Filha recebe útero da mãe e gera bebê no órgão que a gestou
Caso raro envolve transplante de útero, fertilização in vitro e um nascimento considerado marco na medicina reprodutiva
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Em 2021, a vida da australiana Kirsty Bryant tomou um rumo inesperado. Após o parto da primeira filha, Violet, ela sofreu uma hemorragia grave e, aos 28 anos, precisou passar por uma histerectomia, uma cirurgia de retirada do útero.
“Fiquei incrivelmente grata por ter uma menina feliz e saudável, mas estava muito, muito triste com a ideia de não poder ter outro filho”, contou Kirsty em entrevista ao programa “60 Minutes”, do Channel Nine.
Mas ela tinha o sonho de gerar outro bebê. Foi então que ela recorreu à própria mãe, Michelle, hoje com 56 anos. “Eu liguei para ela e disse: ‘mãe, se você pudesse passar por uma histerectomia e eu ficar com o seu útero, você faria?’ E ela imediatamente disse que sim”, relatou Kirsty ao “Motherhood Podcast”.
Foi então que mãe e filha se tornaram as primeiras pacientes da Austrália a passarem por um transplante uterino bem-sucedido. O procedimento foi realizado no início de 2023 e durou cerca de 11 horas para a retirada do útero de Michelle, além de outras quatro horas para o transplante em Kirsty.
Apesar dos desafios no pós-operatório — como perda de sangue e necessidade de transfusões — o transplante foi considerado um sucesso. Pouco mais de um mês depois, um marco emocionante:
“32 dias após o transplante, tive minha primeira menstruação”, contou Kirsty.
Antes mesmo da cirurgia, ela e o marido, Nick, já haviam se preparado para a fertilização in vitro. “Três meses depois dessa menstruação, nós agendamos a transferência de embrião.”
O resultado veio em dezembro de 2023, quando Kirsty deu à luz Henry, o primeiro bebê da Austrália nascido de um útero transplantado — o mesmo órgão que a havia gestado décadas antes.
Transplante temporário
Após o nascimento de Henry, Kirsty seguiu usando imunossupressores para evitar a rejeição do órgão. Em setembro de 2024, ela anunciou que não pretendia passar por outra gestação. Com isso, realizou uma nova histerectomia e pôde interromper a medicação.
Esse caminho é previsto pelos especialistas.“O transplante uterino tem uma característica única: ele é temporário. O órgão é mantido até que a paciente gere o número de filhos desejados e, então, é removido. Isso reduz os efeitos dos imunossupressores a longo prazo”, explica umartigo da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Hoje, Kirsty é embaixadora do hospital onde realizou o transplante, atua na arrecadação de fundos e compartilha sua trajetória publicamente. “Henry é o nosso bebê milagre”, disse à revista “Woman’s Day”.
Avanços no Brasil e no mundo
Ainda considerado experimental, o transplante uterino vem mostrando resultados promissores. Ele pode ser feito com útero de doadora viva ou falecida — desde que a doadora tenha histórico de fertilidade. Estudos indicam que transplantes com doadoras vivas apresentam maiores taxas de sucesso.
A Suécia é referência mundial na técnica. Em 2013, o país realizou nove transplantes em um estudo clínico; ao menos seis pacientes conseguiram engravidar.
No Brasil, o Hospital das Clínicas da USP realizou, em 2016, um transplante de útero de doadora falecida em uma mulher com a síndrome MRKH, condição em que a pessoa nasce sem útero. O procedimento resultou, em 2017, no nascimento de um bebê saudável — um feito inédito no mundo.
Já em agosto de 2024, São Paulo registrou o primeiro transplante uterino bem-sucedido entre pessoas vivas da América Latina. Diagnosticada com MRKH, Jéssica Borges, hoje com 34 anos, recebeu o útero da irmã, Jaqueline. “Foi um sonho quando descobri que havia sido aprovada no projeto. Sempre quis gerar uma criança”, contou em entrevista ao UOL.
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Em fevereiro deste ano, o Reino Unido celebrou um marco: o nascimento do primeiro bebê de uma mãe com útero transplantado no país. Grace Davidson recebeu o órgão da irmã e deu à luz Amy, nome escolhido em homenagem à tia doadora.