversas com minhas amigas dizendo que não queria mais continuar o relacionamento.”

A vendedora Lana Lopes, de 38 anos, foi mantida em cárcere privado por três dias, em 2023, pelo ex-noivo que não aceitava o fim do relacionamento

Edesio Ferreira/EM/D.A Press


Lana conta que uma pessoa que considerava amiga convenceu o ex-noivo que o motivo para o fim do relacionamento era que, a então noiva, estava se relacionando com outra pessoa. “Não tinha ninguém. Ele me prendeu e passou um dia inteiro me agredindo. Via que eu estava machucada e debilitada, mas sentia prazer em me obrigar a fazer sexo com ele. Foi quando ele raspou a minha cabeça como forma de punição”, descreve.


O ex-noivo era militar assim como boa parte da família. “O pai é tenente aposentado do Exército, tanto que ele ficou preso por apenas seis meses. Eu fiquei presa por três dias. Não bebia água, não comia. Para ir ao banheiro, tinha que pedir permissão pra ele”, desabafa.


Socorro e recomeço


Ela só conseguiu pedir ajuda quando, na certeza de que a ex-noiva não conseguiria escapar, já que não conhecia ninguém na cidade, o homem devolveu o celular para ela e a desafiou: “Tenta ajuda aí com alguém”, relembra, emocionada. 


O que ele não sabia é que Lana tinha sido apresentada, em BH, seis meses antes do crime, a um homem que se tornou seu amigo e morava no Rio de Janeiro. Um amigo em comum os apresentou. “Ficamos amigos, ele começou a se relacionar com uma amiga minha daqui.”


A vendedora conta que o ex-noivo estava respondendo as mensagens e se passando por ela para que ninguém desconfiasse de seu sumiço. O amigo percebeu que não era ela pela forma com que as respostas eram dadas. De posse do celular, foi para esse amigo que Lana mandou a localização de onde estava e pediu socorro. “Mandei uma foto e pedi para ele me tirar de lá porque ele (o ex-noivo) ia me matar.”


O amigo então mandou a localização do cativeiro para a mãe do agressor e procurou a polícia. O homem tomou o celular de volta, viu as conversas e a ameaçou: “Quero ver quem vai ter coragem de vir aqui para te tirar.” Ele tinha alugado uma casa no Complexo do Chapadão e levado Lana para ficar em cárcere privado lá. Ela foi resgatada por uma equipe da Polícia Militar do Rio de Janeiro e do Bope.   


A vendedora diz que, ao chegar à delegacia, toda debilitada e machucada, ainda teve que ouvir da ex-sogra, aos gritos, que Lana havia acabado com a vida do filho dela. “Pra mim, o pior é a impunidade. Quando voltei tive que mudar toda minha rotina, resguardar meus filhos e meu pai.”


Ela destaca o apoio que recebeu do Grupo Mulheres do Brasil após o crime. “Elas foram incríveis, acolhedoras em um momento muito difícil.”

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Apesar de todo o sofrimento vivido, Lana consegue ter motivos para acreditar e lutar. “Sou muito grata pela nova vida que construí, diante da situação mais crítica da minha vida. A vida é feita de recomeços. Falo que fui vítima, mas escolhi não ser vítima. Por isso, estou aqui hoje”, conclui emocionada.

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